Ano 04 (2017) - Número 04 Artigos
10.31419/ISSN.2594-942X.
Franklin Bispo-Santos (Pós-doutorando do IAG-USP).
Uma característica interessante do campo magnético da Terra é que ele pode ser registrado por uma rocha, através de um processo conhecido como magnetização. Compreender a origem do magnetismo de uma rocha, ou seja, a maneira pela qual a rocha adquiriu a sua magnetização, é imprescindível para o paleomagnetismo. Nesta área de pesquisa, estuda-se como o registro fóssil do campo magnético antigo, também conhecido como paleocampo, pode ser guardado por uma rocha no momento de sua formação.
As rochas são geralmente constituídas por agrupamentos heterogêneos de minerais, que são compostos químicos que em conjunto formam os diferentes tipos de rochas existentes. Sob a ação de um campo magnético as rochas apresentam comportamentos diferentes. Esse comportamento magnético da rocha vai depender da sua constituição mineralógica, podendo apresentar propriedades diamagnéticas, paramagnéticas ou ferromagnéticas. Entretanto, apenas uma pequena parte destes minerais (ferromagnéticos) é capaz de contribuir para as propriedades magnéticas (magnetização) contidas em uma rocha.
Para o paleomagnetismo é de fundamental importância realizar estudos sobre a mineralogia magnética da rocha investigada, visando identificar a origem e a natureza dos portadores magnéticos (minerais) que carregam a magnetização, e o tamanhão do grão destes minerais. Ressalta-se que é necessário conhecer as características dos minerais magnéticos da rocha investigada, visto que, minerais associados ao intemperismo ou ao metamorfismo são responsáveis por uma magnetização secundária – ocorrida posteriormente à formação da rocha – geralmente de origem química e que, muitas vezes, apresenta estabilidade magnética igual a da magnetização primária – ocorrida no momento da formação da rocha (Tarling, 1983).
Dentre os minerais magnéticos existentes, os principais para a análise do paleomagnetismo são os óxidos de ferro e titânio – magnetita, hematita, titanomagnetita e titanohematita; os oxidróxidos de ferro – goethita; e os sulfetos de ferro – pirrotita e greigita.
O desafio do paleomagnetismo é associar uma componente de magnetização a um mineral ferromagnético estável. O conhecimento dessa informação é crucial para determinar se a magnetização remanente natural (MRN) característica tem uma origem primária ou secundária. Para obter esta informação no paleomagnetismo realizam-se, além de observações petrográficas (Figura 1a), alguns procedimentos técnicos para identificar minerais magnéticos, tais como, desmagnetizações por campos magnéticos alternados, desmagnetizações térmicas, curvas termomagnéticas, curvas de magnetização remanente isotérmica e curvas de histerese.
O procedimento de desmagnetização por campos magnéticos alternados (DCA) permite investigar os espectros de coercividades associados às componentes de magnetização da rocha. Porém, a eficiência da DCA na separação de componentes é limitada, pois depende dos minerais magnéticos que ela contém e de suas propriedades. Por outro lado, o processo não altera quimicamente os minerais magnéticos da rocha, afetando apenas a direção e a intensidade da magnetização remanente. Normalmente, a DCA é muito eficaz em rochas que contêm minerais de baixas coercividades, magnetita ou titanomagnetita, como os principais portadores magnéticos.
A desmagnetização térmica (DTM) tem o objetivo de investigar o espectro de temperaturas de bloqueio (TB) associadas às componentes de magnetização e de identificar os portadores magnéticos presentes nas rochas. Com o procedimento de DTM, frações de TB são desmagnetizadas sucessivamente durante os aumentos progressivos de temperatura, possibilitando a separação das componentes de magnetização com diferentes TB. A DTM é muito eficiente para rochas contendo minerais magnéticos com coercividades muito altas, como por exemplo, hematita, goethita e pirrotita. Porém, um dos problemas da DTM é o surgimento de alterações termoquímicas nos minerais presentes na rocha, ocorridas em altas temperaturas, resultando na produção de novas fases minerais magnéticas.
As curvas termomagnéticas possibilitam a identificação dos minerais magnéticos das rochas através de suas temperaturas de Curie (TC), que são indicadas pelos pontos de inflexões nas curvas durante o aquecimento e resfriamento. Se as curvas apresentam a mesma trajetória no aquecimento e no resfriamento, são consideradas reversíveis e indicam que o mineral magnético não sofreu nenhuma transformação durante o ciclo.
No procedimento de obtenção de curvas de magnetização remanescente isotérmica (MRI), um espécime de rocha é exposto a um campo magnético em uma temperatura constante. Após a indução do campo, mede-se a MRI adquirida pelo espécime, e ao expor o espécime a campos cada vez mais altos, a MRI também aumentará e alcançará um valor máximo denominado magnetização remanescente isotérmica de saturação (MRIS). A forma das curvas de aquisição da MRI e o campo necessário para atingir a saturação (MRIS) dependem das coercividades dos grãos magnéticos que a rocha possui, possibilitando sua identificação (Lowrie, 2007).
A obtenção de curvas de histerese é outro procedimento importante nos estudos de paleomagnetismo. O formato dessas curvas dependerá das quantidades relativas dos minerais ferromagnéticos, paramagnéticos e diamagnéticos contidos na rocha. Contudo, depois de obter a curva de histerese, o componente relativo aos minerais paramagnéticos e diamagnéticos pode ser subtraído, resultando em uma curva de histerese corrigida que evidencia apenas o comportamento dos minerais ferromagnéticos. Com o ciclo de histerese, obtemos parâmetros que contribuem para a identificação de minerais magnéticos e para a caracterização de seus domínios magnéticos.
A figura 1 apresenta exemplos típicos dos procedimentos técnicos utilizados para a identificação de minerais magnéticos, descritos acima, para uma rocha ígnea investigada no estudo paleomagnético.
Na figura 1a, temos a fotomicrografia de uma seção polida na qual se visualiza um cristal de magnetita euhedral preservado. Na figura 1b, observa-se que a DCA eliminou totalmente a MRN da amostra em campos de 100 mT, mostrando que esta rocha está associada a grãos minerais com baixas coercividades, comportamento típico de magnetitas ou titanomagnetitas. Na figura 1c, a DTM efetuada mostra grãos magnéticos com alta TB, tendo toda a MRN eliminada em temperaturas em torno de 580°C, sugerindo a magnetita ou titanomagnetita como os portadores magnéticos desta rocha. Na figura 1d, temos uma curva termomagnética que evidencia um pico de Hopkinson acentuado e TC de ~580°C, as quais são típicas de grãos SD/PSD de magnetitas ou titanomagnetitas. Na figura 1e, os experimentos de aquisição da MRI efetuados para as amostras de rocha ígnea resultaram em comportamentos similares, com curvas praticamente idênticas e homogêneas, alcançando a MRIS em campos inferiores a 300 mT, indicando uma distribuição de grãos de baixas coercividades, comportamento típico da magnetita ou titanomagnetita. Na figura 1f, temos uma curva de histerese que apresenta um comportamento do tipo cintura fina, indicando a presença de minerais de baixas coercividades e campos de saturação em torno de 300 mT, típicos de titanomagnetita ou magnetita.
Com os resultados obtidos nos procedimentos técnicos mostrados na figura 1, verifica-se que o portador magnético da rocha ígnea investigada é a magnetita, mineral bem preservado sem a presença de intemperismo ou metamorfismo, de acordo com as observações petrográficas. Constata-se então, que a componente magnética obtida pelo paleomagnetismo pode ser associada a magnetita, sugerindo que a MRN encontrada possa ser de origem primária.
Neste caso, a identificação da magnetita com o mineral portador da magnetização é muito importante para os dados paleomagnéticos, visto que, este mineral ferromagnético destaca-se por ser muito estável em preservar a magnetização de origem primária, evidência que fortalece a confiabilidade dos dados obtidos. Ademais, o mineral pode indicar as idades relativas das magnetizações presentes na rocha quando associados as suas origens, primária ou secundária. Vale ressaltar que outras técnicas avançadas também são empregadas para analisar a estabilidade direcional dos dados paleomagnéticos e confirmar a natureza primária da magnetização determinada na rocha investigada (Butler, 1992).
REFERÊNCIAS
Bispo-Santos, F., 2012. Estudo paleomagnético de unidades Paleoproterozoicas do Cráton Amazônico. Tese de Doutorado, IAG-USP, Departamento de Geofísica, São Paulo, SP, 253 p. Disponível em http://www.iag.usp.br/pos/sites/default/files/t_franklin_b_santos_corrigida.pdf
Butler, F. R., 1992. Paleomagnetism: Magnetic Domains to Geologic Terranes. Blackwell Scientific Publications, United States of America, 319 p.
Lowrie, W., 2007. Fundamentals of Geoghysics, Geomagnetism and Paleomagnetism, Cambridge University Press, Cambrigde, 2ª ed, p. 281-360.
Tarling, D. H., 1983. Paleomagnetism: Principles and Applications in Geology, geophysics and Arquaeology. Chapman and Hall Ltda, New York, 380 p.