Ano 06 (2019) – Número 03 Artigos
10.31419/ISSN.2594-942X.v62019i3a10RSN
Rosemery da Silva Nascimento
Instituto de Geociências (IG) da Universidade Federal do Pará (UFPA), rsn@ufpa.br
The series picturesque voyage of GMGA-2019 had as destination to Rio Grande do Sul (RS), Brazil. The present work highlights ornamental basalts in Nova Prata mining District. We visited two quarries, Analu and Lobison, where two samples were collected. These rocks have features of horizontal diaclasement where minerals with dendritic habits (manganese oxides) develop and contain plagioclase (labradorite), pyroxene (augite) and olivine, classified as basalts with intersertal and intergragular texture of the Serra Geral Formation. These ornamental features are different and beautiful. The volume and conditions of this magmatism are unique. The dissemination to the general public of these beautiful ornamental features increases the business possibilities for the ornamental stone market.
Keywords: manganese oxyhydroxides; dendrites; petrography
Em continuidade a série de viagens pitorescas do Grupo de Mineralogia e Geoquímica Aplicada (GMGA) realizou-se em 2019 a Viagem Pitoresca GAUCHESCA TCHÊ ao Rio Grande do Sul, Brasil. Como parte desta viagem o presente trabalho destaca os basaltos ornamentais explorados no distrito mineiro de Nova Prata. Foram visitadas duas pedreiras, Analu e Lovison, onde foram coletadas duas amostras de rocha. Essas rochas nestas pedreiras apresentam forte diaclasamento horizontal, cujas superfícies de faturas estão parcialmente cobertas por belos dendritos negros de oxi-hidróxidos de manganês). As rocha em si são de cor cinza clara, granulação fina e formadas por labradorita, augita e olivina, com textura intersertal e intergragular, equivalentes a basaltos da Formação Serra Geral. Essas características texturais, a cor, o aspecto compacto e a presença extensiva dos dendritos, fazem que sejam apreciadas e comercializadas como rochas ornamentais tanto para piso como para paredes e acabamento.
Palavras-chave: oxi-hidróxidos de manganês, dendritos, petrografia.
O Grupo de Mineralogia e Geoquímica Aplicada (GMGA) do Instituto de Geociências da UFPA na continuidade da série “expedições científicas pitorescas” iniciadas em 2018, escolheu para a versão 2019, o Rio Grande do Sul. O objetivo principal desta pitoresca, discutido inicialmente dentro do grupo, seria as ruínas de São Miguel das Missões – RS, pois sempre houve grande interesse de alguns integrantes do grupo, em especial do Prof. Dr. Marcondes Lima da Costa, de visitar estas ruínas jesuíticas, para apreciar, descrever e discutir sobre os diferentes aspectos da geologia com ênfase na formação de lateritos, mineralogia, arqueologia e história da região, mas já que iríamos ao belo estado do Rio Grande do Sul, foram incluídos também no roteiro Gramado, Canela, Nova Prata, Ametista do Sul, Santa Maria, Minas do Camaquã, Lavras e Caçapava do Sul, pois contamos com o apoio na organização da expedição com novos integrantes pitorescos, gaúchos, a Dra. Claudete Gindri Ramos e o Prof. Dr. Rubens Müller Kautzmann. Os citados pitorescos foram fundamentais na organização do belo roteiro que foi executado no período de 25 à 31.05.2019. Partimos de Porto Alegre e rodamos mais de 2.000 km. Uma aventura e tanto, digna de uma pitoresca, Tchê!. Quanto a visita às ruínas de São Miguel das Missões, em 28.05.2019, não decepcionaram, belíssimas, além dos diferentes aspectos, já citados acima, faltou o espiritual ou místico. Chegamos pela manhã, logo cedo, havia uma bruma no ar (Fig. 1) que me levou a refletir que é um lugar místico, um portal para o passado, marco das raízes da miscigenação do nosso povo. Um lugar que é possível sentir que ali no passado fervilhava a vida e batalhas foram travadas para manter as fronteiras de um país que se formava. Contudo, dentro do roteiro desta pitoresca gaúcha, um tema, ou melhor, rochas, já haviam me cativado, basaltos, visitados em 26.05.2019 na RS-324 no Município de Nova Prata, as pedreiras Analu e Lovison. Dessas pedreiras são extraídas rochas ornamentais e brita para a construção civil. As rochas correspondem a derrames vulcânicos dentro do contexto geológico da Formação Serra Geral, classificadas comercialmente de Basalto da Serra Gaúcha (Motoki et al., 2003; Motoki et al., 2008; Chiodi Filho & Chiodi, 2009; Petrakis et al., 2010). Estas rochas chamam atenção pelo atributo estético diferenciado e “pitoresco” que consiste em minerais opacos a oxi-hidróxidos de manganês dendríticos ou arborescentes. Assim, o presente texto trata da descrição e classificação petrográfica de duas amostras coletadas nas referidas pedreiras.
Os procedimentos metodológicos envolveram fundamentalmente revisão bibliográfica e análises petrográficas laboratoriais. A revisão bibliográfica consistiu na consulta a livros didáticos, teses e artigos publicados com informações sobre o Basalto da Serra Gaúcha, com foco na petrografia, uso e aplicações industriais como material de construção e artísticas (matéria prima de ornamentos e artesanatos). A análise petrográfica foi realizada em duas (2) lâminas delgadas polidas, oriundas das pedreiras Analu e Lovison, Município de Nova Prata, Rio Grande do Sul. Estas lâminas foram confeccionadas na oficina de laminação do Instituto de Geociências da UFPA e descritas com captura de imagens (fotomicrografia) no laboratório de gemologia do Museu de Geociências da UFPA (MUGEO). Esta etapa do trabalho baseou-se na identificação e descrição mineralógica, análise das tramas texturais, determinação da composição e posterior classificação das rochas seguindo os critérios de Zussman, 1981; Mackenzie et al.,1995; Cox et al., 1979 e Wernick, 2003, no estudo petrográfico de rochas vulcânicas. A presença de manganês nos dendritos foi confirmada por Fluorescência de Raio X (FRX- portátil) modelo S1-TURBO fabricado pela Bruker e pertencente aos Laboratórios LAMIGA do MUGEO.
Basaltos ornamentais do Município de Nova Prata, Serra Gaúcha
O Município de Nova Prata no nordeste do Rio Grande do Sul é conhecido como “Capital Brasileira do Basalto” (Vargas et al., 2001) na extração de rochas ornamentais para piso, pilares, colunas, soleiras, calçamentos, revestimentos, alicerces, fachadas, peças isoladas (tampo de mesa, balcões, lápides, etc.) ou para brita e areia na construção civil como agregados para corpos de concreto (Mendes et al., 2007, Chiodi Filho & Chiodi, 2009), ou ainda na aplicação em remineralização/rochagem (Ramos, 2014).
De acordo com o Sindicato da Indústria de Extração de Pedreira de Nova Prata no município atuam cerca de 300 empresas de mineração, a maioria na produção de pedra de talhe (Motoki et al., 2004). De modo geral, os principais níveis de derrames são de rochas com disjunções tabulares horizontais que facilitam a extração e o corte de placas e plaquetas ara uso como rochas ornamentais (Figs. 2 e 3).
As disjunções horizontais correspondem aos planos de fraturas que ocorrem em derrames magmáticos. Comportam-se como horizontes tabulares que afloram nas vertentes dos vales e são explorados pelas diversas empresas da região, que extraem blocos ou placas (Fig. 3), cortados em formas variadas e beneficiados por meio de esquadrejamento e polimento. De acordo com Vargas et al. 2001, Motoki et al., 2004, Mendes et al., 2007, Chiodi Filho & Chiodi, 2009, os principais fatores que condicionam a exploração e uso de rocha ornamental são: composição da rocha; cor e tonalidade; textura e granulometria/granulação; homogeneidade litológica; nível de oxidação; grau de fraturamento (densidade de fraturas); presença de veios, enclaves e xenólitos e grau de deformação estrutural.
É importante destacar o estudo estatístico das fraturas, pois suas direções e espaçamento permitem evitar gerar grandes volumes de rejeitos ou resíduos e maiores danos ambientais. Em geral rochas com fraturamento escasso e bastante espaçado facilita a obtenção de blocos com dimensões e qualidade compatíveis com as especificações do mercado, propiciando um aumento da taxa de recuperação da pedreira. Outros aspectos, como clima, leis, transporte, logística, legislação ambiental vigente na região e contexto da infraestrutura, são também fatores importantes a considerar, pois podem facilitar, ou dificultar o comércio de rochas ornamentais. No caso de Nova Prata, considerando o número de pedreiras existentes na região, estes fatores atuam de maneira a facilitar a exploração e comércio das rochas oranamentais.
Petrografia dos Basaltos das Pedreiras Analu e Lovison
Dentro do contexto e critérios, descritos acima, importantes no mercado de pedras ornamentais, visitamos dentro do roteiro da pitoresca, duas pedreiras de exploração de basalto, na RS-324 km 5, Município de Nova Prata, Pedreira Analu e Lovison. As amostras coletadas nas duas pedreiras apresentam características petrográficas semelhantes, contudo, a Pedreira Lovison possivelmente corresponde a uma porção mais máfica do derrame. Mas, de modo geral, são rochas de cor cinza claro, granulação média, com cristais prismáticos ou ripiformes de plagioclásio que variam de 1-3 mm, mesocráticas com índice de cor entre 40-50. Estão fortemente fraturadas e nas superfícies das fraturas paralelas horizontais é comum observar óxidos de manganês que desenvolveram hábito dendrítico. As análises preliminares de FRX nestes dendrítos revelou um percentual de 1,52%-1,68% de MnO. Por sua vez, as análises petrográficas revelaram que estas rochas apresentam textura dominante intersertal (vitrofírica) a intergranular (Fig. 4).
Os interstícios dos cristais de plagioclásio (Figura 5) estão preenchidos dominantemente por uma massa negra microcristalina (possivelmente vidro vulcânico recristalizado) e clinopiroxênio (augita). Localmente a textura intersertal e intergranular destas rochas varia para uma textura ofítica. Os cristais de plagioclásio do tipo labradorita (An48-50) ocupam 40 % do total da rocha, apresentam maclamento simples e polissintético e frequentemente se alteram para epídoto A labradorita apresenta discreta saussuritização. Já o clinopiroxênio do tipo augita, ocupa cerca de 20 % do total da rocha, tem cor de birrefringência moderada variando em torno de 0,025-0,030, ângulo de 2V em torno de 25º a 60º. A rocha foi classificada como basalto intergranular e vitrofírico, considerando percentual (20 %) de material negro (opaco) microcristalino. Menos de 5 % são minerais opacos, enquanto a olivina em quantidade de traços, está parcial a totalmente serpentinizada. Os minerais de alteração, ocorrem com menos de 5 % do volume da rocha, são em geral sericita, epídoto e carbonatos.
A Província Magmática do Paraná de idade aproximada de 130 Ma formada durante a abertura do Atlântico Sul no Cretáceo Inferior (Nardy et al., 2008) está representada na região de Nova Prata (RS) pelo Grupo São Bento formado dominantemente por derrames de basaltos toleíticos, dacitos, riodacitos, riolitos, rochas piroclásticas, além de rochas intrusivas. De acordo com Milner et al., 1995, o Grupo São Bento está dividido em Formação Serra Geral e Formação Nova Prata. A Formação Serra Geral é composta por rochas efusivas básicas toleíticas com basaltos maciços e amigdalóides, afaníticos, cinzentos a pretos, raramente andesíticos enquanto que a Formação Nova Prata corresponde a derrames de basaltos pórfiros, dacitos, riodacitos e riolitos. As rochas comercializadas como rochas ornamentais no Município de Nova Prata denominadas comercialmente de basaltos nem sempre correspondem exatamente a basaltos no sentido petrográfico, podem corresponder a dacitos, riodacitos, dacitos e ignimbritos (piroclásticas) originados por derrames ácidos e fluxos piroclásticos de alta temperatura (Milner et al., 1995; Motoki et al., 2003; Petrakis et al., 2010).
Os resultados das análises petrográficas e das amostras coletadas nas pedreiras Analu e Lovison no Município de Nova Prata-RS dentro do roteiro da viajem pitoresca riograndense, correspondem a basaltos com disjunção tabular horizontal, textura intersertal, intergranular a vitrofírico, formado dominantemente por labadorita, augita e vidro oxidado. Nas superfícies das disjunções horizontais estão presentes os chamados “pseudofósseis” que correspondem a superfícies de óxido de Mn com hábito dendrítico. A descrição e composição destas rochas estão de acordo com as descrições e classificações feitas por Nardy et al., 2008 para as rochas da Formação Serra Geral do Grupo São Bento. Contudo, o estudo apresentado aqui ainda requer refinamento com futuras análises mineralógicas, a fim de comparar com os estudos de litoquímica, petrografia e mineralogia disponível na literatura sobre basaltos da Serra Gaúcha dentro do contexto da Bacia do Paraná. Mas, dentro do aspecto pitoresco de nossa viajem, estas rochas chamam atenção pela beleza e resistência. Isto porque, de acordo com Petrakis et al. (2010), o magma superaquecido ao resfriar rapidamente ganha uma alta resistência mecânica, mesmo com os processos de saussuritização que em alguns casos aumentam a resistência da rocha ao criar uma superfície de proteção. Já os pitorescos arranjos criados pela percolação de oxi-hidróxidos de de manganês nas superfícies de disjunção horizontal, os quais se apresentam na forma de belíssimos dendritos. Estas feições ornamentais são diferenciadas, o volume e condições químicas e físicas deste magmatismo são únicos no território nacional e devem ser divulgadas para apreciação do público em geral visando o avanço do conhecimento de rochas ornamentais desta natureza.
Agradeço a companhia de todos os companheiros da pitoresca gaúcha-2019, em especial a Dra. Claudete Gindri Ramos e o Prof. Dr. Rubens Müller Kautzmann, pelo empenho na elaboração e execução do roteiro, tornando possível a visita em várias minas, uma experiência inesquecível. O valente Gênese II (pitoresca-2018) foi substituído por um veículo terrestre (van), guiada de forma profissional pelo Sr. Roberto, rodamos mais de 2.000 km pelo Rio Grande Sul. Ao Prof. Dr. Marcondes da Lima Costa pelas análises de FRX e da fotomicrografia em lâmina delgada, em especial ao mestrando Alan Queiroz do GMGA por auxiliar na obtenção da imagem da lâmina de basalto. Para finalizar, não posso deixar de mencionar que ao chegarmos a São Miguel das Missões, pensei que o nome do lugar fosse apropriado. São Miguel Arcanjo, o príncipe e chefe da milícia celeste, aquele que bradou aos anjos rebelados, “Quem é como Deus…?!” e neste lugar místico agradeci aos céus pela oportunidade desta viagem pitoresca.
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