Ano 09 (2022) – Special Issue on Herbert Artigos
10.31419/ISSN.2594-942X.v92022iSpeciala10MLC
My long life experience with Herbert Pöllmann: a mineral connection
Meine lange Lebenserfahrung mit Herbert Pöllmann: eine mineralische Verbindung
Mi larga experiencia de vida con Herbert Pöllmann: una conexión mineral
Mon expérience de longue vie avec Herbert Pöllmann: une connexion minérale
Marcondes Lima da Costa
PPGG/IG/UFPA, CNPQ, ABC; marcondeslc@gmail.com
Desde a infância à vida adulta uma forte ligação com a Alemanha! Casual e/ou intencional?
My life experience with Herbert started in the 1979s at the University of Erlangen during my doctorate, when he was doing his Diplomarbeit and then doctorate. Since then we find ourselves in Brazil on many trips through its interiores, as well as in Wiesau, Fürth, Halle, Eschberg, München, Vogelsberg, Wuppertal, and around the world as Kola in Russia, Romania, Australia, South Africa; I participated affectionately with his beautiful family in the various spaces of Oberpfalz and Niederbayern. I experienced the formation of his pupils, life with Mariele and the arrival of his son Peter. In all these beautiful moments, minerals were our main passion.
Keywords: Erlangen, Oberpfalz, Niederbayern, Fürth, Halle, Eschberg, basalts, amethyst, achat, zeolites, cements, football, Mariele, Henne, Peter, Reinhard, Rômulo, Mausoleum.
Minha experiência de vida com Herbert começou nos anos 1979 na Universidade de Erlangen durante o meu doutorado, quando ele estava realizando seu Diplomarbeit e depois doutorado. Desde então nos encontramos no Brasil em muitas viagens pelo seu interior, da mesma forma em Wiesau, Fürth, Halle, Eschberg, München, Vogelsberg, Wuppertal, e pelo mundo afora como Kola na Rússia, Romênia, Austrália, África do Sul; participei carinhosamente de sua linda família nos vários espaços da Oberpfalz e Niederbayern. Vivi a formação de seus pupilos, da vida com Mariele e da chegada de seu filho Peter. Em todos esses lindos momentos, os minerais eram a paixão principal nossa.
Palavras-Chaves: Erlangen, Oberpfalz, Niederbayern, Fürth, Halle, Eschberg, basaltos, ametista, ágata, zeolitas, cimento, futebol, Mariele, Henne, Peter, Reinhard, Rômulo, mausoléu.
Não sei precisar nem o dia e nem a hora, mas tudo começou em 1979 quando iniciei minha lida estudantil no Mineralogisches Institut da Universität Erlangen-Nürnberg (Friedrich-Alexander Universität – FAU) em Erlangen, na então West Germany ou Bundesrepublik Deutschland – BRD. Herbert já estava lá em sua fase de Diplomarbeit com Prof. Dr. Hans-Jürgen Kuzel, diretor do Instituto, e eu chegara como candidato ao doutorado com o Prof. Dr. Roland Gottlieb Schwab, portanto meu Doktorvater. Era o segundo brasileiro sob a orientação do Prof. Schwab, com ele já estava o professor Nilson Pinto de Oliveira, que chegara dois anos antes. Existia uma certa rixa entre os dois professores, que atingia os seus colaboradores (alunos de doutorado), mas eu e Herbert fomos gradualmente nos entendo muito bem com o passar do tempo, principalmente após a conclusão do meu doutorado e do seu Diplomarbeit e depois do seu Doktorarbeit. Foi quando passamos ter mais liberdade técnico-científica, e podemos de fato desenvolver atividades mineralógicas como parceiros.
Ajudava-nos nessa descontração as peladas de futebol realizadas de vez em quando às quartas-feiras às margens do Europakanal e do pequeno rio, que o canal paralelizava localmente. E claro, a apreciação da cerveja logo após o futebol. Também era muito importante a competição futebolesca entre Hauptgebäude, onde estava o Arbeitszimmer (sala de estudos) do Herbert e Nebengebäude, onde estava o meu Arbeitszimmer. Os doutorandos eram chamados de Mitarbeiter, colaboradores dos seus respectivos Doktorvaters (orientador de doutorados). Os alunos do Prof. Kuzel ficavam na Hauptgebäude e os do Schwab e do prof. Bausch na Nebengebäude, que era menos favorecida, mas ficava na muralha do Schlossgarten. Eu dividia o Arbeitszimmer com Maritza, doutoranda do Bausch e Wolfgang Bloch Diplomarbeiter e depois Doktorander do Schwab. De vez em quando tinha Bierspende mit Bratwurst ou Kaffee-Geniessen gemeisam, e também com os professores Kuzel, Schwab e Bausch. Além disso participamos juntos de Geländearbeiten ou kleine Ausflüge, e fomos nos conhecendo e afinando as nossas relações. Eu tinha uma grande admiração pelo Herbert, porque ele com ligeira dificuldade de locomoção, fazia tudo direitinho ou melhor que aqueles que não tinham, incluindo futebol, corrida e judô. Foi a ele que recorri para tentar investigar os dois minerais Mineral A e Mineral B de minha dissertação de mestrado. Infelizmente não foi fácil, pois eu não tinha Ruf, não tinha nenhuma experiência em mineralogia, e tive dificuldades de o convencer para esse estudo, principalmente porque o tema envolvia materiais lateríticos, de muito pouco apreço, e desconhecido dele. Foi apreciar tempo depois, quando viera ao Brasil. Além do que a rixa entre os professores era também uma barreira. Mas um dia começamos a nos entender e se começou a investigar o mineral A. Infelizmente logo depois se descobriu que ele era equivalente a senegalita, Al2(PO4)(OH)(OH)2 · H2O, encontrada no depósito de ferro de Kouroudiako, Senegal, já publicado pela revista Lithos,, infelizmente não constante ainda das fichas ASTM daquela minha época (Johan, Z. (1976) La senegalite, AI2PO4(OH)3 . H2O, un nouveau mineral. Lithos, 9, 165-17). Mas sobrara o mineral B, que não avançamos por falta de material suficiente para análises. Em 1979 publicava-se o equivalente a ele, a kingsmountita, Ca3MnFeAl4(PO4)6(OH)4 · 12H2O (Dunn, P.J., Peacor, D.R., White, J.S., Ramik, R.A. (1979) Kingsmountite, a new mineral isostructural with montgomeryite. The Canadian Mineralogist: 17: 579-582. Ela foi encontrada em Kings Moutain, Cleaveland, Carolina do Norte. Herbert então a procurou nos pegmatitos de Hagendorf, dos quais ele tinha muito apreço e sempre falava dos mesmos tanto a encontrou e publicou a kingsmountita de Hagendorf.
Em 1981 Herbert concluía seu Diplomatarbeit, eu ainda estava em Erlangen, concluíra meu doutorado logo depois em 1982. Herbert já estava engajado no seu doutorado, concluído dois anos depois, em 1984, na temática: Schadstoffeinwirkungen und Kristall-Neubildungen in hydraulischen Bindemitteln. Eu já tinha retornado ao Brasil há quase dois anos. Naqueles tempos, logo que chegara ao Mineralaogisches Institut, eu achava muito esquisito um Instituto de Mineralogia dedicado à ciência e tecnologia do cimento. Eu estava muito atrasado em termos de desenvolvimento científico aplicado da mineralogia. Foi com ele que fui então entender a importância dos minerais e de suas aplicações. Foi quando apreendi a apreciá-los em todos os aspectos, inclusive como pobre e pequeno colecionador.
No final dos anos 1980 iniciei as minhas idas à Alemanha, quando conheci os pais do Herbert nos arredores de Kirschnitz, na Oberpfalz. Seus pais desenvolveram um apreço muito carinhoso por mim, me tratavam como um segundo filho. Eu admirava a coleção de minerais bem-organizada, que na casa dos seus pais, ficava em mostruários afixados na parede lateral das escadas que levam ao segundo e terceiro piso. Para onde se virava estavam as amostras de minerais. Durante o seu período de Habilitation, já conseguira alçar voos mais longos pelo mundo, inclusive o Brasil, e a coleção tomou novo impulso. Com sua nova residência em Fürth em companhia da Mariele, os minerais em amostras grandes foram ocupando espaço, principalmente no Keller, mas também na bela estante da sala, onde Mariele tinha os seus belos e raros livros. Eu adorava vasculhar essa estante, tanto pelos livros, como pelos belos e raros exemplares de minerais. Uma amostra de cobre nativo, folheada, com mais 30 cm de comprimento, era um espetáculo a parte. Era realmente fantástico apreciar e identificar os minerais ali apresentados. E Herbert gostava de testar os meus conhecimentos. Ele dizia, vamos ver se sabes qual é o mineral e de onde vem. Alguns eu acertava, então ele dizia: Du bist gut! Com as viagens ao Brasil, em especial ao Rio Grande do Sul, no caminho das ametistas, ele passou a ser um colecionador quase compulsivo deste mineral, mas principalmente dos minerais associados, como calcita, selenita, zeolitas e fluorita. E as calcitas eram fantásticas por conta principalmente de suas formas, seus hábitos. Também abusou das lindas placas polidas de ágata em tamanhos pequenos a grandes. Daí em diante caminhou pelos pegmatitos do Norte de Minas, da Paraíba; aos minérios de manganês de Corumbá e do Amapá; às paisagens de Roraima; aos minerais raros do Pitinga no Amazonas, no Pará (Igarapé Bahia, Tucumã, Paragominas, Capim e Bonito) sempre ampliando a coleção. Eu estava em geral presente nestas oportunidades. Mas fez amizade com professores em Ouro Preto, Campina Grande, São Paulo e Porto Alegre. Empreendeu várias viagens à Índia para pesquisa e palestras e aquisição de belas e grandiosas amostras de zeolitas. Também pela Austrália quando por lá nos encontramos casualmente. Ele explorou literalmente o mundo, e os minerais eram os motivos principais.
Vivenciei com grande alegria o forte inverno de 1993 na Oberpfalz na casa de seus pais, e nesta época Mariele já era uma companheira inseparável. E tinha o lindo cachorro Bamba, xodó da Mariele.
Tempos depois nosso destino era Niederbayern, mas por vezes se dizia para Passau, e o destino era mesmo lá no Dorf Eschberg, um lindo cantinho. Mas algumas vezes antes de irmos a Eschberg, passávamos pela casa do tio Joseph Pöllmann. Ele e sua esposa eram muitos carinhosos comigo e claro com Herbert e Mariele. Uma vez ele gritou para os vizinhos: temos um verdadeiro e típico brasileiro conosco, ele veio nos visitar. Eu me senti muito orgulho. Eles sempre nos ofereciam algo delicioso para comer e/ou beber. A cerveja era deliciosa e produzida por ele mesmo. Em vários momentos nos apresentou a sua Bräuerei dentro de um túnel escavado nos granitos da região. Outras vezes íamos pescar nos seus tanques. Tudo era muito divertido e ele se sentia orgulhoso em mostrar os frutos do seu trabalho. Foram muitos momentos de convívio familiar inesquecíveis. Vivi fortemente essas experiências proporcionadas pelo Herbert e Mariele.
O Herbert sempre se referia a partir do final dos anos 1990 a Niederbayern com muito carinho, na verdade, era a ida para o seu Heim na localidade Eschberg, um conjunto de famílias vivendo de atividades nos Bauernhöfe. Eschberg sempre me atraía muito desde os tempos em que era de fato um Bauernhof da família de sua esposa Mariele. Eu também, sempre gostava de ir lá, por conta do amplo espaço, dos avanços dos trabalhos de reformas e construção, e principalmente dos belos e raros minerais coletados pelo Herbert a cada viagem pelo mundo afora. Do Brasil tinha muitas amostras, desde pequenas amostras de mão a quase tonelada. Parecia um colecionador compulsivo para os incautos, mas era um amante do belo e do raro no reino mineral. Os avanços eram cada vez maiores e notáveis. Tanto que em dado momento nos anos 2000 o Mausoléu crescia e ficava mais bonito. A Mariele chamava o espaço térreo do antigo Bauernhof restaurado de Mausoléu, mas tempos depois ela mesmo foi abandonando o termo. Ou seja, já não mais se encaixava. As grandes peças de minerais, muitas delas pesando muitos quilos, se distribuíam nas duas grandes casas do então Bauernhof ricamente restauradas por Herbert e sua esposa Mariele, na verdade tinha um outro Herbert que ficava numa aparente sombra, mas era o executor carinhoso. Só tinha um problema, eu não conseguia entender o alemão que ela falava, era um dialeto incompreensível para mim. Em 2015 o conjunto ex-Bauernhof, já era um palacete lindo, charmoso, um museu e um casa ampla e aconchegante. O castelo! O Herbert dizia para mim: meu sonho é vir em breve para cá, sentar-me, trabalhar gemütlich e escrever e escrever, organizar meus minerais, viver esse mundo que construímos. Mac! Du machst auch mit!. Ja, Klar! Não deu tempo, infelizmente.
Mas como já mencionei, eu conheci Eschberg ainda no tempo do Bauernhof administrado pelo pai da Mariele e por sua irmã Rosalinde, que partiu muito cedo. Era tudo mais simples, mais austero, de duro trabalho iniciando na madrugada. Adorava curtir o frio sob o Federbett, eu sumia debaixo de tudo aquilo, ficava bem encolhidinho, me auto aquecendo. Herbert, como o Pai da Mariele, Sr. Josef, sempre tinham o máximo de cuidado comigo. Eram muito amáveis. Na madrugada eu ouvia o rugido das vacas e sentia o trabalho árduo dele e da Rosaline. Também gostava de vê-la pulverizando com trator no Wiese os excrementos do gado que succionava do tanque tipo cisterna.
Vim aqui muitas vezes e claro, sempre com Herbert e Mariele. Era gostoso o café da manhã naquele cantinho da lareira com o rádio perto dela. O Herbert fazia o que mais gostava, comer e apreciar o café. Ele me dizia sempre: Du muss essen, Du iβt zu wenig, wie ein Vögelschen. Das Essen macht schön. Sieht wie ich ausieht; Du muβ so schön sein wie ich.
Ele e Mariele tinham construído também um cantinho denominado Brasil: tinha a rede estendida nos armadores, grandes artefatos cerâmicos de Icoaraci, um distrito de Belém, alguns deles réplicas da cerâmica Marajoara e Tapajônica, além de artesanatos em miriti, tipiti etc. Durante muitos anos em todas as viagens que fazia ao Brasil ele transportava redes para presentear os familiares e amigos na Alemanha. Depois passou a artesanatos de jarina tanto do Brasil como de procedência externa ao Brasil, placas de ágatas de todos os tamanhos bem coloridas, “drusinhas” de ametistas que foram se espalhando pela Alemanha, entre parênteses, amigos e eventos técnico-científicos. Eu mesmo ganhei uma destas e a guardo com grande apreço. Com placas selecionadas de ágata ele presentou Mariele, instalando-as na parede frontal da escadaria interna e no amplo banheiro, com iluminação de fundo. Ficou simplesmente fantástico. Eu disse para mim mesmo, por que não pensei nisso antes.
Foram muitos e muitos momentos de aconchego e observações e trocas de ideias com Herbert, Mariele, e ainda o outro Herbert, neste espaço, em que os minerais eram sempre o foco principal. Era quando se organizava os próximos projetos, os próximos intercâmbios de pessoal, mas principalmente os sítios minerais no Brasil, e algumas excursões mineralógicas pelo Mundo, a exemplo de Kola e Romênia, e ainda Vogelsberg que iríamos concretizar. Eu teria muitas histórias e imagens sobre nossa vida neste espaço entre Erlangen (Miltelfranken), Tirschnitz-Wiesau (Oberpfalz) e Eschwege (Niederbayern).
Muito se pode escrever aqui sobre a minha convivência fraternal com Herbert e Mariele no espaço Eschberg, mas se tornaria enfadonho para leitura, se é que já não está.
Eu não queria mencionar, mas decidi fazê-lo. Um belo dia do ano 2004, exatamente em 27.11., quando eu estava em Eschberg, passeando pelos amplos aposentos do castelo e por suas praças e jardins, eis que Hebert abre um portão de um compartimento, quase um Keller (porão) do Mausoléu, e lá dentro algo grande envolto em lona plástica de cor preta se destacava. Ele viu que eu estava muito curioso, me deixou antever apenas uma pequena parte do material, era ametista, tudo indicava que era uma grande peça de ametista, com alguns metros de comprimento. Ele resolvera nesta oportunidade instalar a peça no piso superior da casa ou melhor residência castelar que abriga o Mausoléu no seu piso térreo, à frente do lindo corredor que liga essa casa a outra, a principal moradia. O local era de fato ideal, e parece ter sido construído premeditadamente para esse fim, será que não foi? Coisas de Herbert, ela estava sempre sonhando e planejando como organizar seus minerais. De vez em quando ele dizia para mim: – Aqui neste canto cabe uma bela estante para instalar os meus minerais de Kola, por exemplo.
As colunas de basalto e esse grande tatu ou capelinha, capelona, de ametista mostram o quão arrojado e destemido era o Herbert. Pessoas com esse tino são muito raras e preciosas, e nos deixam um legado de valor inestimável, para as ciências e a formação humana.
A partir dos anos 1990 meus contatos com Herbert se intensificaram. Ele e Mariele já viviam principalmente em Fürth (na verdade em Stadeln), uma cidade sombreada por Erlangen e Nürnberg. Eles já tinham a casa na Talpromenade Strasse, um conjunto de casas com vizinhos muito amáveis. Fürth foi o ponto de encontro de fim de semana ou de passagem com o passar dos anos para o lindo Lar que estavam construindo, ao restaurar o Bauernhof em Eschberg na Niederbayern. Acompanhei nas minhas curtas e frequentes temporadas o avançar das obras, que deixaram ao final um belo espaço aconchegante em Eschberg.
Em Fürth chegavam os minerais, depois eles começaram a chegar diretamente em Eschberg, mas a maioria era transportado por eles nas inúmeras viagens com o VW-Bus. Mesmo assim no Keller em Fürth os minerais se espalhavam nas inúmeras prateleiras, em caixas e armários gaveteiros. Parecia um mundo sem fim. Por vezes ficávamos horas afins apreciando os espécimes representativos dos mais diversos minerais, vindos do Brasil, Índia, China, Estados Unidos, África do Sul, Namíbia, Espanha, Portugal, Romênia, Península de Kola, Canadá, e claro, do Brasil, entre outros países. Não dava tempo discorrer sobre esse acervo grande, diverso e maravilhoso. Eu tinha inveja, inveja boa, positiva, e pensava em construir também a minha coleçãozinha, mas pouco avancei.
Na casa de Fürth dormi em cantinhos gostosos, quando lá chegava, a Mariele, dizia, tu já sabes onde está o teu cantinho. Eu já encontrava a roupa de cama sobre a mesma, e logo a arrumava. Mas apreciava o quarto lá no alto, sob a cobertura, cheio de livros, no entanto com poucos minerais. De lá dava para ver o trem passar e ouvir o seu rugido na noite, quebrando o silêncio sepulcral. Com os anos até este rugido sumiu. E o silêncio ficou ainda mais silêncio. Nos anos mais recentes já dormia no quarto do segundo piso, muito aconchegante, também.
Mas o canto mais importante era na grande sala com sofás e o cantinho da lareira com sua mesa circular e na grande parede, em toda sua extensão uma estante de madeira, em parte com vidros, ocupada por livros e coleções de livros, desde a atualidade até de dois séculos atrás. E as belas amostras de minerais iam se acomodando ao lado e ou na frente dos livros. A maioria dos livros eram de Mariele, e ela criticava o Herbert, de forma carinhosa, quando ele os empurrava para colocar um belo Stufe (exemplar) de mineral trazido em uma das suas inúmeras viagens pelo mundo. Lembro-me de uma bela amostra de cobre nativo, enorme, que saiu mexendo nos livros da estante.
No tempo da família Wenda (Richard, Andrea, Cristina, Eva e Carina), este foi colega nosso no Mineralogisches Institut e fora orientado do prof. Kuzel e se tornara Professor na Hochschule. E aí já começara a “richa” entre Herbert e Wenda, pois os “Herrn Professoren” de Universität e Hochschule não são iguais em status, mas pouco importava para eles. Eles brincavam com essa diferença de status. Motivo para tomar vinho ou cerveja. O Richard apreciava o vinho. De vez em quando havia uma disputa entre os dois para identificar uva, ano e até mesmo procedência do vinho. Isso consumia longas horas e muitas garrafas de vinho. A família Wenda morava perto, e quando eu chegava do Brasil ela era logo informada, e logo chegavam com garrafas de vinho e a mulher com material para tricotar, sendo acompanhada pela Mariele. Era uma cena muito marcante, elas tricotando e os dois bebendo. – Ja, Ja, ich würde gern einmal nach Brasilien, aber es geht mir nicht, ich habe keine Zeit. Ele prometia, prometia e não cumpria, até que um dia assinou uma declaração de que faria. Tenho a declaração. Um certo dia ele veio ao Brasil, mas não a Belém. Mas passou muito mal, problemas com pressão alta, coisas assim. Ele partiu cedo, em 20.11.2011. Uma pena, bem antes do Herbert.
Herbert além de excelente pesquisador, ótimo professor e orientador, amante da natureza, gostava de cozinhar, e cozinhava bem. Também cuidava da roupa, e nos momentos de descontração passava ferro na roupa sob o olhar atento de Mariele. Homem moderníssimo. Mas isso não era tão comum, até porque não ligava muito para esse negócio de roupa bem arrumadinha. Ele e eu usávamos nossas roupas por até mais de 20 anos.
Também realizava trabalhos de marcenaria, poda e corte de árvores em sua floresta, corta lenha para o inverno. Também limpava o quintal, colhia frutas (maçãs) com Mariele e levavam para produção de sucos. Faziam um grande estoque de sucos. Tinha todas as grandes ferramentas fundamentais. Deliciava-se com a chegada da motosserra à bateria.
Não me lembro o ano, para isto teria que procurar as minhas cadernetas e os slides, que são milhares dentro de boxes de plásticos, em sua grande maioria trazidos da Alemanha. Mas um belo dia tínhamos ido para Passau e depois Eschberg, e de lá decidido por Herbert e Mariele, que iríamos passear de navio pelo rio Die Donau, o Danúbio, que o vira ainda nos anos 1980 quando Marcelo tinha um pouco mais de 1 ano, acompanhado de sua mãe, Walmeire A. de Melo Costa. Mas tenho quase certeza de que estávamos no final dos anos 1980. Eu sempre comentava com ele sobre a beleza dos navios que singravam pelo Donau, rio abaixo e rio acima, com gente alegre, cantante sonhava com ele. O navio estava ancorado, alegre, vistoso, muita gente embarcando, todos encantadores, e lá vamos nós. Herbert temia que eu precisasse de visto, pois iríamos sair da Alemanha e entrar na Áustria, Österreich. Mas logo a Capelle começou a tocar Volksmusiks, músicas populares muito alegres, e ao me apresentar com passaporte e como brasileiro, fui saudado como WILLKOMMEN! E aí nos descontraímos e fizemos um belo passeio pelas fantásticas paisagens do Danúbio, com seus mosteiros, barrancos altos e a verticais, e pelo que me parece, com calcários jurássicos. Foi uma viagem inesquecível.
Logo que Herbert tomou posse do Abteilung Mineralogie/Geochemie da Universität Halle-Wittenberg, a convite, no início dos anos 1990, fomos conhecer as suas instalações originalmente na Domstrasse, 1, à margem do rio Halle. Um prédio medieval, com escadarias barulhentas, parcialmente restaurado, ao lado do Geiseltalmuseum. Paredes grossas, janelas pequenas e portas baixas. Para entrar na sala do Herbert, era preciso abaixar a cabeça para não a batê-la, tinha até um aviso com alerta. Os jardins eram bons e nele a céu aberto estavam expostos amostras de troncos fossilizados pesando toneladas.
Herbert dizia que ali era provisório e que iria mudar para nova área afastada do centro, mas com grande espaço para expansão. Fomos visitar. Era a então caserna russa, prédios compridos de dois a três andares, com muitas janelas, com os vidros quebrados e marcas de balas. Eram seis prédios que descreviam um retângulo com ampla praça no centro. Não acreditei. Visitamos algumas salas, eram horripilantes, ocupadas por lixo, embora já fossem visíveis alguns restauros. Eu pensei comigo mesmo, Herbert é louco. Mas que nada, em pouco tempo depois os prédios foram restaurados, ficaram modernos e bonitos, funcionais e várias unidades se mudaram para cá, incluindo o Institutut für Geowissenschaften com os Abteilungen Mineralogie/Geochemie e Petrologie & Lagerstättenforschung, no endereço Von-Seckendorff-Platz 3, D-06120 Halle. No início com uma cantina, depois com uma linda e funcional Mensa e comércio em geral, com Konditorei, Metzgerei, Supermarkt, Strassenbahnen etc. Uma mudança total. No centro a praça dos Institutos com blocos métricos de minerais e rochas dispostos de forma circular com um laguinho no centro. As paredes e colunas ornamentadas por belo riolito rosa. Adorei. Herbert tinha razão. O espaço do Herbert, seu Büro, secretaria, sala de reuniões, laboratórios, tudo um brinco. Tornou-se outro mundo.
A cidade de Halle, ao lado de Leipzig, dentro da antiga DDR (Deutsche Demokratische Republik-DDR), a comunista, tida como exemplo de socialismo “bem-sucedido”, era uma cidade triste, descuidada, cinza, com ruas maltratadas etc. Em poucos anos foi restaurada e logo se tornou em uma magnífica cidade, até o Museu de Händel, ou Händelshaus, ficou maravilhoso. Era um prazer grande andar pela cidade com belas lojas de departamento, praças, estação ferroviária, Strassenbahnen, monumentos e cafeterias. A cidade efervescia. E Herbert simplesmente passara a gostar ainda mais. Morava num pequeno apartamento na Brandenburger-Str., número 7. Adequado para sua permanência semanal de segunda a tarde até sexta de manhã, no máximo, quando ia para casa em Fürth e também Eschberg. Eu desfrutei muitas vezes desse convívio nos últimos 20 anos.
O Institut für Geowissenschaften estava moderno, com laboratórios modernos contando com equipamentos de ponta sob a principal batuta do Herbert. Ele trabalhava dia e noite. Deu sua vida a esta tarefa gloriosa. E para descansar ia para Fürth ao encontro de sua esposa Mariele e do Peter, e de lá, quando possível para Niederbayern, entende-se Eschberg, onde construía o seu lindo Heim e seu pessoal Museu de Minerais. Acompanhei em boa parte, os principais caminhos desta construção com olhar de visitante apressado.
Em Halle além das atividades de pesquisas, tínhamos muito momentos de descontração, principalmente nos restaurantes, e para isso a Frau Henne cuidava de todos os detalhes. Um dos restaurantes preferidos era o China, ou melhor Bambus, um local bem decorado, paredes de bambus, motivos chineses e comida farta e saborosa, além disso não tão cara. De fato, um bom local. Eram belos momentos de alegria. Herbert e Frau Henne se sentiam muitos felizes nestes momentos, e nossa companhia parecia fazer bem. Tinha um outro, Zum Schad, tipicamente alemão, decorado com coisas e ferramentas e utensílios do passado, e bote passado, com vários ambientes, também muito primoroso, e visitado por muitos, até Mikhail Gorbatchov. Os banheiros eram ricos em quadros, moldes negativos de pés e mãos de gente famosa, trechos poéticos, caricaturas, e muitos outros adereços. Era agradável também ficar no banheiro. Localizava-se próximo do apartamento dele e depois mudou-se para o centro da cidade.
Frau Ingrid Henne, carinhosamente por nós chamada de Frau Henne, sempre nos atendeu com muito carinho, não se descuidando em nada, e até parecia exagerar. Ela providenciava cuidadosamente o café da manhã para o Herbert ou para nós dois quando eu estava presente. Não se esquecia do café ou chá horas depois. Como disse providenciava os restaurantes, as visitas, os presentes, as aulas, tudo. Uma pessoa inesquecível.
Um belo dia de 2013, no dia de meu retorno ao Brasil, pela Lufthansa, as dores da coluna me tiraram do sério, na verdade, me impediram de andar com as próprias pernas. Eu já vinha sentido as dores, porém ainda suportáveis, mas percebia que elas insistiam em seres mais frequentes e mais fortes. O prof. Dr. Oscar, que estava com a gente no período, me socorreu com algum gel, mas não foi suficiente, e quase nada ajudou. No dia da viagem preparam um almoço, e nele se fizeram presentes Herbert, Leonardo Boiadeiro, Matheus, Oscar, Suyanne Flávia e claro, eu. Boiadeiro se tornou seu último doutorando (defendeu online o seu doutorado semanas antes da morte do Herbert. Eu estava em Feijó-AC. Foi uma bela defesa). Durante o almoço não me senti bem e fui para o quarto do Boiadeiro, deitei-me no chão, e aí fiquei. Todos ficaram apavorados, e eu também. Ainda apreciei a comida, mas as dores se tornaram insuportáveis. Fui levado rapidamente pelo Herbert ao hospital. Aí fui bem recebido e tratado imediatamente e poucas horas depois estava com movimentos razoáveis e levado para o aeroporto pelo próprio Herbert, que estava muito preocupado. Fizeram o meu check-in e prontamente a Lufthansa colocou toda sua infraestrutura de cuidado para cadeirante com problemas agudos de coluna. Fui muito bem tratado e Herbert me aguardou até o momento do embarque de Leipzig para Frankfurt. O tratamento VIP foi até São Paulo, quando fui entregue a companhia brasileira, e os cuidados se esvaíram. Mas cheguei em casa, em Belém. A atenção do meu amigão Herbertão foi total. Obrigado.
Frau Henne era sempre muito atenciosa com o prof. Herbert. Além das atividades de secretariado, ela preparava de vez em quando o Frühstück e rotineiramente a Tasse Kaffee. E ela sempre tinha nas gavetas uma reserva técnica de Süssigkeiten para a jornada diária. E quando eu estava por lá, para nós dois, sempre com muito carinho. Um certo dia nos ofereceu um grande jantar em sua casa, com a presença do prof. Reinhard Wegner, um amigo inseparável do Herbert, um amante dos minerais, em especial dos minerais de gema. Foi uma noite inesquecível com comidas típicas, bons vinhos e cervejas e longas conversas. A bebida nos tinha deixado ainda mais entrosados.
Ainda nos primeiros anos 1980 descobri que a Alemanha dispunha de bauxitas na região de Vogelsberg, Bauxitgrube ‘Eiserne Hose’ bei Lich (Hessen), através da tese de um brasileiro, Cabral, que viera para Alemanha realizar o doutorado. Porém segundo Schwarz (1997) que as estudou em profundidade, elas já eram conhecidas de Harrassowitz (1926) e Schellmann (1966). Esses depósitos estão situados nas montanhas de Vogelsberg a 50 km ao norte de Frankfurt. Segundo essas pesquisas são bauxitas do Mioceno médio, derivadas de rochas basálticas, quando clima na zona fora do tipo tropical quente e úmido. Eu sempre mantinha a intenção de conhecer in loco essas bauxitas, e há anos insistia com Herbert para irmos ao encontro delas no campo. E isso se intensificou quando em Frankfurt tomei conhecimento da formação de bauxitas nas regiões vulcânicas atuais de Kamchatka na Sibéria. Tentei ir a Kamchatka, mas não tive sucessos. Herbert esteve lá, mas não chegou aonde eu queria. E aí insisti ainda mais, e em 17 de setembro de 2015 chegamos à região das bauxitas de Vogelsberg, cercadas por campos de agricultura. Participaram além de nós dois (Marcondes e Herbert), o Dr. Thomas Deggen, que além de motorista foi o geólogo cabeça, desbravou a área, desceu na cava, ajudou a coletar e embalar as amostras; Dra. Suyanne F. S. Rodrigues que entrou na lama (pois chovia sem parar), e Edinaldo Tavares, marido de Suyanne, e Edna Trindade que assistiam a tudo de longe, capturando imagens. Vimos várias cavas cobertas por floresta, indicativas que foram extraídas em quase sua exaustão e foi difícil elaborar um perfil. Mesmo assim coletou-se amostras, que foram posteriormente analisados por estudante meu, e fiquei muito feliz com a consecução da visita e Herbert também percebeu tudo isso e sentiu que cumprira com sucesso a promessa. Infelizmente foi um dia chuvoso e com bastante lama. Logo depois publicou-se uma nota sobre essa visita no boletim BOMGEAM (Costa, M.L., 2015. Vogelsberg, Alemanha: lateritos miocênicos em plena Europa Central! Seriam possíveis? http://gmga.com.br/16-vogelsberg-alemanha-lateritos-miocenicos-em-plena-europa-central-seriampossiveis/) com a promessa de um artigo aprofundado, que ainda não aconteceu, lamentavelmente. Mas irei cumprir in memoriam ao esforço do Herbert.
Costa, M.L., 2015. Vogelsberg, Alemanha: lateritos miocênicos em plena Europa Central! Seriam possíveis? http://gmga.com.br/16-vogelsberg-alemanha-lateritos-miocenicos-em-plena-europa-central-seriampossiveis/
Harrasowitz, H.1926. Laterit – Material und Versuch erdgeschichtlicher Auswertung. Fortschritte der Geologie und Palaeontologie, Verlag von Gebrueder Borntraeger, Berlin. P. 253-566.
Schellmann, W., 1966. Die Bildung yon Roterde und Bauxitknotlen im Vogelsberg. N. Jahrb. Mineral. Monatsh., pp. 321-341.
Schwarz, T. 1997. Lateritic bauxite in central Germany and implications for Miocene palaeoclimate. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology Volume 129, Issues 1–2, March 1997, Pages 37-50
Herbert e Mariele vieram a Belém pela primeira vez em 1985, quando meu filho Marcus tinha dois anos de idade e morávamos na cidade Velha. Ficaram em nossa casa na Rua Carlos de Carvalho, 291, e experimentaram a dormida sob mosquiteiro e acordaram na primeira noite sob as observações curiosas do Marcus. Estavam viajando pelo Brasil através do Brazilian Pass da Varig. Em Belém conheceram o Ver-o-Peso, o Centro Histórico etc. Ainda não existia o Seringal Andiroba e nem a Estação das Docas. Ficaram pouco tempo. Mas ele apreciou o Açaí, e passou a degustá-lo toda vez que aqui vinha. Mariele não gostou de forma alguma.
Herbert esteve várias vezes em Belém, da mesma forma, como fui várias as vezes a Erlangen, Oberfalz, Fürth, Niderbayer (Eschberg) e Halle an der Saale. Começamos em parte com a instalação de equipamentos de análises mineralógicas (calorimetria; gemologia), projetos de cooperação via UNIBRAL e PROBRAL, envolvendo DAAD, CNPQ, CAPES e DFG, que nos permitiu o intercâmbio de estudantes e pesquisadores, com destaque para Jürgen Göeske, Uwe König, Thomas Witzke, Klock, Stefan Stöber, Dra. Dorothee Mertmann, Dr. Kecke, além de estudantes como Ronny Kaden, Maurice Pawlik e Karen Dietmann. Do lado do Brasil para Alemanha, foram Dirse Kern, Rômulo S. Angélica, Oscar Fernandes, Gloria Prieto, Bruno Figueira, Suyanne Rodrigues, Ana Áurea, e mais recentemente Leonardo Negrão, além de alunos de graduação, Karen, Flora, Caio Alves, Matheus entre outros. Foram anos pródigos de cooperação, publicações e formação de recursos humanos.
Eu admirava muito a ordem da Alemanha, digo a rotina, e lá no Mineralogisches Institut de Erlangen, como em muitos outros do País, e uma delas era as reuniões semanais na forma do café da tarde. Eu trouxe essa tradição para o nosso grupo, mas sem o café, pois não deu certo. Foi um momento de acompanhar em conjunto as atividades dos alunos ligados ao nosso grupo de Mineralogia e Geoquímica Aplicada. Mas não deu certo trazer outros professores ao grupo, e aí ficaram somente os meus alunos. Deu certo por muitos anos, e em alguns momentos se traziam um bolinho, doces, sucos, mas incerto, exceto em certos aniversários. E o Herbert começou a fazer isto na Uni Halle, com apresentação de trabalho. E estabelecemos para às quartas-feiras, semanalmente, essas reuniões. E o Herbert quando vinha à Belém, sempre trazia alguns chocolates típicos da Alemanha para serem distribuídos ou presenteados aos presentes. A turma já ficava aguardando. Ao mesmo tempo a gente o convidava para apresentar uma palestra de tema da atualidade. Uma destas foi Die Mineralien am Alltag. Depois de sua apresentação eu a adaptei para a língua portuguesa, A mineralogia em nosso cotidiano. A presença dos participantes era controlada por uma lista de frequência em que todos assinavam. Elas foram guardadas ao longo destes mais de 30 anos de reuniões. E a figura a seguir ilustra uma dessas listas com assinatura do Herbert Pöllmann, em 2009, exatamente na data de seu aniversário, 30.06. Ele sempre brincava em surripiar alguma amostra de nosso Museu para me encher o saco.
Herbert era um amante do espaço por nós chamado Baía do Sol, na verdade não apropriado, pois o nome é da vila, que pertence ao distrito de Mosqueiro, dentro do município de Belém. Mas pouco importa. Depois recebeu um nome mais pomposo, mas difícil de usar: Seringal Andiroba Forest, assim batizado por minha ex-doutoranda, professora Dr. Ecilene Meneses, hoje na UFT. Encurtei para Seringal Andiroba.
Ele esteve neste Seringal por inúmeras vezes e queria sempre se deitar na rede ateada na varanda. E gostava muito da chuva, mas sua estadia era sempre muito curta por aqui, senão poderia tê-la apreciada ainda com mais intensidade, e formular uma nova opinião. Uma vez ele chegou em pleno verão seco, de estiagem, final de ano, quando dificilmente chove na Baía do Sol, quando o oceano Atlântico invade as águas doces da baía. Embora ultimamente neste período tenha chovido bem mais, inclusive neste fim de ano. Ele me disse: – Mac, eu queria me deitar na rede da varanda e que chova lá fora enquanto estiver deitado. Eu disse: impossível. Ele então respondeu. Problema teu, esta é a tua tarefa. A rede estava lá, ele se deitou, mas cadê a chuva. Não é que 20 minutos depois caiu uma chuva torrencial e ele disse: Mac, gut gemacht! Du arbeitest sehr fleissig! Em outros momentos apareceu perereca sobre sua barrica e em outros ele foi visitado pelos voos relâmpagos e estacionários de beija-flores.
Em nosso último contato neste ano de 2022, eu estava na Envira em Feijó, Estado do Acre, e ele me escreveu via WhatsApp, quando me perguntara se eu iria estar em Belém na primeira semana de junho. Eu lhe respondi que sim. Ele estava vindo nos visitar. E me respondeu então: eu quero beber açaí; ele o apreciava com grande prazer. Eu fiquei muito feliz, pois finalmente iríamos nos encontrar depois deste longo período de covid-19. Ele estivera mês antes com o prof. Dr. Reinhard Wegner em Campina Grande, na Paraíba, coletando minerais nos pegmatitos e me enviara uma imagem se deliciando com uma iguaria em um grande prato. Mas infelizmente a vida nos privou deste encontro, e ele partiu para sempre, prematuramente.
No tempo do Genésio, do Bar do Genésio, ele também já partiu, e há bem mais tempo, muitas vezes eu e ele íamos lá à tardezinha e ficávamos até à noite, conversando e bebericando cerveja no balcão do Genésio. O Genésio tinha forte afeição por ele. Lembro de uma tarde de março, das famosas grandes águas de março, quando eu e ele saímos andando pela praia, pisando na areia e a maré subindo, subindo, e aí fomos encurralados para mata e sopé das falésias, para nos desviarmos dos troncos pesados e longos de madeira trazidos pela maré. Foi uma noite perigosa. Senti muito medo, principalmente pela responsabilidade de estar com ele naquela aventura perigosa.
Em março de 2002 ele veio a Belém com o químico e hobbista em mineralogia Erich Kecke. Este, um alemão típico, nunca tinha vindo ao Brasil e muito menos a Amazônia. Estava preocupado com Schlange, Spinne, Ameisen, Flieger, e assim por diante. Saiu pela mata fotografando, feliz por se sentir seguro na selva amazônica, que plantei. Mas ficou apavorado quando viu os marimbondos. E aí, foi um Deus nos acuda, disse que não podia ser ferrado por ele, pois era muito sensível. Entrou para dentro da casa, e tivemos que voltar para Belém.
Ele tinha um grande carinho pela Edna Cabral Trindade, gostava de conversar com ela, e uma vez prometeu cozinhar comida típica alemã, como Katoffelnkloss mit Sauerkraut. E mostrou para ela como fazer. Conseguiu, não tão bem saboroso quanto na Alemanha, pois faltaram os ingredientes fundamentais, os Kräutern. Como sempre tentava andar pelo seringal andiroba fotografando as plantas e suas flores.
Em novembro de 2011 o Herbert esteve outra vez conosco, estava muito feliz, descontraído. Fomos à praia, andamos pela “selva” do Seringal Andiroba e capturou muitas imagens com seu ótimo celular. Também levou algumas amostras das formações lateríticas, pra não perder o costume de transportar minerais, pois elas não são lá muito “sexy” e exóticas.
Ele em 2013 esteve com Mariele e Peter, foi o ápice, novamente no Seringal Andiroba. Foi simplesmente ótimo e inesquecível.
Nos anos 1980 Herbert fez sua primeira viagem ao Brasil e chegou até Belém com sua esposa Mariele. Ele adorou e gostou muito do Açaí. E resolveu voltar logo depois, aproveitando o famoso Varig-Passe, que era uma beleza para turistas estrangeiros conhecerem o Brasil, tinha o mote: Conheça o Brasil pela Varig, Varig, Varig! E assim combinamos de irmos às Cataratas de Foz do Iguaçu. Voamos Varig Belém – São Paulo – Rio de Janeiro – Foz do Iguaçu, sem conexões, era o famoso voo 251/250, coisa assim. Nos hospedamos no famoso hotel Tropical Foz Iguaçu, de propriedade da Varig. Ela tinha vários hotéis nos locais mais turísticos do Brasil, na época. Fiquei deslumbrado, pois nunca tinha me hospedado em tão rico hotel. De lá nos deslocamos para os pontos estratégicos para apreciar as cataratas, passando por passarelas suspensas sobre as águas e rochas. Com a primeira visita a Belém e com esta às Cataratas, estávamos sem querer construindo nosso convívio de pesquisas, que foi interrompido com sua morte súbita em 2022.
Em outubro de 1995 voltamos já sob intermédio de Carlos Tadeu Cassini. Foi uma viagem inesquecível, quase uma epopeia, pois queríamos chegar às ametistas do Rio Grande do Sul. Cassini primeiro nos levou às cataratas que já tínhamos em parte conhecidos partir do hotel da Varig.
Alugamos um fusquinha em Foz do Iguaçu e de lá pelo oeste do Paraná, por dentro de uma reserva naquela época não tão radical, seguimos pela estrada de terra e fomos em direção a Iraí, nosso principal destino, com o objetivo de conhecer as ametistas, que só tínhamos vistos em exemplares nos Aeroportos e Lojas voltadas para o Turismo. Ao anoitecer atravessamos o rio Uruguai e quando chegamos numa rotatória já dentro da cidade de Iraí, nosso fusquinha deu pane elétrica, e ficamos em pleno escuro. Conseguimos chegar ao Balneário Hotel em pleno sábado. Um prédio antigo, na época um pouco decadente, quartos grandes e com estrutura para águas termais, piscina com águas termais. Muitas pessoas da terceira idade se hospedando e uma alegria enorme. O café da manhã foi rico.
Estávamos com um problema, como consertar o carro. Era domingo. Nos indicaram um senhor que tinha experiência em avião, teco-teco. Ele nos recebeu com muita atenção e resolveu o nosso problema. E assim partimos para as ametistas. Visitamos logo um conhecido do Cassini, e lá nos debruçamos com muita ametista, inclusive espalhada pelo terreiro e quintal. Herbert foi logo comprando e eu comprei uma peça grande meio planar, com uns 60 Kg, que foi enviada a Belém, mas chegou quebrada em três pedaços. Fiquei triste, mas espalhei os menores e fiquei com a maior no apartamento, que depois doei para o Museu de Geociências da UFPA, onde lá se encontra até hoje.
E aí começamos a desbravar a região de Iraí, Frederico Westphalen, São Gabriel que se passou a se chamar Ametista do Sul ainda em 1992. Em nossa viagem as estradas eram de chão batido, com um pouco de lama, ligando as moradias rurais, pequenos sítios e fazendas. Povo com feição alemã, ou no geral europeia. Tentamos pernoitar em São Gabriel, mas não conseguimos nada. Passamos por uma casa de família de campo, muito atenciosa, com uma linda menina de uns 7 anos, de nome Bruna. Fiz uma fotografia dessa bela criança e a tenho até hoje em meu quarto em porta-retrato. Em viagens posteriores pensei em localizá-la, mas não tive sucesso. Obviamente estará hoje com cerca de 34 anos, provavelmente já é esposa e mãe.
Adentramos nas áreas de exploração e de comercialização. O Herbert ficou simplesmente extasiado. Adquiriu muitos exemplares, incluindo uma amostra tubular de ametista com calcita pesando mais de 30 Kg que levou em sua pasta-mala de mão. No voo Varig para São Paulo, onde teria conexão para Frankfurt, ao subir as escadas, o trânsito parou, e ele arriou a mala. A comissária vendo a dificuldade de locomoção dele pegou a mala, e aí riu, não conseguiu movê-la do chão. Nós também rimos e agradecemos. Como dizia o Herbert Handprobe, amostra de mão.
Mas ao ver o tamanho gigante dos tatus de ametista decidiu que retornaria e assim retornou inúmeras vezes, já sem a minha participação na maioria delas, porém com o seu grande amigo Prof. Reinhard Wegner, e mesmo com sua família. Conhecera o caminho das pedras. Adquiriu assim amostras pesando quase uma tonelada para si próprio e para a Universidade. Eu, inclusive participei a instalação daquela de sua casa com mais de 2,5 m de altura. Para isso empregou um trator. Foi quase uma epopeia.
Ele então em suas andanças independentes pela região comprava sempre placas de ágatas naturais e coloridas, pequenas drusas de ametista e cristais belíssimos e raros de calcita, selenita, fluorita, zeolitas, etc. Inclusive estudou a fluorita e divulgou os resultados em publicação no Aufschluss. Ele tinha o prazer de presentear parentes, amigos e colaboradores com ametista e ágata. Sua casa em Eschberg foi enfeitada com placas de ágatas de múltiplas formas, tamanho, texturas e cores. Mais tarde voltamos ao Rio Grande do Sul, e fomos direto à Soledade, onde conhecemos o grande entreposto da família Lodi. Lá ele ficou completamente extasiado e ficamos um dia inteiro só mirando, selecionando e nos apaixonando por muitos exemplares de ametista desde as pequenininhas até às gigantes, sem se esquecer das ágatas. Ele disse para mim: Mac, hoje vamos apenas olhar, olhar e sonhar e depois voltamos amanhã para a decisão final. E assim se fez. Ele inclusive veio com o dever de levar para o Instituto de Geociências da Universidade de Halle-Wittenberg, uma grande amostra de ametista e a comprou no dia seguinte. Na época uma fortuna, pesando 750 quilos, que chegou meses mais tarde em Halle, e lá se encontra belamente exposta e ornamentando o Instituto próximo as escadarias. Eu, na oportunidade comprei dois exemplares de capelinha de ametista pesando cada uma por volta de 90 quilos, uma está em Belém-Pará e outra em Feijó-Acre.
Em 2002 publicamos em conjunto, Herbert, Marcondes e Reinhard, um artigo sobre as ametistas e ágatas do Rio Grande do Sul na revista Aufschluss:
Pöllmann H., Costa, M.L.: Wegner, R. 2002. Amethyst und Achat aus S-Brasilien. Aufschluss, 53 (Mai/Juni): 167-180.
Outro sonho mineral do Herbert era chegar às ametistas de Alto Bonito, situadas ao norte das Serras de Carajás, no sul do Pará. Carlos Tadeu Cassini, meu pupilo de IC, TCC e mestrado, sempre falava delas,. Ele também partiu muito prematuramente, mas deixou um bom legado. Como o Herbert já descobrira o caminho das ametistas do Rio Grande do Sul, faltava o das ametistas de Alto Bonito, atraentes por sua natureza gemológica dada por sua forte cor lilás. Tive que encontrar os contatos dos garimpeiros, que me foram facilitados pelo geólogo Cauby Fernandes, que muito amavelmente fez todos os contatos com o garimpeiro Adilson Barbosa Machado, mais conhecido por Faquinha (milhões de desculpas se escrevi o seu nome errado). Herbert chegou da Alemanha e então partimos para Parauapebas na região de Carajás. Era 9 de novembro de 2004, um dia bonito, mas parcialmente nublado, que já fora palco de pancadas de chuva. A pessoa de contato nos levou de automóvel vw-gol até a fazenda indicada por Faquinha, que nos recebeu muito carinhosamente. E logo nos empolgamos com o cenário montanhoso, com fazendas ao redor e descendo do alto do morro, o bota-fora dominado por quartzo e fragmentos de ametista, além do afloramento de águas drenadas do garimpo na base da serra. Herbert empolgado abriu o porta-malas do carro gol para pegar a máquina fotográfica e ao fechá-lo a quina da porta o atingiu no meio da testa. O sangue vermelhão jorrou imediatamente. Eu disse para mim, Meu Deus! nem mesmo chegamos e acabou a viagem! Bateu aquele desespero. Pensei que não tivesse qualquer estrutura de primeiros socorros naquele lugar. Eu estava redondamente enganado. Imediatamente Herbert foi levado para uma enfermaria simples, mas funcional. Ele suava intensamente e sangrava. O corpão dele se estendeu sobre a cama apertada para o seu corpo, e imediatamente o enfermeiro fez toda assepsia e tratamento digno de nota, enquanto paralelamente uma mocinha de nome Carolina, abanava o rosto do Herbert. Em poucos minutos ele estava em pé, alegre, com uma faixa de esparadrapo na testa e pronto para subir o morro e depois entrar no “vulcão”.
Após um pequeno lanche fomos ao “elevador” que nos levaria para o interior do “vulcão”. Um cabo forte de aço com um pneu cortado afixado em sua extremidade, permitia que duas pessoas cara a cara se sentassem simultaneamente para a decida e subida, dependuradas literalmente. Uma alavanca conectada a um motor situado a uns 10 m de distância controlava o avanço do elevador. Deu medo! 150 m pendurados naquela geringonça imprevisível. O pessoal responsável ao perceber o nosso medo, escalou um técnico para nos acompanhar individualmente, em separado. E assim desceu o Herbert e depois eu. Esse pessoa para nos encorajar contou que o governador do Pará, Almir Gabriel e sua esposa, tinham descido. Era uma descida no escuro por um tempo que parecia não ter fim. Ao fundo abriu-se um salão enorme com câmeras de segurança, gente cavando, motores bombeando água e os veios de ametistas se projetando na parede. Foi maravilhoso. Herbert ficara encantado e nos esquecemos do medo. O salão lembrava um pouco uma caldeira vulcânica, bela imaginação. E nada mais.
Depois fomos ao bota-fora, onde mulheres alegres, cantarolando, catavam pedras de ametistas com cor ainda com potencial de aproveitamento, principalmente para produção de citrino através da queima. A queima de ametista de cor fraca era feita com muflas por vários garimpeiros do local. E assim se produzia boa quantidade de citrino.
Adquirimos ametistas, citrinos e ainda peças grandes (20 a 30 cm de comprimento) de quartzo bem formado com tonalidade hialina a ligeiramente esfumaçada, conhecidos por mandus. Os melhores, com cor lilás mais forte e formas mais perfeitas, eram chamados de pião.
Como fruto deste trabalho de campo in loco em Alto Bonito publicamos dois pequenos artigos. Um na revista alemã o Der Aufschluss, sua revista preferida para esses tipos de trabalhos, e que trabalhou como redator por muitos anos e se tornou membro emérito, e outro no Jornal do Pará O LIBERAL, em uma sua edição especial de domingo, em livro formado por agregação de folhetos, organizados pelo professor do MPEG, Dr. Pedro Lisboa.
Obviamente, dispensa-se comentar que Herbert levou muitos quilos de amostras de Alto Bonito, incluindo mandus e piões. E eu os vi tempos depois no seu Mausoléu em Eschberg (Niederbayern).
Em março de 1997 vieram a Belém Herbert e Klock, que foram ciceroneados pelo falecido prof. Dr. Walter Schuckmann, colega em nosso Instituto de Geociências, expert in DRX e FRX. Herbert queria conhecer a mina de magnesita da Bahia. Nessa época estávamos também estudando a composição mineralógica e química dos muiraquitãs, e pela leitura das publicações sobre eles, que afirmavam serem entalhados em jade a jadeíta (?), que não existindo no Brasil, tiveram a ideia de supor que fora trazido da Ásia. Porém o artigo de um pesquisador alemão, Hermann von Ihering (1904) (Über das natürliche Vorkommen von Nefrit im Brasilien), mencionava a ocorrência de jade á nefrita, nos arredores de Amargosa, na Bahia. Pensei comigo, esse local não deve estar registrado no mapa do Guia Quatro Rodas do Brasil. Fui olhar, e lá estava Amargosa. Resolvemos então fazer uma viagem para conhecer a ocorrência de nefrita, entre outros sítios na Bahia. E assim se fez. Incluímos também outras visitas e até mesmo chegar à cidade de Campina Grande, na Paraíba. Voamos via Brasília até Salvador. Neste aeroporto alugamos um carro e eu o dirigi por todo trajeto. Conseguimos encontrar Amargosa, que nos surpreendeu por sua beleza e pelo carinho com que fomos recebidos pelo prefeito da cidade, com o corpaço e voz similar ao do Faustão. Falamos do nosso objetivo, jade à nefrita, e aí ficou ainda mais feliz, pois tinha conhecimento do assunto, e nos presenteou com a revista que descrevia os artefatos líticos à nefrita da região de Amargosa e ao mesmo tempo nos indicou um casal de idosos, que tinha uma coleção desses materiais. Agradecemos e fomos conhecer o distinto casal, que nos recebeu com muita alegria e um belo café. O Herbert, gringo alemão, despertou a atenção deste. De fato, dispunha de uma coleção de líticos, tipo pingentes, verdes, certamente a nefrita, na verdade o mineral tremolita-actinolita. Depois nos indicara onde seria a possível fazenda mencionada por Ihering com ocorrência de nefrita. Estivemos nos arredores, vimos as ocorrências de rochas ultramáficas, solos roxos, mas não encontramos, é claro, a nefrita. Talvez nos tenha faltado tempo. Resolvemos então partir em direção a Brumado, passando por Jequié.
Por volta das 19h, já meio escuro, por atiçamento do Walter Schuckmann, acelerei, e eis que surge na contramão um carro velho, caindo aos pedaços, sem luz, e nos chocamos lateralmente. O motorista não tinha nenhum documento e não era habilitado. Tivemos que procurar a polícia e socorro, que chegou muito tarde e assim pernoitamos no caminho, em Milagres. Recebemos um novo veículo da Localiza. A culpa fora do outro carro. Mas a tensão do acidente ficou conosco durante toda a viagem.
Mas conseguimos chegar em Brumado. A cidade é bonita e nos seus arredores estão as minas de magnesita. Visitamos uma delas, já previamente agendada. Fomos bem recebidos, podemos coletar amostras em diferentes pontos da cava e fomos ainda agraciados com alguns exemplares de quartzo coletados pelo engenheiro. Até chegamos a um dique de talco branquinho, cujo produto era vendido exclusivamente para a Bayer.
Voltamos para Salvador, via ferryboat, seguimos à noite para Campina Grande na Paraíba, com denso e perigoso tráfego, onde visitamos o prof. Reinhard Wegner. Este nos levou a alguns pegmatitos mineralizados em pedras preciosas, mas muito rápido, e então voltamos para Salvador e Belém.
O Herbert descobrira a existência de oxi-hidróxidos de manganês de Caetité na Bahia, não sei como. Queria conhecê-los in loco. Levou anos me instigando para irmos até lá. Procurei os contatos, descobri que estavam sob a responsabilidade da DOCEGEO, empresa da Vale e já extinta. Escrevi a ela, nada. Tentamos via telefone, também sem sucesso. E eu ia constantemente informando ao Herbert sobre as dificuldades encontradas. Até que um dia ele me disse: E se formos lá e bater a porta, é um risco, mas pode ser a solução. Achei a ideia boa, embora muito arriscada. E novamente fomos para Salvador, dessa vez ele trouxera o seu colaborador Thomas Kühn, e de lá com carro alugado, e eu dirigindo, tendo como guia o mapa Guia Quatro Rodas, ainda não existia o Google Map e nem o Waze.
E assim numa bela tarde chegamos através de uma estrada de chão nos últimos quilômetros à cidade de Caetité. Para nossa surpresa, uma cidade de estilo colonial, com prédios pintados de branco e contornos azul del Rei. A cidade era movimentada, alegre. E chegamos a um hotel que tinha sido inaugurado naquela semana. A proprietária muito gentil, nos recebeu com alegria e aí nos alojamos. Aproveitamos para nos informar sobre uma jazida de manganês. E ela prontamente nos atendeu. Ela nos informou que tinha um pessoal da Vale que explorava manganês na região, mas não sabia onde era. Porém nos disse que no hotel mais chique da cidade, estavam hospedados os geólogos da Docegeo. Fomos lá, mas não os encontramos. Era tarde da noite e voltamos para o nosso hotel. No dia seguinte perguntamos para algumas pessoas que nos deram algumas dicas de uma estrada de chão, onde transitavam caminhões com manganês. Concluímos, é essa mesma. E aí fomos para a tal estrada, e para nossa surpresa, vimos muitos pedaços de óxidos de Mn na beira da estrada. Estamos no caminho certo, concluímos. E logo a frente encontramos um caminhão tombado na beira da estrada que estava cheio de oxi-hidróxidos de manganês. Já não tínhamos mais dúvida, mas concluímos ao mesmo tempo que a situação parecia perigosa. Seguimos a trilha dos blocos de Mn na beira da estrada que logo enveredou para uma vicinal. Seguimos. Encontramos um belo afloramento na beira da mesma e fomos observá-lo. Tudo oxi-hidróxidos de Mn. E para nossa surpresa demos de encontro com uma estrutura de portaria de empresa de lavra de minerais de Mn. Achamos a mina. Vibramos. Tentamos entalar uma boa conversa, não deu certo. Mas nos deram o contato telefônico. Voltamos à cidade e falamos com o geólogo. Ele aceitou nos levar até à mina. E assim conseguimos o nosso intento. Foi ótimo. Herbert acertou na mosca com a sua ideia.
Depois descobrimos que não estávamos longe do garimpo das ametistas Brejinho das Ametistas, tanto falada pelo Carlos Tadeu Cassini, e famosas por sua corte lilás muito forte. Da mesma forma estávamos próximos das instalações industriais e da mina de urânio de Lagoa Real, até hoje, a única em atividade e produção no País. E finalmente empresas desenvolviam pesquisa de avaliação de grandes depósitos de ferro associado às formações ferríferas bandadas. E corria solto pela população a conversa de que o minério de manganês era roubado à noite. A infraestrutura com ferrovia facilitava o escoamento.
Herbert queria conhecer as minas de Urucum. Eu e Rômulo tentamos cuidar disso e conseguimos contato com pessoal ainda da DOCEGEO, penso eu. Ao final formamos um grupo de quatro pessoas: Herbert, Uwe König, Rômulo Angélica e Eu. Foi após a nossa participação em evento científico (ICAM) em Águas de Lindóia, em São Paulo. Era setembro de 2004, e assim em voo inseguro da Vasp, por conta de sua situação financeira, praticamente em falência a qualquer momento, conseguimos chegar em Corumbá, para assombro do pessoal do hotel onde hospedamos, já que há alguns dias ela não voara para aquela cidade. Ficamos preocupados com o retorno.
Fomos bem recebidos pela empresa. Prof. Herbert fez uma ótima palestra e depois fomos conhecer a pequena frente de lavra de minério de ferro. A exposição estava bonita, sem atividades de máquinas pesadas. Coletamos algumas amostras e ficamos felizes da vida. A paisagem era formatada por morros e platôs e ao fundo a planície infinita do pantanal mato-grossense. Muito impressionante.
Depois fomos conhecer as exposições de minério de manganês explorados em galerias por empresas da Holanda, ainda no início do século 20. Muito interessante. O minério em camadas estratificadas, com aspecto maciço, tendo ao topo blocos de rochas diversas, com destaque para granitóides, trazidos por eventos glaciais, que sucederam à deposição dos minerais a base de óxidos de Mn e Fe. Coletamos amostras do minério, que foram analisadas, e os resultados obtidos foram comunicados em evento científico e agora publicado neste número especial do BOMGEAM, como mais uma homenagem ao inesquecível Herbert. Título: “Contribuições Mineralógicas e Geoquímicas sobre a Origem do Minério de Manganês do Morro do Urucum (Corumbá, Brasil)”. Este artigo foi escrito em 2011, e, portanto, se encontra desatualizado diante das novas publicações, inclusive referentes ao manganês de Urucum. Fiz tão somente algumas inserções bibliográficas mais recentes. Era preciso registrar mais essa contribuição de Herbert.
O Herbert também era fascinado pelo azul da sodalita, e ouvira falar de sodalitito no Brasil, usado como rocha ornamental em alguns prédios públicos e privados no Braasil e mundo afora, e muito caro. Descobrimos que vinha principalmente da Bahia, embora também fosse conhecido no Rio de Janeiro. E mais uma vez fiquei incumbido de achar o caminho das pedras. Descobrimos que era explorado em Itaju do Colônia, o Stock lichtfieldito Itaju do Colônia, com 732 ± 8 M.a., e constituído de sodalita, feldspato alcalino pertítico, aegirina, nefelina, albita, cancrinita, biotita, mica branca e minerais acessórios como carbonatos, zircão, titanita, apatita e minerais opacos (http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/21524, dissertação de mestrado de Cabral, Eraldo Bulhões, 2017: Petrologia do Stock Litchfieldítico Itaju do Colônia, Sul da Bahia). E em 27 de novembro de 2009 mais uma vez nos dirigimos ao sul da Bahia e chegamos em Itaju do Colônia, uma pequena cidade simpática, tranquila e agradável. Não conseguimos chegar à frente de palavra, pois não tínhamos permissão, mas chegamos ao local de estoque. Lá estavam os blocos de padrões métricos, de muitas toneladas, em suas cores magníficas, conforme as imagens a seguir. Passamos horas observando a diversidade mineralógica, texutural e estrutural destas rochas, que de fato são magníficas em todos os seus aspectos.
Nos hospedamos em um bom hotel a beira da praia para seguir caminho para o interior da Bahia.
Em GOVAL fomos recebidos por colecionadores de minerais da região, minerais esses típicos de pegmatitos, uma variedade enorme e fascinante, muitos deles, raros. Herbert e eu ficamos extasiados, porém o preço era também de exigir bolso transbordando de reais e dólares. Herbert fez a festa, mas não conseguiu adquirir a grande amostra de agregados de cristais de brasilianita e nem os belos e enormes cristais de espodumênio, preços inacessíveis. Eu também adquiri algumas pecinhas. Essa amostra de brasilianita nas mãos de Herbert enobreve a capa deste número especial do BOMGEAM dedicado ao Herbert.
Em 16 de março de 2011, penso que eu, Rômulo Angélica e Herbert partíamos para Salvador da Bahia, via Fortaleza. Herbert queria conhecer os quartzos rutilados de Novo Horizonte, no interior da Bahia. Para isso tive que consultar meu grande pupilo, falecido Carlos Tadeu Cassini, que se foi muito cedo. Era um grande parceiro. Por sinal perdi vários bons estudantes e amigos; além do Cassini, seu colega Helmut Hohn, Elias Moraes e Anselmo (técnico). Cassini tinha uma empresa de geologia, sediada no interior do Paraná, chamada Geoiguaçu – Consultoria: geologia, geoquímica, geofísica, mineração e meio ambiente. Seu pai era um sócio importante e muito prestativo. Uma vez fui visitá-los em Santa Helena, no Paraná, às margens do lago Itaipu. Mas voltando ao Herbert e ao quartzo rutilado. Foi então Cassini que nos arranjou o caminho para Novo Horizonte, onde estavam os garimpos de quartzo rutilado, comprados em toneladas pelos chineses. Ele acertou ainda com o “Paraíba”, Sérgio Paraíba, também ex-aluno de geologia, que namorara minha bela estudante de especialização, a arquiteta Lucinda. Mas não tinha perfil para aquela linda menina. Milhões de desculpas caro Sérgio Paraíba. Foi apenas um jeito carinhoso de recordar a sua importância para todos nós. Marcamos encontro em uma dada cidade, que não me lembro agora. Antes disto, ao chegarmos no aeroporto de Salvador alugamos um carro, e eu e Rômulo passamos a dirigi-lo. Partimos para o interior da Bahia munidos do mapa quatro rodas. Fomos alertados dos perigos de assaltos ao longo das rodovias da Bahia, em especial para onde íamos. E realmente o mapa do Guia Quatro Rodas chamava atenção para isto, portanto impresso. Ainda não tínhamos o google map e gps acessíveis. Saímos em direção a Seabra, eu dirigindo, sempre preocupado. A paisagem era magnífica, ricas em morros tipo inselbergs. As rodovias estavam novas, magníficas. A noite deste mesmo dia chegávamos em Novo Horizonte e jantávamos com Carlos Tadeu e seu querido Pai, seu Remi, além do Sérgio Paraíba.
De manhã cedo, em 17.03.2011, apreciamos a praça central, bonita, alegre e com forte movimento. Os pedristas estavam por todo canto oferecendo os seus produtos. Logo comprei meu cristal de quartzo de 20 cm de tamanho contendo rutilo. Era meio bruto e pouca transparência. Herbert ficou com ciúmes e foi atrás de outro e encontrou. Festejamos. Conhecemos lapidadores e vendedores de pedras lapidadas. Os preços eram quase impagáveis. Queríamos ver os garimpos, as minas. Cassini cuidou disto. Logo chegamos em um garimpo com shaft raso, veio de quartzo com rutilo. Herbert não desceu, e Rômulo desceu depois de avaliar cuidadosamente os perigos potenciais. Ainda vimos um casal lindo de araras azuis e então resolvemos partir em direção a Ibitiara e Brejinho dos Oliveira/Oliveira dos Cristais. Estávamos a caminho de Macaúbas, passando por Boquira, onde visitamos exposições e comércio de pedras. Infelizmente, já ao escurecer, nosso colega Sérgio Paraíba foi envolvido em acidente com uma vaca, e o tormento virou noite adentro e ele teve que nos deixar. Foi muito triste. Pernoitamos em Macaúbas. A estrada estava muito boa, Rômulo dirigia, e eu lhe alertei, cuidado nessa região, tem muitos animais na beira da pista. E logo cruzando uma pequena vila vimos uma vaca atropelada. E ao chegar em Macaúbas, soubemos que fora com o Sérgio.
Em Macaúba fomos para o centro da linda praça com Herbert, Rômulo e Cassini. Mas o ambiente não podia ser melhor por conta do acidente.
No dia seguinte, 18.03.2011, estivemos em Boquira, conhecemos as formações ferríferas da região, Herbert coletou amostras. E se empolgou com os mármores azuis da Bahia, ricos em dumortieritas. Visitamos os arredores das minas abandonadas de chumbo e andamos sobre o rejeito sulfetado. E aí aproveitamos para fazer uma foto de todo grupo em cima do rejeito. Herbert estava bem descontraído. Voltamos por Brejinho dos Oliveira e fomos olhar alguns depósitos ou lojas ou comércios de minerais. Vimos muita antofilita e cristal de quartzo, aos montes. Pernoitamos em Seabra, no Hotel Nélio. No dia 19.03.2011, chegamos em Andaraí, a terra da boa cachaça, comprei a Novo Horizonte, era boa mesmo. E paramos no ponto Morcego às margens de belo rio cheio de correnteza, onde apreciamos pedras lapidadas e artesanato.
Em seguida Cassini nos levou para conhecer o projeto dele de minério de ferro de Mocambo. Local muito pobre, mata tipo savana e várias ocorrências de formações ferríferas bandadas, metamorfizadas. Aqui Herbert sentiu o peso do calor forte e o cansaço da viagem como um todo.
Outro sonho recente do Herbert era chegar ao Monte Roraima. A maneira mais aventureira e menos custosa seria a pé, mas durava no total quase uma semana, além do que para ele não seria adequado, por quanto do sobrepeso e dificuldades inerentes a perna, sem esquecer do forte calor da gran sabana venezuelana. Mas depois de procurar contato, encontrei a solução. Iríamos de helicóptero a partir da cidade venezuelana Santa Helena do Uiairén, porém por intermédio de empresa de turismo de Boa Vista. Os custos foram muito elevados e tivemos que pagar adiantado. Marcamos nos encontrar em Boa Vista no hotel tal. Herbert chegaria antes de mim. Vim de Belém, via Brasília e então a Brasília-Boa Vista em 01.02.2015 e Herbert de São Paulo. Cheguei na madrugada de 02.02.2015 em Boa vista e Herbert não estava no hotel. Segundo a portaria não adentrara. Fiquei muito preocupado, telefonei para sua esposa Mariele, informando que ele não chegara. Onde está o Herbert? Mais tarde na varanda no alto do hotel estava Herbert sentado em uma cadeira olhando o movimento da rua. Mensch! Wo warst Du, Mensch! – Hier! Gott sei danke, dass Du endlich da ist. Ficamos um dia em Boa vista. No dia seguinte, dia 03.02.2015, seguimos de carro para Venezuela, apresentamos nossos passaportes às autoridades do país, e fomos bem recebidos. Ao entardecer chegamos ao hotel nas redondezas da cidade de Santa Helena de Uairén. Um belo hotel, Gran Sabana, mas com restaurante e bar fechados, por falta de alimentos e bebidas. Também não servia café da manhã pelos mesmos motivos. Triste. A piscina estava abandonada, mas com água límpida. Nossos quartos eram enormes, bonitos e no térreo. Para jantar foi preciso procurar restaurante chinês, pois os outros não tinham comida, assim nos disseram.
Cedo fomos levados para a heliporto, após passar por filas enormes em frente a postos de gasolina. No helicóptero estavam eu, Herbert, e mais uma pessoa ao lado do piloto. Decolamos cedo, para aproveitar as primeiras horas do dia, por questão de segurança, evitando a formação de nuvens que escondem as montanhas, tornando o sobrevoo muito perigoso. Já nos primeiros segundos se deslumbravam a rica paisagem da cidade, da Gran Sabana com sua mata rala, drenagem irregular, gente caminhando em excursões e longe no horizonte se descortinando as paredes dos platôs, Tafelbergs, do Roraima e assemelhados. Nós vibrávamos e nem dava tempo temer pelos perigos potenciais. O piloto ao ver nossa satisfação e a dedicação a fotografar de todo jeito, tentou enriquecer ainda mais o voo. Herbert vibrava e soltávamos alguns gritinhos de assombro. As manobras se tornaram mais ousadas e perigosas, com o helicóptero entrando em fraturas-vales do Tafelberg, costeando a parede vertical das montanhas e finalmente adentrado ao seu topo todo irregular, com água empossada e despencando nos paredões. E perspicazmente foi procurando local para pousar, tentando dominar o vento que tentava zonzear a máquina. Pousou, descemos com os rotores ligados, que assim ficaram até voltarmos de nossa ronda, uns 40 minutos depois. A temporada foi curta, mas suficiente para se apreciar a paisagem rochosa úmida com plantas minúsculas e lindas, com nevoeiro nos cercando. Retornamos a Boa Vista, de vez em quando com sobrevoos e no dia seguinte fomos ao Tepequém e ainda visitamos pedreiras nos arredores de Boa Vista. Em Manaus nos despedimos no dia 07.02.2015, eu para Belém e ele para São Paulo e Alemanha. Dever cumprido e muitas lembranças maravilhosas.
O Herbert sempre me lembrava que ele gostaria de voltar a mina de cassiterita do Pitinga, em Presidente Figueiredo, que eu tive a oportunidade de conhecê-la ainda em seus primórdios dos anos 1980, quando lá trabalhavam como geólogos a Sra. Maria Adriana Coimbra Horbe e seu marido Marco Antônio Horbe e era chefe da equipe de geólogos, José Tadeu Teixeira, falecido um pouco antes da pandemia Covid-19. Adriana mais tarde se tornara minha mestranda e doutoranda no PPGG da Universidade Federal do Pará, depois ativa professora do curso de geologia da UFAM, depois professora da UnB. Tadeu era empolgado com a geologia e foi assim até pouco antes morrer. Ele tinha um grande apreço por mim e eu por ele. Mas voltemos ao Herbert. Ele e eu cá estivemos em 14 de novembro de 2003, por ocasião de VIII Simpósio de Geologia da Amazônia, como confirma a imagem abaixo, em que ele, Adriana e eu estamos felizes em frente à entrada principal do complexo da Mina do Pitinga. Nessa época a entrada ainda não era tão complicada. Nós participávamos de uma excursão que fazia parte de um evento de geologia em Manaus, e a mina do Pitinga era e ainda é a principal atividade mineral no estado do Amazonas.
Ele sempre me instigava a conhecer ou rever locais do Brasil com importância mineral, com minerais exóticos ou porque eram famosos na geologia internacional. A tudo isso tenho que reconhecer o quão foi importante para mim, para que eu descobrisse mais o Brasil. Ele era um amante do Brasil. Nos últimos anos foi ficando cada vez mais difícil se visitar minas no Brasil. As barreiras foram crescendo exponencialmente e chegar a quem nos pudesse autorizar a entrada se tornava uma luta quase inglória. E para esta visita nossa ao Pitinga as tratativas foram longas e difíceis. Foi preciso recorrer aos ex-alunos meus que trabalhavam no Pitinga e demonstrar a importância do prof. Herbert como expoente mineralogista alemão. Finalmente conseguimos e Herbert chegou para nossa longa viagem. Voamos para Manaus e lá alugamos um veículo e partimos para o Pitinga. Pernoitamos num natural resort, na época sem visitantes, exceto nós dois, às proximidades de Presidente Figueiredo. Era o dia 3.06.2016. Foi difícil lá chegar, tínhamos uma reserva feita pela internet e telefone. Já escurecia dentro da estrada de chão cortando a floresta. Nervosos, pois pensávamos que estávamos perdidos. Mas eis que chegamos à porteira do resort e fomos recebidos por um senhor muito simpático e educado. Nos alojou cada um em uma casa, mas conjugadas. Herbert ficou extasiado. Tínhamos tudo para nós em termos de espaço, mas veio a preocupação, terá comida? Perguntamos, e a resposta foi sim. O mesmo senhor desceu em direção a uma casa restaurante às margens do igarapé parcialmente represado, nos mostrou a geladeira com cerveja e foi preparar uma caldeirada. Sentamo-nos à mesa, apreciamos a paisagem linda e degustamos a cerveja gelada. O jantar foi servido. Estava delicioso. Herbert se refastelou. Foi para nós dois uma noite memorável.
No dia seguinte saímos cedo, atravessamos a reserva indígena, após recebermos a devida autorização com uma barreira à frente. Chegamos então ao controle da entrada da mina. O carro foi estacionado ainda fora, e fomos obrigados a nos vacinar e outras coisas que não me lembro mais, talvez algo sobre segurança. E aí seguimos após chegada do geólogo, que nos levou a casa de hóspedes, onde fomos bem instalados. Em seguida fomos às instalações da geologia e apresentados ao geólogo chefe. Ele fez uma bonita apresentação da geologia, dos raros minerais; tinha grande experiência em minerais de terras raras, tório, ítrio, estanho, nióbio e zircônio. Um festival de minerais exóticos e Herbert e eu nos fantasiávamos. Foram inúmeras fotografias. Fomos então às frentes de lavra de cassiterita, de re-lavagem do bota-fora para cassiterita e zircão, este estocado. Vimos a área de exposição da criolita nos granitos alcalinos e de cassiterita nos saprólitos dessas mesmas rochas. Coletamos amostras expressivas desse raro mineral, a criolita. Tivemos também a oportunidade de visitar as instalações de tratamento físico do minério. Depois fomos conhecer a estrutura moderna e rica da vila Pitinga, naquela época parcialmente desativada com uma parte já abandonada a própria sorte, recebendo visita noturna dos animais silvestres, sendo notável a chegada das onças. Retornamos a Manaus, onde pernoitamos próximo ao aeroporto e no dia seguinte parti para Belém e ele para Alemanha. A visita ao Pitinga foi para ele um outro marco. Um novo momento de descontração, que parecia um grande problema, foi quando descobrimos que nosso carro estava com um dos pneus vazio no momento da partida de retorno a Manaus. Mas eis que uma equipe da Mina logo se propôs cordialmente ao consertá-lo. Excelente. Eu fiquei muito feliz em ter contribuído para que ao final tudo tivesse dado certo. Essas aventuras ele contava orgulhosamente para seus amigos e colaboradores pelos reconcos da Alemanha.
O Herbert há muito tempo sonhava em conhecer os minerais de manganês da Serra do Navio no Estado do Amapá, em que o mais conhecido era a pirolusita, por suas belas drusas em cristais milimétricos a centimétricos. Ele sempre olhava as nossas belas e pequenas amostras de pirolusita procedentes deste famoso depósito, que já estava em fase de exaustão, expostas em nosso museu. Por sinal, eu pessoalmente estive lá pela primeira vez em 1974 como estudante de geologia como estagiário da ICOMI, a empresa que detentora da mina; e depois em 1994 com pesquisadores da UFPA e o seu Reitor. Era a época áurea das minas, mas já neste tempo a ICOMI procurava ampliar as suas reservas, o que me deu a oportunidade de conhecer os seus prospectos na serra do Ipitinga, na margem direita do rio Jari, no estado do Pará.
Mas finalmente chegou a oportunidade para o Herbert. Eu fui incumbido pela Sociedade Brasileira de Geologia Núcleo Norte de organizar o Simpósio de Geologia da Amazônia em 1996. Era o momento de organizar as possíveis excursões geológicas, e uma delas foi por mim dada maior prioridade, o Manganês da Serra do Navio, com o objetivo de atender o sonho do Herbert. O prof. Rômulo Simões Angélica ficou responsável em torná-la realidade. Mas diante das dificuldades de contato e dos custos, declinou. E quase cancelamos a excursão. Herbert soube e ficou triste, passou chamá-lo de Verräter. Tomei a frente a organização e para nossa surpresa a demanda foi boa, a ICOMI deu o apoio e num belo dia de junho de 1996 chegamos a Macapá de avião e pernoitamos na vila da empresa em Santana. No dia seguinte partimos para a Serra do Navio no vagão especial do trem, a litorina, isolado do trem de minérios. Foi uma magnífica viagem até a Serra do Navio. Nesta oportunidade o Herbert trouxe o seu estudante e depois nosso grande amigo e empresário Dr. Jürgen Göske, o Göskini.
Foi uma ótima excursão, em que tivemos noções rápidas sobre a geologia do entorno da mina e dentro da mina. Acessamos a frente de lavra e tivemos a oportunidade de coleta de amostras, o que o Herbert não deixou por menos. Sempre encontrando as mais bonitas e representativas. Mas de fato as jazidas estavam em plena exaustão e praticamente chegamos no ano de fechamento delas. Portanto nossa viagem foi mais do que oportuna. Herbert tinha razão em insistir na visita. Dever cumprido! Na oportunidade ainda vimos amostras de rodocrositas, que foram encontradas já dentro do proto-minério.
Em agosto de 1993 Herbert, Carlos Cassini e Eu fomos tentar conhecer as ocorrências de topázio de Tucumã. Foi uma longa viagem de avião pequeno, que pousou numa pista de Terra na cidadela de Tucumã, que era então mais próspera do que Ourilândia, a não mais do que 8 km desta. Cassini nos aguardava na cidade onde tinha um contato, a pessoa era o ex-prefeito. Nos ofereceu almoço, que aceitamos de bom grado. Ele tinha um jeep caindo aos pedaços, com o qual carinhosamente nos levou para os afloramentos de rochas granitoides com greisens, onde se encontravam os topázios. Em São Félix do Xingu, que não fica distante daqui esses topázios estão associados a greisens mineralizados a wolframita e cassiterita. Bem, estivemos no local de garimpo, mas nada de topázio. Porém a aventura com o jeep foi surreal. Ele não tinha freio, e quando no retorno adentramos a cidade, o prefeito, ao mesmo tempo motorista, gritava, saiam da frente, que estou sem freio. Herbert só fazia rir. E esta foi mais outra aventura que fazia questão de contar para os amigos na Alemanha. Abenteur! Mas em termos de minerais de fato, foi um fiasco.
Herbert ouvira falar ou lera sobre as Três Ilhotas e desde então queria ir lá. Eu também já tinha lido alguma coisa sobre a ocorrência de galena na Amazônia, em especial no Pará, quando se enfatizava aquelas de Alenquer e de Três Ilhotas, a primeira associada com barita e a segunda com quartzo.
Verifiquei que ficava no rio Xingu, às proximidades da cidade de São Félix do Xingu, na época em que fomos, uma frente de avanço da pecuária e de muitos conflitos sociais no campo. Assim, estive em primeiro momento em 16 de outubro de 1991 com equipe da companhia de mineração Canopus. Nesta época trabalhavam nesta região para a referida empresa os geólogos Marco Antônio Horbe e Carlos Augusto Sena, que nos acompanharam até às Três Ilhotas de voadeira pelo rio Xingu desde a sede da empresa rio acima da cidade de São Félix. Um trajeto de uma hora de duração. Fiz vários croquis geológicos, coletamos inúmeras amostras e fotografamos os afloramentos, por sinal muito pequenos.
Comentei com o Herbert e aí o interesse dele aumentou ainda mais. E então empreendemos nossa viagem muito anos depois, já nos anos 2000. Voamos de Belém a São Felix do Xingu em avião Caravan da Sete, se não me engano. O aeroporto estava abandonado, sujo, mas operando. Tomamos um táxi para a cidade e pedi ao motorista que nos levasse a um bom hotel da cidade. Ele disse, pode deixar. O hotel era uma casa comprida, com corredor central e quartos laterais e ao fundo uma grande sala com TV a todo volume com notícias pesadas, a sala do café da manhã. Nosso quarto ficava com porta de entrada/saída direta e de frente para este salão. Tinha duas camas simples encostadas nas duas paredes laterais, que mal comportavam o corpo do Herbert. A entrada (não tinha porta) do banheiro dava direto para o quarto e ao mesmo tempo para porta de entrada do quarto e por conseguinte para o salão; o vaso sanitário, também. Fiquei muito apreensivo com essas condições para o corpo e locomoção do Herbert.
No amanhecer aparecera defunto próximo a porta do Hotel e a sede da Prefeitura, que víramos no dia da chegada pintada de todas as cores imagináveis, fora incendiada. Havia algo de pesado na cidade!
Conseguimos alugar uma voadeira e fomos às Três Ilhotas rapidamente. O rio estava um pouco cheio, mas ainda conseguimos encontrar parte dos afloramentos. Parecia que há muito tempo não passava gente por lá. O mato avançava sobre os rejeitos dos garimpeiros de ouro. Nosso objetivo era a galena e minerais associados. Nos deparamos com a galena, piromorfita e minerais verdes de cobre. Coletamos o que foi possível e trouxemos para Belém e Herbert para Alemanha.
À tarde fomos andar nos arredores da cidade e subimos o morro, e percebemos que estávamos sendo observados a certa distância. Voltamos para o hotel. À noite fomos ao porto para jantar. Herbert queria peixe. Providenciamos uma peixada. Tudo beleza. Na madrugada percebi que Herbert passava mal. Desinteria da braba. De manhã fui a uma farmácia e procurei o remédio que já me era conhecido, mas descontinuado. Mas o encontrei na farmácia local, ele tomou e ficou bonzinho e ainda fez estoque do mesmo para levar a Alemanha.
Fomos ao aeroporto, aquela mesma sujeira, com bastante gente, ao fazer o check-in coloquei minha bolsa preta com máquinas fotográficas sobre o balcão da companhia e a funcionária me perguntou: O senhor está armado? Ao que respondi: a arma que tenho aqui a senhora não vai querer ver! Herbert riu de soslaio e passou a repetir esta história por muitas e muitas vezes na Alemanha. Já voando pra Marabá o passageiro do meu lado me perguntou se eu era jornalista, ao que respondi, não. Ele disse, eu sou o prefeito de São Félix do Xingu, cassado pela câmara de vereadores e estou indo a Belém, para recorrer junto a justiça. E aí entendemos o porquê de tanta violência na cidade. Essa foi nossa saga nesta viagem a São Félix e Três Ilhotas.
Minerais identificados por nós em Três Ilhotas.
Calcopirita | Galena | Esfalerita | Pirita |
Quartzo | Linarita | Plumbogummita | Crisocola |
Malaquita | Azurita | Cerussita | Piromorfita |
Anglesita | Goethita | Lepidocita | Criptomelana |
Bornita | Covellina | Caulinita |
Costa, M.L. & Pöllmann, H, 2017. MINERAIS DE CHUMBO E COBRE DE TRES ILHOTAS, NO RIO XINGU. BOMGEAM, 4(3): 10.31419/ISSN.2594-942X.v42017i3a5MLC.
Pöllmann, H., Costa, M.L., 2017, Sekundäre Blei und Kupferminerale aus dem Oxydationsbereich von Tres Ilhotas, Pará/Brasilien. Der Aufschluss, 69(2): 111-121.
Eu tivera o prazer enorme de participar da descoberta da mina de ouro do Igarapé Bahia no final dos anos 1980 com geólogos da então DOCEGEO. Em 1990 começara a lavra piloto e logo orientei uma mestranda sobre o rejeito desta lavra e um doutorando com a co-orientação do prof. Herbert sobre a origem do minério laterito-gossânico. Nesta época já tínhamos um grande projeto de pesquisa para ouro no Igarapé Bahia com a coordenação do prof. Dr. Cláudio Porto da UFRJ. Herbert esteve conosco e fomos então conhecer a mina que estava em seus primeiros anos de lavra.
E Herbert se interessava ainda mais por Igarapé Bahia e Rômulo Simões Angélica (hoje o professor é pesquisador 1A do CNPq e membro titular da ABC eleito) se encaixou nesta história, ao candidatar-se ao doutorado sanduíche na Alemanha com a orientação do Herbert e minha, sobre o ouro do perfil laterito-gossânico do Igarapé Bahia. E claro, ele tinha que vir impreterivelmente a esta mina.
Mais tarde ele veio acompanhado de seus ilustres ex-alunos, e hoje exponentes profissionais, Jürgen Göske e Uwe König. Era março de 2001, e a mina já estava há dez anos em exploração, e produzira quase 120 toneladas de ouro. Estava chegando ao final de sua vida útil. O pit era quase quilométrico e as exposições em suas bancadas eram maravilhosas, podia-se vislumbrar a geologia imaginada e interpretada, agora exposta nas paredes íngremes da cava, representada na verdade por três segmentos. As pilhas de rejeito se erguiam para o céu, circundadas pela floresta densa, alta, pujante. À noite era visitada por muitos animais silvestres, entre eles a temida onça. Conseguimos inclusive ver pequenas pepitas de ouro em forma de folhas ao longo de zonas com quartzo sacaroidal.
E nos deparamos com belos exemplares de mineral do supergrupo da alunita, La-florencita. Nós festejamos e publicamos mais tarde.
POELLMANN, H.; COSTA, M. L.; ANGÉLICA, R. Florencit-La aus der Goldlagerstaette Igarapé Bahia/Carajas/Brasilien. Aufschluss (Heidelberg), Heidelberg, Alemanha, v. 53, n.1-5, p. 49-56, 2002.
Nossa equipe ainda conseguiu entrar no túnel do corpo sulfetado à base de calcopirita. Herbert fotografava tudo e colheu ainda amostras, mas suava em bicas. Sua roupa estava completamente ensopada de suor.
Em julho de 1998 Herbert, Helmut Höhn e eu fomos a Itaituba, cidade à margem esquerda do rio Tapajós. O objetivo era conhecer as instalações da fábrica de cimento, tendo como matéria-prima principal os calcários da formação Itaituba e o garimpo de diamantes de Painin. Estivemos na fábrica já instalada, porém ainda não funcionando por falta de energia, o famoso linhão ainda não chegara. Fomos à cava, que estava momentaneamente parada, mas que operava em certos períodos para fornecimento de calcário para cidade de Manaus e produção de brita. Nos alojamos em hotel simples, Santa Rita, não dispunha de boa infraestrutura hoteleira naquela época.
Realizamos algumas excursões pelo Nordeste do Pará, e a mais marcante foi às bauxitas de Paragominas, na época de propriedade da Vale, e nos últimos anos da Hydro. Em 2002 em companhia do prof. Rômulo Angélica chegamos a mina de bauxita de Miltônia. Para nossa grande surpresa a rodovia estadual PA-256, que dava acesso ao ramal da mina, estava em profundos melhoramentos, em uma paisagem plana, mas forte com forte relevo de morros e pequenos platôs já a altura dos terrenos bauxíticos, exigiram a execução de cortes profundos nos morros, e com isto permitiu a exposição de excelentes afloramentos mostrando a complexidade das bauxitas e sua cobertura, e abaixo delas, as zonas de caulim. Chegamos no momento exato para observar e registrar esses detalhes em imagens e texto. Inclusive em conjunto com os geólogos da empresa, publicamos um belo artigo sobre as bauxitas de Paragominas com ênfase às exposições únicas da rodovia PA-256 na revista Der Aufschluss: Costa, M.L., Cruz, G.S., Pöllmann, H., Angélica, R.S., Leite, A.A.S., Maurity, C., Gonçalves, D.F., Almeida, K.S. 2013. Die Paragominas Bauxitlagerstätte im Amazonasgebiet (Nord-Brasilien, Bundesstaat Pará). Der Aufschluss, 64 (Jan/Fev): 33-43.
Está exposto na pedreira hoje conhecida mais como Pedreira de Tracuateua, mas já teve vários nomes, como Santa Mônica. É a melhor exposição de rochas granítica próxima à Belém. E no ano 2000 levamos o Herbert até lá. Acompanharam-nos Uwe König e Rômulo, e mais um que não me lembro. A pedreira estava bonita, com belas paredes com rochas graníticas a gnáissicas e migmatícas, com veios pegmatoides com grandes cristais de microclíneo rosa e quartzo hialino. Procuramos pelos berilos e turmalinas negras, que de vez em quando surgiam por lá. No fundo da cava tinha um pouco de mato e água empossada. Para nossa surpresa e preocupação, subitamente. os marimbondos atacaram o pobre Uwe König, que saltitava sem rumos sobre os fragmentos perigosos de granito, tentando escapar das ferradas dos marimbondos. Conseguiu resistir bem, não deixaram sequelas fortes.
Em seguida fomos apresentar ao Herbert os fosfatos de alumínio contidos em veios de quartzo nos sericita xistos de Santa Luzia, difíceis de serem observados, pois essas rochas já se encontravam muito intemperizadas. Nos arredores de Santa Luzia é possível ainda encontrar veios mais possantes de quartzo leitoso com formações esferolíticas de candallita, além wavellita e variscita. Essas ocorrências de fosfatos foram tema de dissertação de mestrado do prof. Nilson Pinto de Oliveira e da tese de Marcondes Lima da costa e ainda de trabalho de Iniciação Cientifica de Rômulo Simões Angélica.
Como parte de minhas pesquisas iniciadas em 1976 dentro de projeto apoiado pelo programa Trópico Úmido do CNPQ e coordenado pelo caro prof. Manoel Gabriel Siqueira Guerreiro, quando era aluno de mestrado do atual PPGG, me enveredei pelas ocorrências de fosfatos de alumínio do Nordeste do Pará e do Noroeste do Maranhão, tidos como de origem de guanos, orgânicos. Nossas pesquisas avançaram e concluíram que são fosfatos de alumínio lateríticos. E partir disso foi possível descobrir novas ocorrências e depósitos (Jandiá, Itacupim, Peito de Moça, Serra do Piriá, Cansa Perna, Tralhoto, Pedra Grande do Gurupi). Foi com esses fosfatos que nasceu a minha relação mineralógica com Herbert, quando insisti com ele em descrever os minerais A e B de minha dissertação de mestrado, que descobrimos mais tarde, tratarem do recém descritos senegalita e kingsmoutita, respectivamente. Voltados da Alemanha, Eu e Walmeire A. de Melo Costa, fomos ao campo em 1984 e descobrimos mais duas ocorrências, Sapucaia e Boa Vista, dentro do município de Bonito, no Nordeste do Pará. Esses depósitos foram avaliados por empresa de mineração, e em 2015 Sapucaia se tornou uma mina de fosfatos, produzindo termo-fosfatos de alumínio, a primeira do Brasil e a segunda do mundo. Com o avanço das explorações minerais, a Phosfaz, detentora da mina, adquirida recentemente pela Viso-Fertilizantes, descobriu mais quatro depósitos entre Bonito e Ourém: Serrote, Serrotinho, Tracué e Caeté. Herbert que acompanhava a tudo, veio a Belém em julho de 2010, e aproveitamos para conhecer os trabalhos avançados de pesquisa mineral em Sapucaia. Ficou encantado com os trabalhos e com a paisagem. Fomos recebidos pelo meu mestrando Alessandro Sabá Leite,hoje doutorando, que estava muito orgulhoso em nos receber, e nós muito felizes com o orgulho dele. Acompanhou-nos ainda a minha companheira Edna Cabral Trindade. Era 10.07.2010.
COSTA, MARCONDES LIMA; LEITE, ALESSANDRO; KADEN, R.; PÖLLMANN, HERBERT; BOTELHO, N. F.; SANTOS, D.C. A FLUOR-POOR WAVELLITE IN PHOSPHATE-RICH IRON CRUSTS IN AMAZON. Boletim do Museu de Geociências BOMGEAM, v. 7, p. 1-14, 2020.
COSTA, MARCONDES L.; LEITE, A. S.; POELLMANN, H. . A laterite-hosted APS deposit in the Amazon region, Brazil: the physical-chemical regime and environment of formation. Journal of Geochemical Exploration, v. 170, p. 107-124, 2016.
Em setembro de 1997 a equipe de professores dos Abteilungen Mineralogie/Geochemie e Lagerstätekunden do Institut für Geowissenschaften da Universidade de Halle-Wittenberg, em Halle an der Saale, organizaram uma complexa excursão à Península de Kola, na porção noroeste da Rússia, próxima à fronteira com a Finlândia e ao norte do círculo polar ártico, tendo como cidade de entrada Murmansk, banhada pela baía de Kola, a 12 km do mar de Barents, com inverno extremamente severo e longo, quando fica congelado. Chegar a Murmansk foi facilitado por via aérea (ATR-72) através da Finnair, com pernoite em Helsinque, era o dia 5 de setembro de 1997 e chegamos no dia 6.9.1997. Viajamos no trecho Halle-Berlim de trem e daí de avião. A viagem de retorno foi o último voo da empresa naquele ano, por conta do inverno que se aproximava. Retornamos para Frankfurt em 20.09.1997. Nosso voo de ida tinha dois grupos de passageiros: German Group e American Group. Eu e Herbert, obviamente, pertencíamos ao German Group, que tinha como principal objetivo os depósitos e minas minerais associados às rochas alcalinas, enquanto o American, ia pescar no Ártico. O controle no aeroporto foi duro e demorado: 3 horas sem água e comida, e ainda proibidos de fazer qualquer fotografia. Tinha alguns triques.
Herbert era um dos mentores da excursão e foi o meu patrono. Foi uma excursão dura pelo clima, embora ainda fosse outono, já muito frio, sem calefação ligada em lugar nenhum; também pela falta de banho, pelo ambiente russo, pela pobreza em alimentos. Nosso transporte era um caminhão vestido de ônibus, muito frio e desconfortável. Mas estávamos muito animados pela diversidade mineral, e que me lembrava do meu tempo de estudante de geologia, pois meus professores se referiam muito a esta península por sua riqueza e diversidade mineral ligada a complexos alcalinos, como o complexo Lovozero, Khibina. Depois com minhas viagens a Jacupiranga, Lajes e Itacupim, Maicuru, etc, eu já tinha uma visão melhor desses complexos alcalinos-ultramáficos a carbonatítitcos. E chamava muito atenção a riqueza em fosfatos tipo apatita, que deu origem a cidade Apatity, a 185 km de Murmansk. Apatity conta com um rico museu de minerais. Herbert ficou fantasiado. Depois fomos a região do mar Branco e ilhas Krivoi, com muitos ursos. Tínhamos apenas um problema, os russos não deixavam a gente coletar amostras facilmente. Tinha uma burocracia grande. Em parte, conseguimos. Controle rigoroso. Trouxemos pouca coisa. Minerais novos não poderiam ser publicados sem a autorização do Estado País. Mas só o fato de poder conhecer terrenos tão ricos e inóspitos para nós ocidentais, valeu a pena.
Eu e Herbert, foram os únicos participantes que chegaram de mala samsonite, os demais de mochilas. Parecíamos dois estranhos. Não tínhamos barracas e os russos nos doaram uma, que parecia do tempo da guerra. Nem fundo tinha, e a lona é dura e pesada. Foi montada sobre chão pedregoso coberto de musgos e arbustos centimétricos, típicos da tundra. Herbert e eu utilizamos nossas samsonites para tentar corrigir as irregularidades pedregosas do terreno e tentar dormir. Fogueiras amenizaram o frio e espantaram os mosquitos de longas pernas, daí o termo pernilongos (?).
Escovar os dentes em poças d´água congelada era uma aventura a mais. Comer, aí os alemães arranjavam algo melhor com dólar em recintos específicos e o Herbert me repassava. Pão preto com patê francês e vodca, essa tinha à vontade. O frio nos maltratou em muitos momentos, e Herbert tirava muito sarro comigo: Ó Deus! O que eu fiz para merecer tão dura situação! Isso era dito em alemão.
Para amenizar ou melhorar a ração a gente coletava cogumelos na tundra, que à tardezinha em acampamentos improvizados na tundra, eram tratados, cortados, cozidos e acompanhados por batata, pão, patê e vodca. Muitos fumavam. Nós dois, não.
Talvez o mais frustrante tenha sido não poder trazer tantas amostras e grandes amostras, como costumava fazer o Herbert, pelos problemas levantados antes e pelo fato de que toda a viagem de entrada e saída da Rússia foi por aeronave de pequeno porte. Mesmo assim trouxemos algumas pequenas. As minhas estão perdidas nas estantes da Baía do Sol no seringal Andiroba Forest. Certamente, sem o Herbert, eu não teria chegado a este local tão extremo e emblemático para mim. Valeu, Herbert. Muito obrigado, mais uma vez.
Alguns minerais que nos foram apresentados como descritos pela primeira vez no complexo alcalino de Kola, porém na literatura alguns deles foram descritos em regiões próximas:
Vimos a maioria deles, que em parte foram coletados como pequenas amostras, quase micromounts.
A excursão à Romênia foi uma iniciativa do Herbert e do seu grande colaborador, Dr. Jürgen Göske, que depois se tornou o Diretor-Executivo da ZWL em Lauf. Fui convidado e não poderia perder esta rara oportunidade de ir a então países da cortina de ferro, da antiga União Soviética, em particular à região da Transilvânia, com passado de influência alemã. Recém libertada do jugo da União Soviética, com muitos depósitos minerais sulfetados, mas que infelizmente, por falta de investimento por muitos anos, se transformaram diante da visão Ocidental, em minas em ruínas. Mas o que nos atraía era a grande diversidade de minerais, muitos deles descritos pela primeira na Romênia, como mostra a tabela abaixo, subtraída do Bericht zur Exkursion Romänien 2000, elaborado por Jürgen Gösken (Herbert e eu o chamava de Göskini, uma combinação de Göske com Cassini, que era o meu grande colaborador no Brasil, e que partiu cedo deste mundo). São sulfetos, antimonietos, teluretos, etc, minerais raros, além da rodocrosita, MnCO3, um mineral belo, e não tão raro, bem como a tremolita, pseudobrooquita,
A equipe principal partiu de Halle no dia 23.09.2000 e nos encontramos em Nürnberg e seguimos de ônibus até Cluj Napoca aonde chegamos em 24.09.2000, depois de atravessar a Hungria. Voltamos dia 7.10 e chegamos em Halle em 8.10.2000. Toda a viagem foi feita em ônibus confortável. Dentro da Romênia rodamos em ônibus razoável da empresa NO PROBLEM, com motorista faz-tudo, simpático, Sr. Valentin, que ouvia músicas latinas, muitas delas brasileiras. O geólogo e professor nosso guia foi Marcel Benea da Universidade Cluj Napoca.
As atividades (Chronologischer Ablauf dere Excursion und Aufschlussbeschreibung) que desenvolvemos ao longo de toda longa excursão, que foram muitas e ricas, estão apresentadas de forma simplificada logo a seguir, contida no Bericht mencionado anteriormente.
Vou evitar descrever a excursão como um todo pois foge do objetivo deste tópico, mas apenas mencionar alguns momentos interessantes envolvendo o Herbert e eu, e claro os demais colegas em alguns momentos. Em Baia Mare visitamos a mina de manganês e tivemos acessos a população local vendendo amostras de minerais. As que mais me atrairams foram as de rodocrosita. Em certo momento uma linda garota se apresentou com uma amostra de uns 12 cm de comprimento deste mineral. Fiquei fantasiado, e me pediu pouco dinheiro, e resolvi duplicar o valor. Ela correu em direção, provavelmente sua mãe, gritando de felicidade. Fiquei igualmente muito feliz. Fui recriminado, pois estava inflacionando o mercado. Herbert também concordou. – Mac, gut gemacht!
Mas talvez mais interessante foi quando chegamos, acredito que em Baia Mare, pouco importa, mas fomos recebidos por um colecionador e vendedor de minerais, que nos levou a um local, que parecia ser parte de sua casa. Ele mostrou uma ampla sala com estantes simples de madeira, repleta de amostras de minerais, em tamanho gigante, coisas entre 20 e 40 cm de tamanho, lindas, raras, envolvendo sulfetos, carbonatos, entre outros. Eu disse para mim, – não posso comprar, mas posso levar imagens delas. Herbert fora o primeiro a adentrar ao espaço. Eu disse vou buscar minha câmera no ônibus. Demorei um pouco e quando retornei praticamente não tinha mais nenhuma amostra nas prateleiras, Herbert tinha comprado tudo e já estava empacotado. Perdi e ele riu: Pech gehabt, Mac.
Um outro mineral que me chamou muito atenção, e descrito pela primeira vez na Romênia, foi a pseudobrokita, FeTiO5, que me lembrou muito da sua ocorrência em Seis Lagos no Estado do Amazonas, associada às crostas lateríticas ferruginosas mineralizadas em nióbio, identificada apenas por DRX. Aqui na Romênia formava massas centimétricas de cor marrom clara, microcristalina. Coletei vários pedacinhos, que estão na Baía do Sol. Herbert trouxe quase 1 kg.
Em maio de 1995 fui a Austrália para participar do International Symposium on Geochemical Exploration na cidade de Townsville, a nordeste da Austrália, organizado pela AEG (Association of Exploration Geochemists). Era a primeira vez que ia tão longe e sem fazer muita ideia do que visitava, apenas muita imaginação por conta das leituras de trabalhos científicos na temática exploração mineral e sobre depósitos minerais, em que a Austrália era um destaque internacional. Mas primeiro participaria de uma excursão sobre depósitos minerais lateríticos na Western Australia, e a porta de entrada era Perth. Bela cidade, que eu nunca imaginara. A excursão foi rica tanto em aspectos geológicos quanto em paisagem exótica e camaradagem internacional. De lá voei para Brisbane e então Townsville. Hoje em dia fico pensando como eu tinha coragem de fazer essas longas viagens. Do hotel de Townsville fui caminhando pela longa avenida até o centro de convenções onde seria realizado o simpósio on Geochemical Exploration. E que o Herbert tem a ver com tudo isto? Pois é! Estava eu caminhando nesta avenida, que me parecia sem fim, quando de longe avisto um vulto, e tomei um susto, era o Herbert caminhando em minha direção. Foi um encontro inesquecível. Was machst Du denn hier Mensch! Eu não sabia que ele também viera para o Simpósio. Foi uma festa.
Em março de 1997, por ocasião do Congresso de Geoquímica dos Países de Língua Portuguesa, realizado em Braga, Portugal, tive a grata satisfação de me encontrar com a família Pöllmann, era a primeira vez que o via o Peter, ainda com menos de um ano de idade. Herbert e Marília estavam felicíssimos. Uma gentileza das maiores, foram me buscar no aeroporto de Porto. Fiquei muito lisonjeado mesmo. Braga é uma cidade linda, plena de jardins e espaços públicos para o deleite da população e dos visitantes. A Universidade do Minho também muito linda.
Em setembro de 2014 fui para Johannesburg, na África do Sul, para participar no IMA 2014, o principal evento da INTERNACIONAL MINERALOGICAL ASSOCIATION, da qual participa a Deustsche Mineralogishce Gesellschaft: Herbert era sócio da mesma. Herbert sempre que podia, se fazia presente, em geral como eminente convidado, face a sua larga experiência no desenvolvimento da ciência e tecnologia de cimento, que cultivava desde os seus primórdios como aluno do prof. Dr. Kuzel, em Erlangen. Uma das importantes comissões IMA é a Commission on New Minerals and Mineral Names, que atualmente é presidida por seu eminente ex-aluno, Thomas Witzke, que já descreveu vários minerais novos, e que também foi imortalizado com um mineral novo em sua homenagem, witzkeite, Na4K4Ca(NO3)2(SO4)4 · 2H2O.
Nós apresentamos em conjunto 4 painéis, acessíveis em http://mineralogy-ima.org/docs/IMA_Meetings/Johannesburg_2014.pdf:
Conversamos muito durante o evento, encontramos outros colegas seus ex-alunos (Uwe König, Thomas Witzke, Stöber, Rogers) e ainda os professores Dr. Johan De Villiers da Universidade de Pretória e o Dr. Hubert Röser da UFOP, em Ouro Preto, Brasil.Com alguns deles jantamos juntos. Eu aproveitei e participei de várias excursões de um dia mineralógicas e de depósitos minerais nos arredores de Johannesburg.
Eu acho que conheci a revista AUFSCHLUSS, da associação Vereinigung der Freunden der Mineralogie und Geologie – VFMG, através do Herbert. Ele era sócio e colecionador da revista desde a sua juventude e sempre publicava nela. Gostei dela pelas histórias publicadas, muito interessantes e despretensiosas, por gente profissional ou não, simplesmente por hobby, amantes da mineralogia, geologia e paleontologia. As imagens em geral eram de alta qualidade, e os autores de jovens a senhores e senhoras de muitas idades e larga experiência de vida. Também me associei e o Herbert foi o meu intermediário até a sua morte. Fiquei devendo a ele os últimos anos, por conta da COVID-19, pois não mais nos encontramos nos últimos três anos.
Nos anos 1990 pensei, já com as ferramentas da internet, criar algo similar ao AUFSCHLUSS, denominado de BOMGEAM – Boletim do Museu de Geociências da Amazônia. Era muita pretensão. Ensaiei, saiu o primeiro número em 1995 e outro em 1996, mas não encontrou eco e ficou no esquecimento. Somente em 2015 retomei a tarefa. Falei ao Herbert e ele me incentivou e prometeu contribuir com artigos. Saíram alguns, certamente. Eu esperava mais, porém ele eram muito ocupado. Mas, mesmo com muitas dificuldades e descrença, desde então o BOMGEAM é publicado periodicamente, sem descontinuidade portanto, com corpo editorial e de revisores. Em 2022 saiu do Qualis C da CAPES para B 4. Foi um bom reconhecimento a um periódico que não tem grandes pretensões científicas. Infelizmente Herbert não mais está entre nós para apreciar esse momento.
Em 2018 ele me deu a ideia de publicar o Mineral do Ano, como no Aufschluss, Mineral des Jahres, que naquele ano era a magnetita (seguiram-se malaquita, fluorita e calcita, e então topázio, no ano de sua morte). Achei fantástico, mas passei batido. Acho que vale a pena implementar algo assim, mas para evitar problemas de propriedade intelectual e autoral, vou propor que seja MINERAL DO ANO NO BRASIL. Acredito que podemos solicitar aos autores do magnífico livro MINERAIS E PEDRAS PRECIOSAS DO BRASIL (2010), Carlos Cornejo e Andrea Bartorelli.
E por tudo isso, decidimos publicar um número especial do BOMGEAM dedicado ao inesquecível professor Dr. Dr. Herbert Pöllmann, por mim carinhosamente chamado de HERBERTÃO, ao que ele me retribuía com MAC.
Poderia ter escrito muito mais, mas ficaria, com certeza, enfadonho. Foi um longo aprendizado com um jovem simples, inteligente, despojado e admirador dos minerais e da família, e que deu muito de si para a formações de muitos profissionais bem-sucedidos por este mundo.