Observações de campo nos materiais lateríticos de Mosqueiro (Belém, Pará) como potenciais pigmentos minerais naturais

Ano 11 (2024) – Número 4 – Fulgurites and Sea Glass Causos

10.31419/ISSN.2594-942X.v112024i4a9MLC

 

Marcondes Lima da Costa

Professor titular aposentado e voluntário da UFPA, pesquisador do CNPQ e membro titular da ABC

marcondeslc@gmail.com

 

Já nos anos 1980, quando comecei a desbravar as falésias da Baía do Sol (Mosqueiro, Belém, Pará), esculpidas em perfis lateríticos imaturos derivados de rochas sedimentares argilosas e arenosas da Formação Barreiras, fiquei muito impressionado com as tonalidades  do colorido do horizonte mosqueado nestes perfis. Com os meninos (os filhos ainda eram “crianças”) a gente brincava de se pintar e ficava muito engraçado. Ao ler e estudar as pinturas rupestres na Amazônia e pelo mundo afora, verificou-se, obviamente, que essas pinturas eram elaboradas com diferentes materiais, principalmente os óxi-hidróxidos de Fe e Mn, carvão, cinzas e extratos orgânicos.  E isto se estendeu até a modernidade, embora existam pigmentos sintéticos de altíssima qualidade para pintura em telas, muros, paredes, metais, etc. O uso de solos e/ou minerais como pigmento é intensivo e tem recebido nos últimos tempos forte apelo ambiental. Na Internet se encontra inúmeros exemplos de atividades de pinturas com “solos” de múltiplas tonalidades. Voltei a pensar recentemente sobre esta temática, ao descobrir a habilidade de minha ex-doutoranda professora Dra. Maria Ecilene Meneses da Silva da UFT, em Palmas, estado do Tocantins. Fiquei encantado com o trabalho dela e resolvi avaliar esses materiais, até porque, em um de nossos projetos de pesquisa, estamos investigando a potencialidade da Argila de Belterra, a cobertura das bauxitas da Amazônia, como tonalidades potenciais para o vermelho-marrom-ocre. Abaixo imagem da casa-sede do Seringal Andiroba Forest, local de partida para as observações de campo. Este lindo título foi cunhado pela professora Ecilene. Muito bem pertinente. Obrigado.

 

 

Ao final da tarde de 06.07.2024, sob baixa-mar, quando é possível observar as exposições dos materiais lateríticos ao longo do perfil completo, comecei pedalar pela orla da vila Baía do Sol. A imagem a seguir ilustra as condições de águas tranquilas, de sol se pondo, a areia da praia (franja clara) cobrindo parcialmente materiais rolados e também o material in situ da base do perfil laterítico, truncado erosivamente (franja escura). Aqui perambulo desde 1985, são quase 40 anos.

 

 

 

Mês de julho chegou, férias escolares se iniciaram, e Baía do Sol recebe visitas. Taparam os buracos da BL-13, a rodovia que liga Carananduba à Baía do Sol, concluíram a ampliação e restauro da Escola Municipal, limparam, pintaram e restauraram a praça do coreto em frente à escola. Ficaram simpáticos. Um mês atrás estavam muito feios, abandonados. Uma pena, pois se deterioram rapidamente. Aqui os perfis lateríticos, bonitos, foram tapados com uma muralha de concreto, para conter temporariamente a erosão. A imagem seguinte ilustra o coreto, que já recebeu em poucos anos inúmeras reformas e cores, agora está em branco e azul.

 

 

A praça do coreto, em frente à Escola Municipal Lauro Chaves, recém repaginada.

 

 

Essa é a imagem em preamar da orla no entorno da praça do coreto, em que se vê a silhueta da muralha tapando a falésia com perfil laterítico e na base a exposição do horizonte mosqueado e restos da crosta. Na margem oposta os campos de manguezais, a se perderem no horizonte da paisagem. Na imagem seguinte se tem um maior detalhe do horizonte mosqueado que constitui o substrato dos sedimentos da praia.

 

 

Esta imagem permite uma visão em superfície quase plana do horizonte mosqueado, um fato raro. Na falésia ele seria visto lateralmente. Vejam a riqueza de tonalidades no espectro do marrom-vermelho-amarelo-branco.

 

 

 

Já na manhã de 07.07.2024, pedalei, sozinho, ao longo da praia Grande da Baía do Sol. A imagem mostra essa praia em boa parte de sua extensão, ainda livre dos banhistas e seus traços costumazes. A maré já começara a subir e isto iria dificultar em parte as minhas atividades. Somente ao fundo, além da extensão visível, expõe-se o perfil laterítico em sua pujança. Para lá eu teria que pedalar, solo. O local estava deserto e normalmente não é recomendado para se andar sozinho. Perigo! Eu estava realmente com medo, mas me arrisquei. Tudo transcorreu sem sobressaltos, exceto a rápida subida da maré, dificultando o retorno. Não pude pedalar e sim, carregar a bike. Nesta porção da praia é possível observar troncos vegetais fósseis e traços fósseis de animais (icnofósseis), como Rhizocorallium.

 

 

Finalmente no extremo leste da Praia Grande a exposição de perfil laterítico truncado por espesso pacote de latossolo amarelo e linha-de-pedras. Na base aflora a crosta laterítica colunar. No piso da linha da praia blocos centimétricos a métricos resultantes da erosão física dessa crosta formam uma grande barreira linear. Porções de areia estão depositadas entre esses blocos, os quais, no todo, se sobrepõem ao horizonte mosqueado que foi exposto pela erosão. Esse material do mosqueado é a principal fonte potencial para os possíveis pigmentos minerais em avaliação. A imagem abaixo ilustra parcialmente essa descrição. Altura da falésia: cerca de 4 m.

 

 

Na base do perfil laterítico, truncado erosivamente, exposto na praia, é possível observar uma ampla paletas de cores, destacando-se vermelho, lilás, ocre e marrom, com aspecto argiloso e forte untuosidade. O marrom escuro representa material duro, solidificado, formado por goethita férrica, denominado de pedra de ferro. Seus fragmentos são recobertos por “biofilmes” de goethita férrica, quando lambidos pelas ondas. Vide o artigo no link: https://gmga.com.br/a-utilizacao-ancestral-do-ocre-na-arte-rupestre-o-caso-das-lapas-do-parque-nacional-de-sete-cidades-pi/. Costa, M.L., Horbe, A.M.C., 1995. Pedras de ferro de interface areia-argila no perfil laterıítico da Ilha de Mosqueiro (região Norte, Brasil). Cad. Geociências 14, 61–68.

 

 

Detalhe do mosqueado com zonas vermelhas imersas em material branco caulínico, untuoso. À direita material duro solidificado, tipo crosta, a pedra de ferro, como informado, constituído por goethita férrica e hematita.

 

 

 

Esse nível de pedra de ferro, goethitizado na interface areia-argila siltosa, pode estar em diferentes partes do mosqueado e até mesmo no argilito cinza . Este é a rocha sã, rica em matéria orgânica vegetal, e também pirita, que pelo intemperismo dá origem ao mosqueado. A pedra de ferro contém raros troncos vegetais fossilizados à goethita (indicados pelas setas vermelhas). Vide: COSTA, M. L.; OLIVEIA, S. B. ; COSTA, G. M. ; CHOQUE, O. J. . Morfologia e química mineral da goethita de pedra de ferro de inferface areia-argila em sedimentos da formação Barreiras, Amazônia Oriental. Geochimica Brasiliensis, v. 18, n.2, p. 121-133, 2004; BEHLING, H. ; COSTA, M. L. . Mineralogy, geochemistry, and palynology of modern and late Tertiary mangrove deposits in the Barreiras Formation of Mosqueiro Island, northeastern Pará State, Eastern Amazonia. Journal of South American Earth Sciences, v. 17, n.2004, p. 285-295, 2004. DOI 10.1016/j.jsames.2004.08.002. Costa, M.L. e Santos, A.J.M. 1994. Goethitização como processo de fossilização em ambiente supergênico. IV SGA, p. 240-253.

 

 

Aglomerados de icnofósseis de Rhizocorallium contidos logo abaixo do nível das pedra de ferro; ainda mais abaixo desta pedra de ferro encontra-se o belo espectro de tonalidades do ocre ao vermelho e lilás, e mesmo do branco do caulim, mostrado em imagem anterior. Para mais detalhes recomenda-se a leitura de artigo no link: https://gmga.com.br/11-rhizocorallium-na-formacao-barreiras-e-sua-importancia-paleoambiental-ilha-de-mosqueiro-belem-para/. Cada indivíduo de Rhizocorallium mede por volta de 20 cm na extensão maior.

 

 

Foram coletadas 12 amostras de  materiais argilosos em tonalidades diferentes ou não para avaliar o seu potencial como pigmento mineral, seguindo os procedimentos clássicos de preparo de pigmento mineral para pinturas.

Mas algo que chama a atenção desde a muitos anos ao longo da caminhada, são as diferentes formas e constituições dos seixos que se espalham pela praia, como ilustrados nas duas imagens a seguir. Sobre esses seixos, eu e Edna Trindade, os coletamos desde muitos anos, em que Ela é a principal coletora e admiradora, e descobre as mais belas. Já os imortalizamos em jóias, texto e quadro. Algumas formas foram relacionadas a muiraquitãs (como sugerem algumas delas na imagem seguinte), e inclusive confeccionados como pingentes encastoados em prata. O mineral dominante e responsável pelas cores marrons é a goethita, tanto férrica quando férrico-aluminosa; pela cor vermelha, a hematita. O quartzo, além de caulinita, estão sempre presentes, porém não conferem  pigmentação.

 

 

Na imagem a seguir se destacam seixos placosos, arredondados,  marrons escuros, com contornos diversos, polidos naturalmente, constituídos por goethita férrica, que cimenta grãos de quartzo em tamanho silte .

Em conclusão, os materiais coletados, pelo visual e pela sua forte untuosidade, citada anteriormente, que insinua domínio de fração argila, formada principalmente por caulinita, além de quartzo e conforme a tonalidade, também goethita e hematita, já sabidos previamente, têm potencial para serem usados como pigmento mineral. Uma boa leitura e aguarda-se comentários e críticas. VAMOS PINTAR O SETE COM TINTAS MINERAIS!!! CONVITE TÃO VELHO QUANTO OS PRIMÓRDIOS DA HUMANIDADE.