04 – O Forte São Pedro Nolasco ou Baluarte Nossa Senhora das Mercês em Belém do Pará: uma história em blocos de rochas.

Ano 05 (2018) - Número 02 Artigos

 10.31419/ISSN.2594-942X.v52018i2a4ACS

 

 

Ariel Cerqueira Szlafsztein 1, Roseane da Conceição Costa Norat 2, Marcondes Lima da Costa 3.

 

1 Belém, Pará, LACORE/FAU/ITEC/UFPA, Brasil, e-mail: aszlafsztein@gmail.com

2 Belém, Pará, LACORE/FAU/ITEC/UFPA, Brasil, e-mail: rosenorat@gmail.com

3 Belém, Pará, GMGA/IG/UFPA, Brasil, e-mail: marcondeslc@gmail.com

 

Abstract

The appreciation of the historical patrimony perpasses by the knowledge and appropriation of these constructions. In the Amazon, military fortifications exemplify the constructive effort in often adverse environmental conditions, especially regarding the availability of materials and labor. Many fortifications have disappeared over time, but sometimes they have left traces to nowadays. An example of this is the São Pedro Nolasco Fortress, also known as the N. Sa das Mercês Bastion, whose bases, after years buried after demolition for the construction of the port of Belém, was rediscovered, having in its rocks a part of its material history remembered. This article presents the main rocks of the Amazonian geological context that were used in the bases of the fort and in the intervention, that reintegrated the remaining structures into the current urban scene. For this reason, analyses were carried out from the historical iconography of the 17th and 19th century plants allied to the Mesoscopic analysis of the constructive materials. The results show the changes in the landscape and the construction materials employed such as the rocks of the Amazonian geological context such as the ferruginized sandstones, lateritic crusts and iron stone, the example of other fortresses of the region.

Keywords: Fortresses; Preservation; Technology.

Palavras-chave: Fortificações; Preservação; Tecnologia.

 

Introdução

A estratégia de ocupação da região amazônica por parte do Império Português derivava da necessidade de consolidação de seus domínios, em especial na desembocadura do rio Amazonas. Nesse sentido, a cidade de Belém do Pará, fundada em 1616, teve seu sítio de origem escolhido a partir de critérios que aliavam a escolha de locais com perspectivas visuais privilegiadas e posição estratégica para controle fiscal e vigilância das terras conquistadas.

Para tanto, foram construídas diversas estruturas a partir do núcleo inicial da cidade, representado inicialmente pelo Forte do Castelo e posteriormente agregando outras construções fortificadas, dentre as quais, destaca-se o Forte São Pedro Nolasco também conhecido como Baluarte de Nossa Senhora das Mercês. Neste artigo, adotamos a primeira nomenclatura.

Esse forte teve sua construção iniciada em 1665 com objetivo de cooperar com o Forte do Castelo, do qual dista aproximadamente 380 metros, na defesa do núcleo inicial de ocupação da cidade (Souza 1885; Vianna 1905).

Sua construção se deu aparentemente sobre uma faixa de praia às margens da Baia do Guajará e em frente ao Convento e Igreja dos Mercedários ao qual era ligado à terra firme por uma pequena ponte. Essas características são observadas em diversos documentos e cartografia histórica.

No decorrer da revolta da Cabanagem (1835-1840), devido aos combates ali ocorridos, sua estrutura foi bastante avariada, o que comprometeu suas funções e condições de conservação. Ao findar do conflito, o baluarte estava bastante deteriorado levando em última instância à sua demolição, justificada para a construção do porto de Belém, sendo esta autorizada em 1842 (Souza 1885; Vianna 1905; Reis 1956; Barreto 2010; Norat & Costa 2016).

As estruturas remanescentes representadas pelas bases das muralhas do forte e suas construções internas que corresponderiam a quartel, casa para oficiais, paiol, armazém e prisão foram então soterradas, perdendo-se os principais registros da pequena fortificação, as quais permitiriam um melhor entendimento sobre as técnicas construtivas empregadas nessa construção e seus materiais, em particular as rochas.

Com a redescoberta e reintegração dessas bases na paisagem urbana após escavações arqueológicas inicialmente na década de 1990 e depois durante as obras do Complexo Estação das Docas, são esses blocos de rochas e outros materiais como tijoleiras cerâmicas (estas em menor ocorrência nas bases remanescentes) que permitem auxiliar a interpretação dessa estrutura desaparecida.

Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo identificar e inferir a partir de documentos históricos e correlações com outras estruturas similares na região, os materiais empregados nesta construção, no que tange especificamente às rochas predominantes oriundas do entorno geológico amazônico, com raras exceções observadas.

 

Materiais e Métodos

O desenvolvimento deste trabalho baseou-se .em pesquisas históricas e iconográficas a partir do “Prospecto da cidade de Belém, do Estado do Gram Para” de 1756 e da “Planta da Cidade de Belém do Gram-Para”, levantada por Edmund Compton de 1881, que objetivaram compreender o contexto de construção do forte e das modificações no terreno após sua demolição, além de dados de pesquisas complementares por meio de análises mesoscópicas dos materiais construtivos encontrados nas bases do Forte São Pedro Nolasco integradas na atualidade à área do anfiteatro da Estação das Docas

 

Resultados e Discussões

A estrutura do Forte São Pedro Nolasco apresentava desenho codiforme e se estabelecia sobre uma faixa aparentemente de praia que bordejava a falésia esculpida sobre possível perfil laterítico imaturo desenvolvido sobre as rochas da Formação Barreiras. Esta dedução foi favorecida pela análise da iconografia histórica da cidade de Belém/PA desde o século XVII e pela analogia com outras estruturas na cidade e arredores, que foram assentadas em ambiente dominado por perfis lateríticos, a exemplo do Forte do Castelo.

Da mesma forma por analogia com os ambientes praianos em domínio do atual município de Belém, admite-se também que embora pareça ter sido instalado sobre praia, na verdade, aproveitaram-se zonas rochosas lateríticas reliquiares que estavam ao nível da praia, fato muito comum nas praias. As estruturas de uma fortificação, principalmente nestas condições ao nível de uma baía com forte influência do mar, exigiam materiais construtivos resistentes e substrato firme, o que não poderia ser conferido por uma praia.

Formações lateríticas maturas e imaturas com desenvolvimento de espessas crostas ferroaluminosas são recorrentes na região amazônica, da mesma forma como arenitos ferruginizados, quando do domínio de arenitos, os quais são usados até os dias de hoje nas construções (Costa 1991). Crostas lateríticas ferroaluminosas, arenitos ferruginizados e pedras de ferro foram identificados nos resquícios da base do Forte São Pedro Nolasco.

No prospecto da cidade de Belém datado de 1756 e desenhado do original pelo Capitão Engº Johan Andre Schwebel (Figura 1a) esse forte aparece cercado pelas águas da baía. Mais um argumento de que de fato o forte foi estabelecido sobre uma base de crostas lateríticas e/ou arenito ferruginizados, como podem ser observados principalmente na orla da ilha de Mosqueiro, ainda nos dias atuais, que durante a preamar ficam encobertos e expostos durante a baixa-mar.

 

Figura 1: (a) Prospecto da cidade de Belém, do Estado do Gram Para de 1756 desenhada do original pelo Capitão Engº Johan Andre Schwebel; (b) detalhe da elevação do Forte de São Pedro Nolasco situado atrás da Igreja de Nossa Senhora das Mercês, cercado pelas águas da baía do Guajará.
Fonte: Biblioteca Nacional/RJ, adaptada.

 

No pormenor em destaque na Figura 1b, observam-se aspectos da paisagem local, antes do aterramento que geraria a antiga Rua do Imperador atual Boulevard Castilhos França (Figura 2), a qual separa o Convento dos Mercedários e o Complexo Estação das Docas, local onde hoje se encontram os remanescentes das bases do forte e suas estruturas internas.

É provável que estas bases correspondam ao nível da saia inferior do forte, destacada na Figura 1b. No local, há também vestígio de possível estrutura do cais na área portuária, também identificado na pesquisa arqueológica (Figura 2).

 

Figura 2: Área onde se localizam as bases remanescentes das estruturas do Forte São Pedro Nolasco e possíveis vestígios de antigo cais, identificadas após pesquisas no Complexo Estação das Docas, e sua correlação na paisagem urbana modificada ao longo do tempo.

 

Na “Planta da Cidade de Belém do Gram-Para”, levantada por Edmund Compton, datada de 1881, logo após o aterramento da faixa de praia para a construção das Docas da Companhia Port of Pará, observa-se que a área onde se localizava o forte aparece ocupada pela “Guarda-moria” e pelo trapiche da Alfândega (Figura 3) havendo uma linha tracejada de formato curvo na posição aproximada às ruínas remanescentes.

 

Figura 3: Localização aproximada do Forte São Pedro Nolasco, já desaparecido, sobre a “Planta da Cidade de Belém do Gram-Para”, levantada por Edmund Compton, 1881, após aterro para a construção das Docas da Port of Pará, onde se localizava a Guarda-moria e trapiche da Alfândega.
Fonte: Arquivo Nacional (BR_RJANRIO_F2_0_MAP_0069_F2), modificada.

 

As principais rochas encontradas nas partes remanescentes da base do forte e suas estruturas internas são:

  • Arenitos ferruginizados: rocha sedimentar provavelmente obtida nas cercanias e margens próximas ao forte, de coloração avermelhada escura, onde grãos de quartzo são cimentados por goethita e hematita, emprestando maior resistência e coesão. É a rocha que predomina na fortificação investigada e nas áreas de recomposição empregadas quando da sua recuperação durante as obras do Complexo Estação das Docas.
  • Crostas lateríticas: Rochas provenientes dos topos dos perfis lateríticos, com feições cavernosas e/ou nodulares, de coloração marrom-avermelhada e porções ocre, lilás e esbranquiçada, contendo em geral minerais de quartzo, goethita, hematita e caulinita, principalmente.
  • Pedras de ferro: Rochas de coloração marrom a vermelho escuro e porções ocre, de fina granulação e compacta, contendo grãos de quartzos dispersos em matriz ferruginosa goethítica.

Esses blocos de rochas encontrados na base da construção do Forte São Pedro Nolasco e suas estruturas internas (Figura 4) são semelhantes àquelas empregadas em outras fortificações da Amazônia brasileira, tais como o Forte do Castelo em Belém/PA, o Forte Santo Antônio de Gurupá/PA e a Fortaleza de São José de Macapá/AP, o que denota o uso do material mais disponível tanto pela ocorrência na superfície do terreno, como por estar próxima e de fácil acesso. Trata-se ainda de material duradouro, portanto estável, o que permitiu a adoção de técnicas construtivas semelhantes nas diversas construções militares portuguesas de ocupação duradoura (Norat & Costa 2013; Norat & Costa 2016).

 

Figura 4: Rochas predominantes do contexto geológico amazônico, encontradas nas ruínas remanescentes do Forte São Pedro Nolasco e de suas estruturas internas em Belém/PA: (a) arenito ferruginizado; (b) crosta laterítica; (c) pedra de ferro.

 

Conclusão

A partir das análises historiográfica e mesoscópica das bases remanescentes do Forte São Pedro Nolasco e de suas estruturas internas é possível identificar as alterações da paisagem urbana, após aterros sucessivos que avançaram na zona de praia até a baía do Guajará. Com a demolição do forte para a construção do porto de Belém/PA, hoje somente as ruínas são o reflexo da estrutura que existia. Sua correlação com a cidade, feita por uma ponte que atravessava a atual Boulevard Castilhos França até o Convento dos Mercedários não é mais perceptível, porém a associação de informações documentais aos vestígios encontrados auxilia essa interpretação. Dos materiais remanescentes conclui-se que a estratégia construtiva empregava os materiais geológicos rochosos locais em predomínio aos de outras procedências, o que também é observado em outras fortificações amazônicas. Essa escolha decorre possivelmente tanto pela maior durabilidade e resistência desses materiais bem como pela disponibilidade e acessibilidade às fontes de matérias primas.

 

Agradecimentos

À Pro-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação/PROPESP/UFPA, por meio do EDITAL 05/2017 – PRODOUTOR/PIBIC e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPQ pelo apoio à pesquisa da segunda autora e concessão de bolsa de produtividade em pesquisa e taxa de bancada (Processo no. 305015/2016-8) ao terceiro autor.

 

Referências

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Norat R. C. C. & Costa M. L. 2016. A linha de defesa do rio-mar: perdas e transformações da engenharia militar em Belém/PA (Brasil). In: Congresso Ibero-Americano Patrimônio, suas matérias e imatérias, Lisboa. Anais. 21p.

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 10.31419/ISSN.2594-942X.v52018i2a4ACS