11 – COMPOSIÇÃO MINERALÓGICA DOS AZULEJOS HISTÓRICOS DO CEMITÉRIO NOSSA SENHORA DA SOLEDADE (BELÉM/PA)

Ano 03 (2016) - Número 04 Artigos

Stephanie Assef Mendes, mestre em Arquitetura e Urbanismo – LACORE/FAU/PPGAU/UFPA

Thais A. Bastos Caminha Sanjad – LACORE/PPGAU/ITEC/UFPA

 

O Cemitério Nossa Senhora da Soledade, construído em 1850, está localizado na cidade de Belém. Este é uma importante manifestação histórica e artística do século XIX, que abriga, em seu conjunto arquitetônico de sepulturas, exemplares de azulejos portugueses decorados com diversos padrões de estampilha (Figura 1), em elevado estágio de deterioração em função das ações intempéricas, da sua proximidade com o solo e das ações antrópicas de vandalismo e da queima de velas dos cultos religiosos.

 

Figura 1: Sepulturas do Cemitério Nossa Senhora da Soledade, decoradas com azulejos portugueses de estampilha.

 

Em função da vulnerabilidade dos azulejos às condições que estão submetidos, é imprescindível estudar os mesmos para poder propor intervenções com maior durabilidade, como o restauro à quente, que necessita conhecer previamente a composição mineralógica da parte cerâmica dos azulejos para que a temperatura de requeima não ultrapasse os limites de estabilidade dos minerais presentes e não cause novas alterações. Dessa forma, a caraterização mineralógica da camada cerâmica dos azulejos do Soledade foi determinada por meio da técnica analítica de difração de Raios-X (DRX), pelo método do pó, aplicada a pequenos fragmentos de azulejos coletados das diferentes sepulturas do Cemitério.

Os resultados apontam que as camadas cerâmicas dos azulejos do Soledade são constituídas basicamente por quartzo (SiO2) e gehlenita (Ca2Al(SiAl)O7), presentes em todas as amostras, contendo ainda, de forma variada, os equivalentes minerais calcita (CaCO3); rutilo (TiO2); cristobalita (SiO2); diopsídio (CaMgSi2O6); anortita (CaAl2Si2O8); hematita (Fe2O3); e wollastonita (CaSiO3) (Figura 2) (MENDES, 2015).

 

Figura 2: Azulejos históricos do Soledade e suas respectivas composições mineralógicas (Qtz – quartzo; Gh – gehlennita; Cal – calcita; Rt – rutilo; Cr – cristobalita; Hem – hematita; Wo – wollastonita; An – anortita; Di – diopsídio).

 

A presença de gehlenita, em todas as amostras, formada a aproximadamente 850/900oC é um indicativo de que as queimas atingiram temperaturas próximas ou equivalentes a 1000oC (COSTA et al., 2003). A existência de minerais com cálcio e/ou magnésio em sua composição como elemento principal, como a gehlenita, anortita, wollastonita e diopsídio, são indicativos de que as argilas usadas na fabricação das pastas cerâmicas eram ricas em cálcio, possivelmente na forma de carbonatos. Estes minerais provavelmente se foram às expensas das reações químicas entre componentes da pasta como, por exemplo, o quartzo e os carbonatos de cálcio e/ou magnésio, em temperaturas próximas a 1000oC (SANJAD et al., 2004) (NODARI et al., 2007) (RICCARDI et al., 1999) (LÓPEZ et al., 2003) (TRATORÉ et al., 2003); (CARVALHO et al., 2006).

Apesar da presença de cristobalita nas amostras AZ. C11 e AZ. P3 – mineral, em geral, originado em temperaturas entre 1050°C e 1250°C (SANJAD et al., 2004) (GUALTIERI, 1992), é provável que a temperatura de queima destes azulejos não tenha atingido 1250°C, seja pela ausência de mullita (3Al2O3.2SiO2), que geralmente tem formação junto com cristobalita a partir de reações sucessivas da caulinita (2[Si2Al2O5(OH)4] (SANJAD et al., 2004) (SAHNOUNE et al., 2007), seja pela presença de carbonatos, que foram muito utilizados pelas fábricas como fundentes, ou seja, para baixar o ponto de fusão da mistura. Existe ainda a possibilidade da utilização de argilas ricas em carbonatos, conhecidas por margas.

A mineralogia dos azulejos analisados apresenta algumas variações de uma amostra para outra. No entanto, a composição das mesmas indica possíveis semelhanças na matéria-prima e na temperatura de queima, pois em geral apresentam fases cristalinas que advém de reações com carbonatos e possuem intervalos de estabilidade aproximados.

 

REFERÊNCIAS 

CARVALHO, A. P.; VAZ, M. F.; SAMORA, M. J.; PIRES, J. Characterization of Ceramic Pastes of Portuguese Ancient Tiles. Materials Science Forum Vols. 514-516, 2006, p.1648-1652.

COSTA, M. L.; SANJAD, T. A. B. C.; PAIVA, R. S.. The mineralogy and chemistry of the German and Portuguese tiles used to face a historic building in the Amazon region and their natural susceptibility to tropical weathering. Acta Amazonica (Impresso), vol. 43, 2013, p. 323-330.

GUALTIERI, A.; BERTOLANI, M. Mullite and cristobalite formation in fired products starting from halloysitic clay. Applied Clay Science, vol. 7, 1992, p. 251-262.

LÓPEZ-ARCE, P; GARCIA-GUINEA, J.; GRACIA, M.; OBIS, J. Bricks in historical buildings of Toledo City: characterisation and restoration. Materials Characterization, vol. 50, 2003, p. 59– 68.

MENDES, Stephanie. A Azulejaria Histórica na arquitetura mortuária do Cemitério Nossa Senhora da Soledade: subsídios para a sua conservação e restauração. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – UFPA, Belém, 2015.

NODARI, L.; MARCUZ, E.; MARITAN, L.; MAZZOLI, C.; RUSSO, U. Hematite nucleation and growth in the firing of carbonate-rich clay for pottery production. Journal of the European Ceramic Society, vol. 27, 2007, p. 4665–4673.

RICCARDI, M.P.; MESSIGA, B.; DUMINUCO, P. An approach to the dynamics of clay firing. Applied Clay Science, vol. 15, 1999, p. 393–409.

SAHNOUNE, F.; CHEGAAR, M.; SAHEB, N.; GOEURIOT, P.; VALDIVIESO, F. Algerian kaolinite used for mullite formation. Applied Clay Science, vol. 38, 2008, p. 304-310.

SANJAD, T; ANGÉLICA; OLIVEIRA; COSTA. Caracterização mineralógica de azulejos de Salvador e Belém dos séculos XVI, XVII e XIX. REM: Revista Escola de Minas, vol.57 no.4 Ouro Preto, 2004.

TRAORÉ, K.; KABRÉ, T.S.; BLANCHARTB, P. Gehlenite and anorthite crystallisation from kaolinite and calcite mix. Ceramics International, vol. 29, 2003, p. 377–383.