Ano 12 (2025) – Número 2 – Fulgurites, Gastroliths, Aluminium, Crônicas Artigos
10.31419/ISSN.2594-942X.v122025i2a7MESX
A Ilha de Mosqueiro, localizada no município de Belém do Pará, é uma área de rica diversidade cultural (carnaval, gastronomia, artesanato etc.) e natural com suas belas praias de água doce, trilhas ecológicas e turismo na natureza. Reconhecida por suas paisagens e importância geológica, com as falésias de algumas praias apresentando perfil laterítico imaturo, a região apresenta características únicas que a tornam um ponto de interesse para pesquisadores e para o público em geral. O acesso é facilitado por transporte urbano regular via BR-316 e PA-391, além de alternativas particulares por via fluvial, uma vez que o serviço público não mais disponibiliza um transporte regular nessa modalidade. Os dois meios de transporte desempenham um papel crucial na conexão entre a cidade e as áreas da ilha. Ainda é viva na minha memória a primeira viagem a Mosqueiro através do navio Presidente Vargas na década de 1960 (Figura 1).
Mosqueiro é uma vitrine que expõe diversas manifestações da evolução laterítica, um processo geológico, sob influência do intemperismo, de grande importância para a geologia ambiental e áreas afins. O perfil laterítico encontrado na região das praias da vila Baia do Sol (figura 2A), por exemplo, destaca-se por apresentar o icnogênero Rhizocorallium (figura 2B) importante registro para interpretações paleoambientais e indicação de topo e base de camada; troncos vegetais fossilizados goethitizados (figura 2C), além de pedra de ferro que pode ser usada como revestimento de piso (figura 2D) Os lateritos são formados a partir do intemperismo de rochas e contêm alta concentração de óxidos, especialmente ferro e alumínio. Seu estudo é crucial para entender as características geológicas e ambientais da região. É uma importante ferramenta para a prospecção geoquímica, para o mapeamento geológico e para o estudo da evolução geológica e geomorfológica da região, como frequentemente verbalizado pelo prof. Marcondes.
De que maneira a minha história está atrelada a Mosqueiro e à Geologia?
Durante a minha infância e a fase juvenil, as viagens à Ilha de Mosqueiro eram frequentes nos finais de semana. A residência da família ainda está situada na Praia do Ariramba, próximo à orla, na época entendida como beira-mar pois havia escutado de parentes oriundos de Fortaleza a expressão “mar de água doce”, sem entender o que isso representava para esses cearenses em visita a Mosqueiro e guiados por mim ao distrito belenense. Como eu não tinha sido apresentado a um mar de água salgada, aquilo soou muito estranho para mim, diferentemente para esses meus parentes oriundos do litoral cearense pois viviam com o NaCl (cloreto de sódio, sal de cozinha) em seus banhos praianos.
A principal atração turística para os visitantes é a orla da ilha com suas praias, com ondas, de água doce. Mas o atrativo por “pedras”, similares às usadas nas obras residenciais de construção civil (pedra preta ou Grés do Pará), já bastante conhecidas, dada a intimidade nas obras na casa da minha família, era muito forte para mim, a ponto de esperar para caminhar sobre aquele lajedo surgente na baixa-mar (figura 3A). Outros atrativos, àquela época, no Ariramba eram as escadarias de acesso à praia, construídas com esse material (figura 3B), local de frequentes brincadeiras quando criança.
Ao longo da costa da ilha de Mosqueiro, é comum observar falésias que, sob a ação das ondas da praia, sucumbem e desmoronam. Na tentativa de conter essa destruição, os entes governamentais, paliativamente, constroem barreiras que adiam a solução do problema e, com isso, impedem a exposição de material constituintes das falésias para fins de pesquisa. Uma boa área de estudo para esse fim é a encontrada na vila de Baía do Sol, já pesquisada pelo prof. Marcondes muito antes do meu início na graduação em Geologia. Naquela época, alguns de meus colegas de curso viajavam com ele para a ilha de Mosqueiro com o objetivo de mapear tais falésias em atividades acadêmicas de pós-graduação ou de iniciação científica. A boa inveja era aqui exercida por mim nesse período. Ao lograr êxito na seleção para a iniciação científica com o prof. Marcondes, poderia, enfim, participar desses trabalhos na ilha de Mosqueiro. Mas, ainda como estudante de graduação, passei em concurso público em outra formação acadêmica que possuía (Ciências Econômicas) e, aí, vi meus objetivos traçados para a Geologia desmoronarem como as falésias sob a ação das ondas.
Durante anos de convivência espaçada, com encontros únicos mensais, às vezes mais numerosos em certos meses, tive a oportunidade de realizar aquela viagem à vila de Baía do Sol com o prof. Marcondes, na companhia da amiga Edna Trindade (figura 4). O ponto de apoio foi sua casa de praia denominada Seringal Andiroba Forest, sim, uma verdadeira floresta (figura 5). É uma casa de madeira pré-fabricada e adquirida na década de 1980 e bastante conservada. Nela encontramos pequena e representativa coleção de amostras de rochas e minerais cuidadosamente organizados (figura 6). Fora um sábado ensolarado e de muito aprendizado, a ponto de me transportar ao passado infantil e juvenil, quando andava por aquele” lajedo” do Ariramba, sem a presença de quem entendia dos processos visualizados naquela imensidão de “pedras para construção”. Era assim que eu via aquela maravilha, hoje entendida como pedra de ferro constituindo extensos lajedos contínuos de pedras situados na zona de preamar e baixa-mar. Outras pessoas também realizavam essa empreitada de caminhada sobre essa maravilha, mas certamente os objetivos deveriam ser outros. O meu, certamente, era de estar caminhando sobre a fonte da “pedra preta” utilizada em alicerces de obras residenciais, o único entendimento até então, mas já imbricado com a Geologia, sem perceber.