Ano 04 (2017) - Número 04 Artigos
10.31419/ISSN.2594-942X.
Marcondes Lima da Costa
IG-UFPA, Pesquisador CNPQ e membro ABC
Darilena Monteiro Porfírio
Pesquisadora da Eletronorte e doutoranda do PPGG-UFPA
Muitos já devem ter observado a formação de finas crostas, por vezes apenas películas, brancas a amarronzadas nas escarpas internas dos vasos sanitários, principalmente quando há ligeiro vazamento. A tonalidade parece variar conforme a natureza das águas que drenam os vasos, que tem a ver de onde é captada a água empregada no arrastro dos resíduos humanos depositados nestes vasos. No campus da UFPA estas manifestações são muito comuns e até permanentes, e por conseguinte de difícil remanejamento ou limpeza, deixando um aspecto desagradável ao ambiente. Elas foram observadas no sanitário masculino do Museu de Geociências, especialmente no mictório, onde a água escorre continuamente. Aqui a cor dominante é marrom claro (Figura1). Embora tentada, a remoção com soluções ácidas foi apenas parcial. As águas do sistema hidráulico da UFPA são captadas de aquífero profundo situado na Formação Pirabas, a cerca de 180 m de profundidades. São, portanto, águas duras, ricas em carbonatos de cálcio, dissolvidos, ou seja, na forma iônica/aniônica. Na vila Baía do Sol, distrito de Mosqueiro e parte do Município de Belém, muitas casas são servidas por água da Companhia de Abastecimento do Estado do Pará (COSANPA), dois anos atrás era da Serviço Autônomo de Agua e Esgoto de Belém (SAAEB). Ela é também captada do aquífero Pirabas, portanto de água dentro de rochas calcárias. A captação está no Setor IX do SAAEB (Mosqueiro-Baia do Sol) como pode ser visto na Figura 1 –uma área de 75,88 ha e que atende a Baia do Sol. A vazão é de 145 m3/h, com 270 m de profundidade e revestidos com tubos de aço e filtros de aço inox (Mesquita, 2012; Lopes et al., 2017). Os vasos sanitários apresentam uma ligeira incrustação branco amarelada a marrom, que se não removida, continua acumulando-se e formando crostas espessas. Em geral essas incrustações são formadas ou induzidas por microrganismos, que favorecem precipitações e deposição de material inorgânico dependendo apenas de seu local de formação. Nessas condições são películas finas denominadas de biofilme. Em geral esse material interage com o substrato. No caso do Seringal Andiroba Forest é simplesmente uma incrustação dura, não se configurando um biofilme.
As incrustações do vaso sanitário da casa sede do sítio Seringal Andiroba Forest na vila Baía do Sol foram objeto de análises químicas e mineralógicas por difratometria de raios-X (DRX) e espectrometria óptica por plasma induzido por Laser (LIBS), com vistas a identificar relação destas incrustações com a natureza da água servida.
A incrustação do vaso do Seringal Andiroba Forest formava um filete no centro do vaso, com espessura máxima de 2mm e largura máxima de 2cm, se estendendo por 30 cm até ao nível de água permanente. Sua cor era branca amarronzada (Figura 2). Apresentava-se fortemente aderente a cerâmica do vaso, mas desprendeu-se facilmente com auxílio de lâmina de aço, deixando o substrato em sua superfície original, o que sugere que aparentemente não houve interação química entre a incrustação e o substrato. Coletou-se cerca de 1g deste material, incolor a amarronzado, que sob a lupa binocular mostrava-se cristalino, transparente e com aspecto clivável, e efervescente em HCl diluído, indicativo de calcita. A análise por DRX demonstrou tratar-se apenas de calcita magnesiana (Figura 3 e Tabela 1).
Tabela 1 – Principais reflexões de DRX para amostra de incrustação, tipificando a calcita magnesiana.
Pos. [°2Th.] | Height [cts] | FWHM Left [°2Th.] | d-spacing [Å] | Rel. Int. [%] |
---|---|---|---|---|
23,1378 | 254,73 | 0,0984 | 3,84418 | 6,28 |
29,4649 | 4054,77 | 0,0960 | 3,02903 | 100,00 |
29,5583 | 2107,12 | 0,0480 | 3,02717 | 51,97 |
31,5006 | 92,07 | 0,0960 | 2,83777 | 2,27 |
36,0316 | 260,05 | 0,0720 | 2,49063 | 6,41 |
39,4786 | 406,61 | 0,0960 | 2,28074 | 10,03 |
43,2341 | 371,30 | 0,0720 | 2,09092 | 9,16 |
47,1936 | 118,43 | 0,0960 | 1,92431 | 2,92 |
47,5839 | 487,10 | 0,0960 | 1,90944 | 12,01 |
47,7272 | 276,79 | 0,0720 | 1,90877 | 6,83 |
48,5856 | 463,81 | 0,0960 | 1,87239 | 11,44 |
48,7235 | 251,28 | 0,0720 | 1,87205 | 6,20 |
56,6400 | 42,02 | 0,1440 | 1,62375 | 1,04 |
57,4867 | 130,49 | 0,0960 | 1,60183 | 3,22 |
58,2470 | 12,65 | 0,2880 | 1,58272 | 0,31 |
60,7671 | 96,25 | 0,0720 | 1,52297 | 2,37 |
61,0839 | 64,54 | 0,0960 | 1,51583 | 1,59 |
61,5589 | 22,84 | 0,2880 | 1,50527 | 0,56 |
63,1382 | 38,40 | 0,0960 | 1,47137 | 0,95 |
64,7599 | 86,31 | 0,0720 | 1,43838 | 2,13 |
65,7142 | 84,84 | 0,0960 | 1,41979 | 2,09 |
69,3636 | 10,59 | 0,2880 | 1,35373 | 0,26 |
70,4213 | 17,24 | 0,2880 | 1,33597 | 0,43 |
72,9839 | 38,05 | 0,1440 | 1,29525 | 0,94 |
A técnica de LIBS é adequada à análise direta de amostras diminutas, pois a calibração utiliza materiais de referência certificados (MRC) sólidos de forma pastilhas prensadas. As figuras de mérito analítico são apresentadas na tabela 2.
Tabela 2: curvas analíticas para determinação direta de sólidos por LIBS.
Janela Espectral | Elementos (%) | Comp. Onda (nm) | Inclinação | Correlação | Limite de
detecção (%) |
---|---|---|---|---|---|
390nm | Ca | 393.370 | 922386,7 | 0,9783 | 0,300 |
396.867 | 1014053,1 | 0,9684 | 0,300 | ||
Fe | 404.581 | 17,8 | 0,9966 | 0,100 | |
Al | 394.412 | 73,8 | 0,9847 | 0,200 | |
396.158 | 102,1 | 0,9870 | 0,200 | ||
520nm | Mg | 517.254 | 7,5 | 0,8844 | 0,100 |
590nm | Na | 588.988 | 113,6 | 0,9816 | 0,200 |
589.594 | 99,1 | 0,9789 | 0,100 |
Foi utilizado o LIBS (J200 Tandem Applied SPEX) para obtenção dos espectros sob as seguintes condições otimizadas: rede 2400 g/mm; tempo de aquisição de 3 mS, tempo de espera de 0.5 mS; potência 50%, ganho 60%, diâmetro do feixe de laser 100 mm para a obtenção do espectro de 200 a 440 nm. Os resultados obtidos para análise em triplicata (Tabela 3 e Figura 4) mostram o domínio de Ca, além de pequenas quantidades de Mg, Na, Al e Fe. Não foram determinados Si, O e C. Portanto o domínio de Ca, com presença discreta de Mg, fortalece a constituição por calcita magnesiana, identificada por DRX. A pequena quantidade de Fe < 0,425 % é suficiente para impor a coloração ligeiramente amarronzada certamente na forma de hidróxidos amorfos deste elemento, já que não foi delineado pela DRX. É de se supor que sódio esteja na estrutura da calcita, enquanto o Al provavelmente como argilomineral, amorfo a DRX, ou como complexo sulfato de alumínio, possivelmente empregado para o tratamento da água, já que a água é límpida, e não poderia estar assim com caulinita ou outra argilomineral de alumínio, em suspensão.
Tabela 3 – Composição química obtida por LIBS para as incrustações do vaso sanitário.
Amostras | Mg (%) | Al (%) | Ca (%) | Na (%) | Fe (%) |
---|---|---|---|---|---|
Calcita ponto 1 | 1,350 | 1,875 | 35,751 | 3,017 | 0,425 |
Calcita ponto 2 | 0,843 | 2,989 | 30,191 | 2,093 | 0,304 |
Calcita ponto 3 | 4,470 | 1,478 | 15,338 | 2,395 | 0,189 |
As incrustações formadas a partir do escorrimento de água na parede interna do vaso sanitário da residência casa branca do Seringal Andiroba Forest na Baía do Sol, precipitou-se sobre esse substrato porcelânico e sua composição mineralógica dominada por calcita magnesiana reflete claramente a origem da água servida na vila pela COSANPA, que tem como aquífero os calcários da formação Pirabas, a 270 m de profundidade. As incrustações indicam ainda que esses calcários sejam também a fonte de Na, Al e Fe, pelos menos. Elementos pesados como Ba, Cr, Cu, K, Mn, Pb, Ti, e V não foram identificados, estão, portanto, em concentrações abaixo dos limites de detecção da técnica de LIBS, que são muito baixas.
Bixler, G. D.; Bhushan, B. Biofouling: lessons from nature. Phil. Trans. R. Soc. A, v. 370, n. 1967, p. 2381-2417, 2012.
Mesquita, 2012. Qualidade da água de consumo na ilha de Mosqueiro/PA. ITEC/UFPA, PPEC, Belém, 76p.
Lopes, R.M., Mesquita, K.F.C., Santos, M.L.S., Pereira, J.A.R. 2017, Qualidade da água consumida na Ilha do Mosqueiro, Belém-PA. Revista DAE, 5-20. DOI: 10.4322/dae.2016.024