01 – OS FULGURITOS DE ARACATI, NO ESTADO DO CEARÁ

Ano 11 (2024) – Número 4 – Fulgurites and Sea Glass Artigos

10.31419/ISSN.2594-942X.v112024i4a1MESX

 

Milson Edmar da Silva Xavier

Museu Casa do Milson (MCM), Aracati, Ceará, milsonest@gmail.com

Recebido em 30.08.2024; Revisado em aceito em 03.09.2024

ABSTRACT

This work describes the first known occurrence of fulgurites in Ceará coastline found in the Aracati county. Fulgurites are the result of the natural process of the incidence of electrical discharges of lightning on sand, soil and rocks. The product of this process in sand and soil is a new rock with unique recrystallization characteristics of the material exposed to the discharge. In some occurrences around the world, there is a record of vitrification observed with the naked eye, which was not possible in Aracati. Here, the samples collected are representative of two predominant shapes: oblong and cylindrical. The first form presents cohesion of sand grains in the central part of the sample and friability on the crests, without presenting the cavities characteristic of the cylindrical shape. This, in turn, presents differences in density, fragility and color in relation to the oblong shape. These characteristics are very similar to those of the petrified roots described in the municipality of Itarema as rhizoconcretions, however, Prof. Dr. Marcondes Lima da Costa in Aracati, in March 2024, made it possible to investigate the material with a focus on fulgurites.

Keywords:   Dunes; beaches; cliffs; carbonate; rhizoconcretions.

 

INTRODUÇÃO

O estado do Ceará é conhecido por disponibilizar inúmeras atrações turísticas, dentre elas suas famosas praias. Aracati, no litoral leste do estado, é o município cearense que abriga o acesso à praia de Canoa Quebrada, mundialmente conhecida. Além disso, Aracati pode despontar como um pequeno fornecedor de fulguritos (pedra de raio), um atrativo para seus artesãos, fonte de renda para seus moradores e objeto de estudos científicos. 

Fulguritos, etimologicamente derivado de “fulgur” (relâmpago), são formações naturais em formato de tubos vítreos revestidos por grãos de areia, resultante de fusão de grãos de areia umedecida, solo ou rocha ao ser atingida por raio, durante tempestades. Uma rocha sólida quando atingida pela descarga de um relâmpago tem sua superfície revestida de vidro e, neste caso, são denominados fulguritos de rocha ou petrofulguritos. Os petrofulguritos do pico andesítico do Pequeno Ararat ou Monte Sis (Turquia) são formações vítreas esverdeadas, de onde advém o termo “fulgurito andesito” (Masterok,2022).

No Brasil, a ocorrência de fulguritos está relacionada a regiões de dunas nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Maranhão. No Pará há registro no município de São Geraldo do Araguaia, descrito por Faria & Nascimento (2021) através de uma amostra coletada às margens do rio Araguaia, divisa com o estado do Tocantins.

Os fulguritos de areia, espécimes dos quais são encontrados em todo o mundo, são abundantes em Aracati-CE. Desta forma, a ocorrência de pedra de raio no município de Aracati, Ceará, objeto deste artigo, surge como uma “pedra” fundamental no estudo preliminar e introdutório aos artigos subsequentes sobre os fulguritos de Aracati, abrindo possibilidades de pesquisa até então inexploradas de fulguritos no Ceará.

O processo de formação leva fração de segundos e o material produzido por essa ação apresenta as mais variadas formas possíveis na ocorrência de Aracati, chegando a ser confundido com raízes petrificadas e/ou rizoconcreções, duas espécies diferentes de rizólitos (Fig. 1).

Fig. 1. Fulgurito, quase em ângulo reto, com aparência de raiz petrificada, encontrado no topo das falésias da região litorânea de Aracati-CE.

 

A OCORRÊNCIA DE ARACATI

Quando da descoberta e coleta de amostra, ou topada mesmo ou, ainda, fazendo alusão à poetização –havia uma pedra no caminho, de Carlos Drumont de Andrade – os obstáculos foram muitos, principalmente devido a semelhança entre a rocha fulgurito e o vestígio fóssil de raiz – rizólito. O fato se deu ao caminhar pelas areias da praia de Canoa Quebrada e avistar minúsculos tubos de composição quartzosa em meio aos grãos de quartzo e material biogênico – fragmentos de concha marinha (Fig. 2)

Fig. 2. Tubo cilíndrico, quartzoso, junto com areia de praia e restos de concha marinha, medindo 5cm. Este vestígio de raiz originou a busca pela fonte do, até então, material interessante.

 

Na tentativa de identificação macroscópica de amostra para pequena coleção de minerais, a pesquisa bibliográfica era inevitável, o que foi dificultado ainda mais pela escassez de trabalhos sobre a região litorânea de Aracati-CE com foco em raízes fossilizadas e a indução à semelhança aos vegetais petrificados, muito menos ainda quanto a fulguritos. Neste intento, ampliou-se a pesquisa e o resultado obtido foi em direção aos eolianitos descritos por Freire (2017) no município de Itarema-CE, em que os depósitos eólicos da zona costeira são constituídos predominantemente de quartzo e fragmentos carbonáticos biogênicos retrabalhados de sedimentos marinhos rasos com cimentação carbonática, estratificação paralela e/ou cruzada, diversos graus de litificação, desde friáveis a fortemente litificadas, inclusive com rizoconcreções (concreções ou nódulos de minerais ao redor de raiz viva ou morta) e/ou raiz petrificada, indicando proveniência da vegetação que fixava as dunas antes do processo de cimentação, ou seja, a matéria orgânica foi substituída parcialmente por carbonato de cálcio.

Até o momento, o material encontrado em Aracati, estado do Ceará com aparência de raiz litificada era interpretado como rizólitos (raíz petrificada) similares aos rizólitos (rizoconcreções) de Itarema-CE, descritos por Freire (2017). Somente com a visita do Prof. Dr. Marcondes Lima da Costa ao município de Aracati, em março de 2024, que a interpretação foi ampliada. Ele levantou a possibilidade de se tratar de fulguritos ou pedra de raio. A partir desta afirmativa, as visitas ao afloramento foram intensificadas, inclusive com coleta de amostras para análises mineralógicas e químicas específicas (Fig. 3).

Fig. 3. Fulguritos de forma oblonga, à esquerda e à direita, e cilíndricos no centro, coletados na região litorânea de Aracati, estado do Ceará. Acervo do Museu Casa do Milson (MCM) em Aracati.

 

A região de ocorrência dos fulguritos de Aracati é caracterizada pelas exposições de beachrocks, areia de praia, campo de dunas fixas deflacionadas e em processo erosional tipo falésias e ravinamento, bem como dunas móveis na orla do município de Aracati. As amostras de fulguritos apresentam diâmetros variando de 1 cm a 8cm, tamanho de 3 a 70cm em fragmentos rolados e “in situ”, tanto na superfície do topo como na face de barrancos/falésias e ravinas. As amostras coletadas em Aracati apresentam apenas discreto aspecto de vitrificação da zona interna, fugindo do domínio clássico dos fulguritos de areia; ela é de natureza carbonática fina.

As amostras coletadas se assemelham a bonsai – miniaturas de plantas (Fig. 4-A), canudos (Fig. 4-B), esponjas do filo Porífero ou esponjas silicificadas denominadas de “cauixi”, raízes petrificadas (Fig. 4-C) e tubos cravados na camada de areia, que, em dado momento sofrem a ação deposicional eólica ou erosional de águas pluviais. Nessa alternância de maior ou menor carga deposicional ou erosional, o material se apresenta encravado na areia (Fig. 5) ou rolado pela ação dos agentes erosionais (Fig. 6), resistindo e dando ao local uma aparência de paleofloresta, por onde passam veículos apropriados para o trânsito em dunas em passeios turísticos.

Fig. 4. Fulguritos em variadas formas no Museu Casa do Milson: A- bonsai; B- canudos e C- raízes petrificadas

 

Fig. 5. Fulgurito encravado na areia (A) e extraído dela em pedaços face a sua fragilidade na operação de extração (B)

 

Fig. 6. Fulguritos rolados por ação de agentes erosionais (águas pluviais). Coleta após chuvas na região.

 

As melhores exposições do material na região são as provocadas por sulcos, ravinas e voçorocas, comuns nas falésias litorâneas de costa cearense. Por esse motivo, em tempos de chuvas, esses processos erosionais facilitam a sua observação e seus possíveis estudos (Fig. 7). Apesar disso, nos períodos de seca ainda é possível visualizar bons exemplares expostos nos afloramentos.

Fig. 7. Fulguritos expostos por evolução das voçorocas após chuvas intensas em março/2024.

 

CARACTERÍSTICAS MACROSCÓPICAS

Os fulguritos são rochas formadas por substâncias amorfas (vidro natural), em processo natural de curta duração por ação de tempestades com raios sobre areias, solos e rochas, podendo ser produzidos artificialmente também. Por essas razões são considerados bens renováveis, em contraposição aos bens não renováveis. Isto é muito importante para o enfrentamento às questões ambientais.

Em Aracati ainda não foi observada a atividade de descarga elétrica recente geradora dessas rochas, mas há registro de rochas pretéritas formadas por esses processos de curta duração, em que as altíssimas temperaturas da descarga elétrica incidentes sobre o material receptor originam uma nova substância inorgânica nesse processo natural.

O formato dessa nova rocha se apresenta, em Aracati, de forma oblonga, ou seja, arredondada ou esférica, sendo maior o comprimento que a largura (Fig. 8-A) e cilíndrica ou tubular (Fig. 8-B).

Fig. 8. Fulguritos de forma oblonga (A) e tubulares ou cilíndricos de pequenos diâmetros (B).

 

Os fulguritos coletados de forma oblonga apresentam a superfície externa com feições terrosas, estrutura rugosa similar aos cauixis, de cor marrom avermelhada, cinza escuro ou da cor do meio em que foi produzido, comprimento de 5 a 18cm, com cristas em pequenos tubos de diâmetro variando de 3 a 10mm, friáveis nas cristas formadas por grãos de areia quartzosa pouco cimentados e coesas nas superfícies mais planas bem cimentadas. As ramificações formadas pelos pequenos tubos apresentam pequena ou nenhuma cavidade, impossibilitando a verificação das espessuras das paredes da cavidade. Estas, quando presentes, são arredondadas.

Os fulguritos de forma cilíndrica ou tubular apresentam a superfície externa menos rugosa que os de forma oblonga, com diâmetro alcançando até 8cm, sendo possível, em alguns desses tubos, observar o diâmetro interno com variações de tamanho de até 5cm. Em outros casos, podem apresentar até mais de um canal central (Fig.  9). Ramificações desses tubos são observadas revelando as mais variadas formas e tamanhos dos diâmetros externos. Observa-se também que alguns segmentos desses tubos são imbricados, ligados ou sobrepostos em espiral (Fig. 10). As amostras coletadas desses cilindros revelaram tamanhos de até 70cm.

Fig. 9. Amostra de fulgurito do topo das falésias com mais de um canal tubular. Há possibilidade também de serem dois tubos unidos pelo processo de descarga elétrica.

 

Fig. 10. Amostra de fulguritos imbricados em espiral

 

Os fulguritos são expostos tanto na face das falésias como no topo, além de rolados na superfície com declive para a praia.

Os fulguritos encontrados no topo das falésias, estão sobre areias da mesma cor de sua composição, sendo encontrados da cor creme amarelado ou cinza, salvo a face exposta ao intemperismo em que predomina a cor cinza escuro. São de diâmetros superiores a 2cm e com superfície externa bastante rugosa, muito similares a raízes, inclusive preservando algumas características de vegetais na superfície interna dos tubos. Já os fulguritos da face das falésias são, em sua maioria, de diâmetros inferiores a 2 cm, muito frágeis e menos densos em relação aos fulguritos encontrados no topo (Fig. 11).

Fig. 11. Fulguritos do topo das falésias, à esquerda e na face delas, à direita. Observa-se que a coloração escura, nessas amostras, é fruto do intemperismo, sendo possível alguns fulguritos apresentarem tal cor, quando produzidos em meio a areias escuras.

 

CONCLUSÕES

Os fulguritos de Aracati foram analisados a nível macroscópico e carecem de estudos analíticos específicos como os apresentados por Faria e Nascimento (2021), em que utilizaram em seu trabalho a análise petrográfica, análise de microscopia eletrônica de varredura (MEV), análises químicas qualitativas por energia dispersiva (EDS) e análises químicas semiquantitativas. Apesar disso, foi possível separar os fulguritos por comparação morfológica em duas espécies: forma oblonga e forma cilíndrica.  Algumas características como densidade, rigidez e cor são indiferenciáveis entre as duas formas, pois tanto os fulguritos cilíndricos como os de forma oblonga podem apresentar elevada e baixa densidade. Da mesma forma quanto à rigidez e cor, pois a cor depende do material originário da formação dos fulguritos e a rigidez da proximidade do local da descarga. Quanto ao material originário, os fulguritos de Aracati são tipo fulguritos de areia, de região de dunas, podendo apresentar algum conteúdo de material biogênico como conchas marinhas. Quanto a localização de ocorrência, os fulguritos da face das falésias apresentam diâmetros menores que os de topo. Neste trabalho, não foram encontrados os fulguritos com a vitrificação (de vidro) mas carbonática fina, a nível macro, comum de algumas outras regiões de ocorrência.

As amostras coletadas estão expostas em museu particular, com natureza jurídica de coleções visitáveis, em Aracati. O Prof. Dr. Marcondes Lima da Costa, quando de sua visita nos locais de ocorrência, coletou suas amostras e levou consigo para uso em seus trabalhos analíticos.

 

REFERÊNCIAS

FARIA, L.T.; NASCIMENTO, R.S. 2021 O fulgurito de São Geraldo do Araguaia (estado do Pará). GMGA/Bomgeam, Ano 06(2019)n.03.Disponível em: https://gmga.com.br/wp-content/uploads/kalins-pdf/singles/05-o-fulgurito-de-sao-geraldo-do-araguaia-estado-do-para.pdf . Acesso em 13/08/24.  DOI  10.31419/ISSN.2594-942X.v62019i3a5LTF

FREIRE, K.P.G. 2017.  Caracterização dos eolianitos e beachrocks adjacentes ao rio Aracatimirim, Itarema – CE. 65 f. Universidade Federal do Ceará, Instituto de Ciências do Mar. Fortaleza-CE, 2017. Disponível em: http://www.repositoriobib.ufc.br/00006f/ 00006f64.pdf. Acesso em: 24/08/2022.

MASTEROK, Z.R. 2022. Procurando por relâmpagos no chão. Masterok.livejournal. Moscou, Federação Russa, 25, outubro, 2022. Disponível em: https://masterok. livejournal.com/8461852. html.  Acesso em 19.08.2024.