Ano 05 (2018) - Número 03 Artigos
10.31419/ISSN.2594-942X.v52018i3a16MLC
Marcondes Lima da Costa1
1Museu de Geociências do Instituto de Geociências, UFPA; Pesquisador do CNPQ. marcondeslc@gmail.com
The field expedition in the Baixada Maranhense region with researchers from UFPA, UFMA, UFT and the University of Göttingen (Germany) allowed to conduct surveys with Russian auger and dredger in three lakes (Formoso, Cabeludo and Lontra) and successful collection of seven meters of sediments for paleoecological and paleoenvironmental studies with support of mineralogy, geochemistry and palynology, in order to identify the natural conditions of the prehistoric human occupation in this region, mainly addressing the role of steers.
Keywords: Mangrove, silt, ceramics, macrophytes
Inicialmente uma cooperação entre os professores Marcondes Lima da Costa (UFPA) e Alexandre G. Navarro (UFMA) para estudar o fantástico achado de um muiraquitã no lago Boca do Rio (Navarro et al., 2017), um sítio arqueológico tipo estearia, cujos registros arqueológicos passam grande parte do ano sob águas doces, na região classicamente conhecida como Baixada Maranhense, foi o motivo para ampliar a cooperação, estendendo-se a UFT e a Universidade de Göttingen. E isto ocorreu por ocasião da visita a convite, que fez o prof. Marcondes ao laboratório LARQ do prof. Alexandre em São Luiz, na UFMA. Após conhecer as instalações do laboratório e o rico acervo arqueológico, principalmente no que concerne a grande quantidade e variedade de material cerâmico, com objetos parcialmente intactos, com vários adornos, muito líticos belíssimos, além de material vegetal, e principalmente os vegetais representados por esteios, sítios tipo estearias, que se encontram no seu local de origem, magnificamente descritos por Raimundo Lopes (Lopes, 1924) e motivo de pesquisas do prof. Alexandre. Esses dados levaram a descobrir os povos das águas, lagos principalmente, e por conta disto surgiu a ideia de investigar a natureza do material de fundo dos mesmos. Isto se tornou imperativo, porque em parte os registros se encontram soterrados pelos sedimentos de fundo e mostravam forte interligação com eles, já demonstrando alterações diagenéticas. Concluiu-se preliminarmente, que o estudo destes sedimentos de fundo poderia permitir identificar as condições ambientais em que viveram esses povos das águas.
Diante deste pressuposto o professor Marcondes sugeriu ao prof. Alexandre que procurássemos especialistas em estudos palinológicos e paleoecológicos, que associados aos nossos estudos mineralógicos e geoquímicos, e claro, arqueológicos, poderia ser possível identificar as mudanças ambientais antes, durante e mesmo após a ocupação humana. Aceito, o professor Marcondes convidou a profa. Dra. Ecilene Meneses da UFT e o prof. Dr. Hermann Behling, da Universidade de Göttingen, que prontamente aceitaram. E depois vários acertos de agenda e equipamentos, e combinado com o prof. Alexandre, estabeleceu-se atividade de campo para coleta de testemunho de sedimentos de fundos em lagos selecionados pelo prof. Alexandre.
Foi que assim no dia 14.11.2018 Marcondes, Ecilene e Hermann chegaram a São Luiz, o primeiro procedente de Belém, a Ecilene de Palmas-Tocantins e Hermann do Rio de Janeiro, procedente da Alemanha. Prof. Alexandre já tinha organizado tudo, passou-se na rodoviária de São Luiz para pegar os equipamentos enviados pela profa. Ecilene, e então pé na estrada, mas antes foi ainda trocado o veículo pick up da UFMA. O motorista, foi muito competente e atencioso, e ajudou em todas atividades da expedição. Longa viagem, com passageiros apertados entre bagagens, de estrada asfaltada e bom trecho de chão, com muita poeira, e às 15:50 h já se estava às margens do lago Formoso com as malas envoltas em grossa camada de pó. Às proximidades o professor Francisco Oliveira de Penalva, um amante da natureza, e grande conhecedor dos sítios arqueológicos da Baixada Maranhense, aguardava a equipe. A paisagem natural bonita contrasta com a sujeira e pobreza da vila, em casas de taipa, sem energia elétrica, mas cercada de lixo de todo tipo, incluindo excrementos humanos (Figura 1). O odor era insuportável. Um quadro de doer na alma. Logo Francisco conseguiu uma canoa e em poucos minutos se chegou a local rico em cerâmica e lítico, sob as águas, indicado pelo Francisco. Imediatamente o trado russo entrou em ação sob a força do Francisco e colega do barco e orientação do prof. Hermann. Quando a noite se abateu sobre o lago e sol se despedia com esplêndido por de sol, e fogo ardia distante nas margens do lago, se tinha conseguido 3 m de testemunhos. Um grande sucesso. Todos vibraram. Pé na estrada poeirenta de noite até chegar a Penalva onde se pernoitou no hotel Lago Verde, sem estrelas.
No dia 15.11.2016 se deixou Penalva cedo, uma pequena cidade, porém não tão pacata, mas antes se apreciou o grande lago Cajari com intenso movimento de pescadores, também rico em estearias com muita cacaria cerâmica arqueológica. Então a viajem continuou para Goiabal, no município de Santa Helena, passando pela cidade de mesmo nome, para sondar no lago Cabeludo. Porém antes se fez uma curta parada no lago Jenipapo, na verdade uma grande, larga e rasa depressão, que recebe águas do rio durante suas cheias e aí se realizou uma pequena escavação de 1,2 m de profundidade próximo a uma poça d´água natural. Atravessou-se sedimentos siltosos cinza claros, com detritos vegetais, que nos primeiros 50 cm do topo, estavam ligeiramente mosqueados e na superfície se apresentavam com gretas de contração. O fundo do buraco foi logo invadido pelas águas intersticiais.
Chegada em Goiabal por volta do meio-dia, que está à margem do lago Cabeludo, é salubre, com casas de alvenaria, amplas, alegres, com energia elétrica, com menos lixo, e as pessoas parecem viver melhor e com saúde. O lago é grande, estava parcialmente seco, e também parece representar um lago estuário, cuja bacia, pode secar em alguns anos. Muitos pescadores estavam em atividade.
Em Goiabal se visitou antes uma família amiga do prof. Alexandre para apoio, mas ela estava de luto, pois o marido havia morrido 3 dias antes. Deixara esposa e filhos órfãos. A esposa desatou em prontos, ao lembrar do marido trabalhando com o professor Alexandre, o que é natural, o que foi entendido perfeitamente. Ele era o braço direito dos trabalhos de campo do prof. Alexandre nesta região. Foi constrangedor. Procurou-se outra família e se conseguiu um barqueiro que conduziu a equipe a um bom local para sondagem. Eles todos são exímios pescadores e conhecem na palma da mão o substrato do lago e, portanto, a localização dos sítios de cacaria imersos no lago, pois a pesca é grande parte com malhadeira.
Às 13 h iniciou-se a sondagem com o trado russo e auxílio do professor Francisco, do barqueiro e do prof. Hermann. Era também um sítio muito rico em cacaria, líticos e o fundo do lago habitados por cardumes de bodós (acaris), que vinham roçar as pernas dos sondadores. Aqui a sondagem foi também um sucesso, com 450 cm ininterruptos de sedimentos indicadores de depósitos tipo mangal, dominado por silte rico em matéria orgânica, por vezes laminados (Figura 2).
Levantou-se âncora e caminho de volta para Santa Helena, mas antes ainda em Goiabal se visitou algumas casas para ligeira conversas, auscultar sobre mounds com cerâmicas, avaliar a possibilidades de tesos, mas se concluíu tratarem-se de barrancos naturais esculpidos sobre siltitos, arenitos e argilitos, com níveis de seixos, de unidades antigas da Bacia do Parnaíba, quiçá do Cretáceo, tipo Formação Alcântara. Essas rochas estão parcialmente mosqueadas, por vezes os mottlings já se transformaram em nódulos de oxi-hidróxidos de Fe. Muitas “ilhas de macrófitas secas” se encontram nas margens do lago, que por ocasião da baixa do nível d´água, ficaram no seco, morreram e secaram, e passam a servir como paul para a nova vegetação terrestre. Sobre este paul Raimundo Lopes tece elogios a respeito de sua fertilidade.
A chegada a Santa Helena foi ainda de dia, com alojamento na pousada de mesmo nome. A cidade é alegre, com muita gente na rua, mas os esgotos são a céu aberto, e o odor fétido de esgoto é forte pelo centro da cidade, por onde se andou. A janta foi às proximidades, com apreciação de um sorvetinho e antes de dormir, e já no hotel realizou-se uma reunião de trabalho entre Marcondes, Alexandre, Hermann e Ecilene. Alinhavou-se as pesquisas que seriam realizadas após a conclusão destes trabalhos de campo. O professor Hermann orientará uma tese de doutorado (estudante Caio Alves) sobre estudos paleoambientais das estearias, a profa. Ecilene orientará um TCC sobre o conteúdo palinológico de testemunho de um dos lagos amostrados; o prof. Alexandre irá coletar sedimentos em outros lagos com auxílio do trado russo e enviar para a profa. Ecilene. O Prof. Marcondes intensificará os estudos de caracterização mineralógica dos registros arqueológicos das estearias e a geoquímica dos sedimentos de fundo.
Acordou-se cedo no dia 16.11.2018. Seria um longo dia, pois ainda se tinha muito trabalho de campo, longa viagem de retorno para São Luiz, empacotamento das amostras e Marcondes, Hermann e Ecilene iriam para o aeroporto antes das 21 h.
Às 11:35 h a equipe já estava no lago Lontra, nesta época seco, com gramíneas naturais rasas e verdejantes, com muitas “ilhas” de macrófitas secas, das quais brotavam plantas viçosas e floridas, A natureza desabrochava. Gado bovino pastando por todos os cantos. Cercas pobres e eletrificadas dividiam os campos naturais de pastagem. Logo se deparou com um lindo campo em que pontas de “esteios” de madeira enegrecida brotavam do chão graminoso, verde, muito em posição vertical, outros inclinados, emergindo entre 20 e 40 cm, mais ou menos. Selecionou-se um deles, em posição inclinada, e ao lado dele com auxílio de trado manual se escavou 1,5 m (Figura 3) para avaliar se tinha cobertura sedimentar sobre a camada arqueológica. Os primeiros 30 cm eram formados por sedimentos siltosos, no intervalo de 30 a 60 cm material arqueológico (cacos cerâmicos dispersos) em matriz siltosa, e então até 1,50 cm argila cinza clara plástica. O esteio foi momentaneamente retirado. Ele tinha 287 cm, de forma roliça, terminada com uma ponta, que parece ter sido esculpida com fogo, pois ainda se apresentava carbonizada (com carvão). 207 cm estavam enterrados e 80 cm expostos. De 80 a 40 cm o esteio apresenta evidência de perfurações por turu e os 20 cm expostos estão secos, fraturados longitudinalmente, e em fase de decomposição. O esteio foi então devolvido a sua posição natural.
Às 13 h começou-se o caminho de volta, tentando alcançar São Luiz na boca da noite. Cruzou-se Santa Helena, com almoço apressado no caminho, e por volta das 20 h se chegava no Laboratório do prof. Alexandre na UFMA (Figura 4). Empacotamento de amostras, elaboração de relatório burocrático, impressão e assinatura, banho e direto para o aeroporto de São Luiz onde se chegou às 21:00. Janta rápida. Marcondes e Hermann partem às 22:45 h, enquanto Ecilene ainda padeceu horas no aeroporto para partida no início da madrugada de 17.11.2018.
Embora muito cansados, a sensação era de ter realizado um rico trabalho em tão curto espaço de tempo, graças ao empenho do prof. Alexandre e à dedicação e empolgação de cada um membro da equipe, incluindo o motorista da pick up oficial. A quantidade de sedimentos amostrada surpreendeu a equipe e tem potencial para obtenção de dados valiosos para identificar as mudanças ambientais experimentadas pela hoje conhecida região da Baixada Maranhense, antes, ao tempo e depois da ocupação humana pré-histórica neste rico sistema de águas flúvio-lacustres.
Agradecimentos
A Fundação de Pesquisa do Estado do Maranhão pelo apoio através de financiamento de projeto de pesquisa sob a coordenação do prof. Dr. Alexandre; ao CNPq pelo suporte geral ao autor (processo 305015/2016-8); a UFMA pela cessão do veículo adequado e com motorista.
Navarro, A. G., Costa, M.L., Silva, A.S.N.F., Angélica, R.S., Rodrigues, S.S., Gouveia Neto, J.C. 2017. O muiraquitã da estearia da Boca do Rio, Santa Helena, Maranhão: estudo arqueológico, mineralógico e simbólico. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 12 (3): 869-894. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981.81222017000300012.
Lopes, R. 1924. A civilização lacustre do Brasil. Boletim do Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1(2): 87-109.