02 – A BACIA POTIGUAR NA HISTÓRIA DA EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO BRASILEIRO E A VENDA, PELA PETROBRÁS, DO POLO FAZENDA BELÉM, ARACATI-CE, PARA A EMPRESA 3R PETROLEUM.

Ano 11 (2024) - Número 2 - Crônicas Artigos

10.31419/ISSN.2594-942X.v112024i2a2MESX

 

Milson Edmar da Silva Xavier

Grupo de Mineralogia e Geoquímica Aplicada – GMGA, Geólogo, milsonest@gmail.com

 

ABSTRACT

There were years of interruption of oil extraction activity by the state-owned Petrobrás in the Fazenda Belém onshore oil field. After the purchase by the company 3R Petroleum, the equipment started moving again and aroused euphoria among passers-by on the BR-304. In this work, some setbacks will be presented throughout the history of oil activity in Brazil and what led to the sale of Polo Fazenda Belém to the private sector.

 

INTRODUÇÃO

Na viagem Pitoresca pelo Sertão, mais precisamente em Aracati-CE, os participantes tiveram a oportunidade de visitar os equipamentos de extração de petróleo (Cavalo de Pau) em pleno funcionamento, uma vez que só recentemente voltaram a funcionar devido a venda do Polo Fazenda Belém para a iniciativa privada. Foram anos de paralisação da atividade de extração de petróleo pela estatal Petrobrás nesse campo terrestre de produção. Após a compra pela empresa 3R Petroleum, os equipamentos voltaram a se movimentar e despertar euforia nos transeuntes da BR-304, além de criar expectativas nos munícipes de Aracati e Icapuí-CE com os recebimentos de royalties do petróleo da região. Foram décadas de pesquisas e percalços da atividade petrolífera no Brasil, que não justificariam uma paralisação desta monta. Neste trabalho, serão apresentados alguns desses percalços ao longo da história da atividade petrolífera no Brasil e os fatores econômicos que levaram à venda do Polo Fazenda Belém à iniciativa privada.

 

UMA HISTÓRIA CONTURBADA

A história do petróleo brasileiro é narrada através de fatos e factoides que envolvem tragédias, denúncias e enredos literários, principalmente estes últimos escritos por Monteiro Lobato em seu livro “O Escândalo do Petróleo e Ferro”.  Nele, o autor transcreve o seu depoimento na Comissão de Inquérito sobre o Petróleo, uma espécie de CPI-Comissão Parlamentar de Inquérito atualmente, em que afirma que o interesse das distribuidoras de combustíveis era com a importação desses produtos e não com a descoberta de petróleo no Brasil. A opinião pública era “induzida”, por essas distribuidoras, a propagar notícias de não existência de petróleo no território brasileiro. O brasileiro acreditava nessa mentira porque também o Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro (SGMB) pactuava com essa inverdade, conforme trecho do livro transcrito abaixo:

“O Serviço Geológico fingia que furava e depois, com a carinha mais inocente do mundo, dizia: Não tem. Vocês estão vendo que não tem… Mas era mentira. Não furava coisa nenhuma. Fingia que furava. Abria buraquinhos ridículos, insuficientes para qualquer conclusão, buraquinhos de tatu.” (Lobato, 1951).

Outra personalidade de destaque ligada ao petróleo é o aviador Euclides Pinto Martins que dá nome ao Aeroporto Internacional de Fortaleza, instalações de desembarque dos participantes da Pitoresca pelo Sertão. A homenagem é justa devido ao fato de Pinto Martins ter realizado o primeiro voo sobre o Oceano Atlântico entre Nova Iorque e Rio de Janeiro. Com esse feito, recebeu prêmio, em espécie, do governo brasileiro e aplicou em atividade de pesquisa de petróleo.

O pioneiro em pesquisa a afirmar que havia petróleo no território nacional foi o geólogo alemão José Bach, residente em Maceió, quando se referia ao Riacho Doce, em Alagoas. Ao abrir uma empresa de exploração, foi “morrido afogado” em uma lagoa (Lobato, 1951)

Como diversos outros investidores do ouro negro no Brasil, no início do século XX, Pinto Martins teve fim trágico cometendo suicídio, ou foi “suicidado” como jornais da época já especulavam, devido ao fato de o aviador ter adquirido relatórios de pesquisas em petróleo no Brasil e prestes a assinar contrato com empresa inglesa de exploração de petróleo.

Segundo Lucchesi (1998), na história da exploração brasileira de petróleo, o período compreendido entre 1858 e 1953 é conhecido como pré-Petrobrás, nele compreendido a criação do SGMB-Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro (1907), DNPM-Departamento Nacional de Produção Mineral (1933) e CNP-Conselho Nacional do Petróleo (1939). Em 1858 o imperador concede autorizações para pesquisa e lavra de carvão e folhelhos betuminosos na hoje bacia de Camamu, Ilhéus (Bahia) e, em 1864, para pesquisa e lavra de turfa e petróleo na mesma região. Em 1939 se dá a descoberta da primeira acumulação de petróleo, o campo de Lobato, no Recôncavo baiano (BA).  A característica marcante desse período é que as áreas sedimentares brasileiras estavam abertas à iniciativa privada.

Em 1954 é criada a Petrobrás, que dá início ao segundo período histórico de exploração (1954-1997). Na primeira fase desse período (1954-1968) tem-se a instalação da empresa com presença significativa de técnicos estrangeiros com seu foco no Recôncavo e Amazônia até 1961. De 1961 a 1968 já há grande participação de técnicos brasileiros e concentração no Recôncavo e outras bacias cretáceas costeiras.

A segunda fase (1969 a 1974) foi marcada principalmente pela descoberta de Garoupa na bacia de Campos (RJ). Também neste período de exclusividade da Petrobrás, em 1973, é descoberto o campo de Ubarana na porção marítima da bacia Potiguar.

A terceira fase (1975 a 1984) foi marcada pela confirmação do potencial da bacia de Campos e a descoberta de petróleo na porção terrestre da bacia Potiguar (1979), sendo as acumulações de óleo e gás ocorrendo na Fazenda Belém e Alto do Rodrigues.

A quarta fase do período (1985 a 1997) foi marcada pelas descobertas de Barracuda e Roncador em Campos e Canto do Amaro na bacia Potiguar. Em 1997 foi promulgada a Lei n⁰ 9.478/97.

O terceiro período (pós 1997) é marcado pela criação da ANP-Agência Nacional do Petróleo pela lei 9.478/97, onde estabelece a redução da área de atividade exploratória da Petrobrás e prevê uma fase de transição para a conclusão de projetos exploratórios já em andamento, além de dar um prazo de três anos para o início da produção comercial para as recentes descobertas que ainda não estejam produzindo. Segundo a Lei do Petróleo, essa redução de atividade da empresa deveria ser compensada com as atividades de novas empresas que deveriam se candidatar por processos licitatórios regulados pela ANP, dentre elas a Shell, Chevron, Statoil, Repsol e outras (Lucchesi, 1998).

Como consequência da quebra de monopólio da Petrobrás em 1997, a natureza jurídica passa a ser uma sociedade de economia mista em que o governo brasileiro é seu maior acionista.

Em 2007, o pré-sal desponta como importante reserva de petróleo e gás natural em águas profundas, o que garantiria a manutenção de sua posição no mercado de crédito, em razão das expectativas trazidas pela nova província petrolífera. A fim de garantir os investimentos nos campos de petróleo do pré-sal e nas quatro refinarias em construção como Abreu e Lima (PE), Comperj (RJ), Premium I (MA) e Premium II (CE) levou a empresa ao endividamento extremo. De 2006 a 2014 a sua dívida líquida saiu de US$ 8,7 bilhões para US$ 106,2 bilhões. No mesmo momento do endividamento, entre 2010 a 2013, a queda nos lucros partiu de US$ 20,1bilhões (2010 e 2011) para US$ 11bilhões (2012 e 2013), fruto do controle de preços que o governo federal exercia sobre os preços de gasolina e óleo diesel. O resultado em 2014 não foi mais de lucros e sim prejuízo da ordem de US$ 7,4 bilhões, gerando uma crise financeira seguida de uma crise de credibilidade da Petrobrás, uma vez que auditoria externa se recusou a aprovar o seu balanço e as empresas de classificação de risco de crédito rebaixaram a sua nota de crédito em razão das falhas nos projetos das refinarias em Pernambuco e Rio de Janeiro, além da divulgação das operações da Lava Jato (Morais, 2017)

Apesar de tudo isso e graças aos investimentos em anos anteriores no pré-sal, a produção de petróleo saiu de 1,8 milhão de barris/dia, em 2006, em média, para 2,1 milhões de barris/dia, em 2013, chegando a 2,6 milhões de barris/dia, em 2016. Em junho de 2017, pela primeira vez, só a produção do pré-sal respondeu por mais de 50% da produção nacional de petróleo. Ou seja, os cinco poços mais produtivos do pré-sal produziram 150 mil barris/dia, enquanto os 7.476 poços de petróleo em terra produziram 127 mil barris/dia (Serra, 2023)

A elevada produtividade na produção do petróleo, a venda de ativos e a mudança na direção da empresa, resultou na redução do endividamento da Petrobrás entre final de 2014(US$ 140 bilhões) e meados de 2022(US$ 50 bilhões), da ordem de US$ 90 bilhões (Serra, 2023).

A venda de ativos é um aspecto muito importante dessa redução do endividamento da empresa e, neste caso, exemplificado pelo Polo Fazenda Belém, em Aracati-CE (figura 1). A empresa 3R Petroleum adquiriu da Petrobrás o campo de petróleo que se estende nos territórios dos municípios de Aracati e Icapuí. Como este, a Petrobrás vendeu vários campos que já não fazia sentido continuar explorando devido sua baixa produtividade (5 mil barris/dia) frente aos campos do pré-sal com produção diária muito maior de 200 mil barris/dia (Serra, 2023).

Figura 1. Detalhe dos tanques de armazenamento de óleo com logomarca do vendedor BR, antes da venda e após a compra pela empresa 3R.

 

Como consequência dessas medidas saneadoras, a partir de final de 2022, a Petrobrás passa a internar os recursos da exportação de petróleo, não mais deixando parte dos dólares de sua produção no processo de redução da dívida, inclusive permitindo o pagamento de dividendos a seus acionistas. Esse processo de redução do endividamento traz um impacto muito grande no mercado de câmbio brasileiro, pois uma parcela significativa de dólares não entrava no país.

Destarte, a equipe pitoresca teve a oportunidade de visitar um desses campos de petróleo que passou por esse processo de redução de endividamento de uma das maiores empresas petrolíferas do mundo.

 

REFERÊNCIAS

Lobato, M. 1951. Obras completas de Monteiro Lobato: O escândalo do petróleo e ferro. Literatura geral, 1ª série, Vol 7. Ed, Brasiliense Limitada, São Paulo – SP. Disponível em https://www.estantevirtual.com.br/discosafins/monteiro-lobato-o-escandalo-do-petroleo-e-ferro-4257960438?show_suggestion=0 . Acesso em 22.01.2024.

Lucchesi, C.S. 1998. Dossiê recursos naturais. Petróleo. Disponível em https://www. scielo.br/j/ea/a/RDLx4Hjt5zTdhhQSSj8w3xk/?lang=pt&format=html. Acesso em 22.01.24.

Morais, J. M. 2017. Petrobrás: Crise financeira e de credibilidade e recuperação recente. Revista Radar. Out/17. Disponível em https://repositorio.ipea .gov.br /bitstream /11058/8111/1/Radar_n53_Petrobras.pdf  Acesso em 22.01.24

Serra, B. 2023.  Canal Youtube Market Makers. Entrevista com Bruno Serra, ex-diretor de política monetária do Banco Central de 2018 a 2022. Disponível em https:// www .youtube.com/watch?v=_D_q3oOOAjE .   Acesso em 07.01.24