04 – VIAGEM PITORESCA-CIENTÍFICA AO RIO-LAGO TAPAJÓS

Ano 06 (2019) – Número 01 Artigos

 10.31419/ISSN.2594-942X.v62019i1a4MESX

 

 

Milson Edmar da Silva Xavier

Grupo de Mineralogia e Geoquímica Aplicada – Autônomo, milsonest@gmail.com

 

ABSTRACT

The journey through the Tapajós river-lake was first developed by river, between the points of waterfront Santarém, near Alter do Chão, and others in the city of Aveiro, in the locality also known as Fordlândia, passing through the headquarters of Aveiro, where black soil sample was collected. The other route of the trip was by land, through the BR-163 (Santarém-Cuiabá) to the center of the municipality of Belterra and extending to the place known as Aramanaí. The vegetation, lithology, shape and material of the cliffs and beaches of the Tapajos river-lake were observed on both the right bank and the left bank, upstream and downstream of the river. Aspects described in the 19th century, in the same passage, in Henry Walter Bates’ work “The naturalist on the Amazon River”, related to fauna, flora, anthropology and geology of the region, were observed.

Keywords: Santarém, Fordlândia, Urucurituba, Belterra, Amazon River.

 

RESUMO

A viagem ao rio-lago Tapajós foi desenvolvida primeiramente pelo rio, entre os pontos da orla de Santarém, próximo a Alter do Chão, e outros na cidade de Aveiro, na localidade também conhecida como Fordlândia, passando pela sede de Aveiro, onde amostras de solo tipo terra preta foram coletadas. A outra rota da viagem foi por terra, saindo de Santarém pela BR-163 (Santarém-Cuiabá) até o centro do município de Belterra e se estendendo até o local conhecido como Aramanaí. A vegetação, a litologia, a forma e o material das falésias e praias do rio-lago Tapajós foram observados tanto na margem direita como na margem esquerda, a montante e a jusante do rio. Foram observados aspectos descritos no século XIX, na mesma região, por Henry Walter Bates em sua obra “O naturalista no rio Amazonas”, relacionado à fauna, flora, antropologia e geologia da região.

Palavras-chave: Santarém, Fordlândia, Urucurituba, Belterra, rio Amazonas.

 

INTRODUÇÃO

O século XIX, no Brasil, foi marcado por inúmeras viagens de cunho naturalista. As Ciências Naturais foram objeto de estudos de grandes naturalistas como Carl Friedrich Philipp von Martius, Johann Baptist von Spix, Henry Walter Bates, Alfred Russel Wallace, Charles Darwin, e outros. Esse espírito aventureiro e desbravador, mas científico, desses autores, revelou e catalogou espécies da fauna e flora até então desconhecidos. E não pararam por aí. Descreveram a cultura, que se revela em hábitos, atitudes, costumes, maneiras e comportamentos das populações visitadas, fazendo elogios e criticando quando necessário. Enfrentaram dificuldades com alimentação, moradia, transporte e doenças da região, em nome das Ciências Naturais.

Comungando com esse espírito, o GMGA – Grupo de Mineralogia e Geoquímica Aplicada organizou uma viagem pitoresca-científica ao rio-lago Tapajós com o objetivo de trilhar por caminhos que o naturalista Henry Walter Bates percorreu subindo o Tapajós, a partir de Santarém. A viagem foi realizada no período de 13 a 21.10.2018 por integrantes do grupo e convidados.

A viagem teve início na cidade de Belém, onde seus integrantes embarcaram em voo comercial noturno do dia 13.10.2018, véspera da grande festa do Círio de Nazaré, para a cidade de Santarém. Lá chegando, foram para o pernoite no barco Gênesis II, para já iniciar os trabalhos na manhã seguinte.

Como metodologia de trabalho, ao final de cada dia, antes ou depois do jantar no barco, era realizada a reunião dirigida pelo coordenador dos trabalhos, Prof. Dr. Marcondes Lima da Costa, para discutir as observações dos locais visitados e planejar as ações do dia seguinte em cartaz, em papel cartolina (figura 1), que era afixada na parede ao lado da escada. Muitas das afirmações aqui descritas foram frutos dessas explanações e discussões orientadas pelo coordenador.

 

Figura 1 – Cartaz do dia 16.10.18 elaborado na noite do dia 15.

 

Este cartaz era afixado em área visível do barco para acompanhamento do planejamento e possíveis registros científicos posteriores, caso necessário, o que sempre ocorria, inclusive com o registro dos aspectos pitorescos a cargo da Profa. Dra Rosemery da Silva Nascimento.

As localidades percorridas se situavam nos municípios de Santarém, Belterra e Aveiro, às margens do Tapajós. Partiu-se de Santarém, pela margem direita, até a localidade de Fordlândia, município de Aveiro e retornando a Santarém pela margem esquerda (figura 2).

 

Figura 2 – Área de trabalho partindo de Santarém até Fordlândia. Fonte: Modificado do Google Maps.

 

O DIA-A-DIA

Dia 14.10.2018

Após o café da manhã no próprio barco, a equipe liderada pelo Prof. Dr. Marcondes Lima da Costa(UFPa-Belém) iniciou seus trabalhos tendo como base de estudo a obra “O Naturalista no rio Amazonas” de Henry Walter Bates, além de outras referências bibliográficas recomendadas.

Na saída do porto da cidade de Santarém já se depara com a estrutura portuária que atende ao intenso trânsito de barcaças carregadas de grãos(soja). Este trânsito se estende ao longo do rio Tapajós (figura 3).

 

Figura 3 -Detalhe da estrutura portuária(A) e barcaças carregadas de grãos(B).

 

Ao avistar os primeiros “penhascos”, termo usado por Bates (1944) para descrever as terras altas que constituem um prolongamento dos tabuleiros do Brasil Central, que margeiam o Tapajós, foi solicitado ao piloto da embarcação que ancorasse na praia para a primeira parada. Esse procedimento se repetiu ao longo de toda a viagem.

Na praia foram observados os diferentes tipos de seixos, em sua maioria de quartzo leitoso e outros, em menor quantidade, de quartzo quase hialinos, além de fragmentos de rochas do penhasco e conchas. Nesse afloramento observou-se fragmentos e blocos de rochas de um perfil laterítico característico com crostas ferro-aluminosas tipo bauxita e in situ – o pálido, que corresponde à base do perfil.

A vegetação sobre o penhasco e na região de praia é constituída de árvores de pequeno porte, tipo savana, sendo presente em todo área visitada. Nelas encontra-se uma estrutura constituída de esponjas formadas por sílica opalina, denominada de “cauixi”, presentes em caules ou raízes de árvores expostas às oscilações do nível de água (figura 4). As esponjas poríferos ou espongiários são animais aquáticos, encontrados tanto em ambientes marinhos quanto de água doce (Lima, 2018). Esses organismos tipo cauixi foram empregados pelo homem pré-histórico da Amazônia para melhorar a plasticidade do barro ou argila empregado para confecção de utensílios e objetos cerâmicos(Brasil,2009). É indicador também do teor de sílica na água do rio. A primeira indagação vem no sentido de se verificar se essa estrutura persiste ao longo da viagem.

 

Figura 4 – Cauixi presente nos troncos de árvores. (A) visão geral e (B) detalhe das esponjas de sílica opalina.

 

Outra estrutura observada no ponto se assemelha à teia de aranha, mas que posteriormente, em outro ponto de parada, fora descrito e explicado pelo coordenador como proveniente de gramíneas com tubos de crescimento na base fixadas em rochas ou qualquer material(tijolo) como o encontrado em área de preservação ambiental do segundo dia(figura 5).

 

Figura 5 – Gramínea em água(A) e depois seca e exposta ao sol, sobre o tijolo(B).

 

Foram ainda observados na praia alguns blocos de arenito do material do penhasco com estratificação cruzada e outros blocos com testemunhos de bauxita(Figura 6).

 

Figura 6 – Blocos de rochas soltos na praia, sendo ambos originários do penhasco. Em (A) com estratificação cruzada e (B) testemunhos de bauxita.

 

Na parte da tarde a caminhada foi dedicada a escalar o morro em frente a vila de Alter do Chão. O morro em questão, conhecido como Serra Piroca, apresenta altitude de 157 metros e é uma forma isolada do planalto da região. O percurso inicia em cima de solo arenoso da praia e após algumas centenas de metros surge a bauxita nodular (figura 7-A), continuando até o topo do morro com intercalações de bauxita deferruginizada (figura 7-B). Segundo Oliveira & Larizzatti (2002) a ferruginização se dá na evolução intempérica com o processo de formação da couraça ferruginosa e a deferruginização é a transformação dessa couraça em latossolos.

 

Figura 7 – Bauxita nodular(A) e deferruginizada(B) encontradas ao longo da subida ao morro Serra Piroca.

 

Do topo avista-se a vila de Alter do Chão e suas belas praias (figura 8).

 

Figura 8 – Vista do topo do morro. Ao fundo a vila de Alter do Chão.

 

Após a descida do morro a equipe se dirigiu para a vila de Alter do Chão a fim de abastecer o barco com suas guloseimas.

 

Dia 15.10.2018

Conforme planejado, a viagem do segundo dia teria como destino a área de conservação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O ICMBio é o órgão gestor da UC – Unidade de Conservação Floresta Nacional do Tapajós, que tem como objetivo o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para a exploração sustentável de florestas nativas (Brasil, 2000).

Na descida do barco na praia já se observa a persistência das estruturas do cauixi e da gramínea descritas anteriormente. Além delas, observa-se ainda acúmulo de água em tom amarronzado com iridescência (figura 9), fruto da presença de oxi-hidróxidos de ferro amorfos dispersos na água, segundo comunicação verbal do Profº Marcondes em campo. Comumente este fenômeno é confundido com uma “mistura” de água e óleo em que este último se mantém na superfície.

 

Figura 9 – Água da praia com iridescência.

 

Após as observações na praia, caminhamos em direção a área de conservação para contratação do guia que levará o grupo através de percurso previamente acertado e pago a um preço de R$-10,00 por pessoa. Na entrada da área de conservação existe pequeno “out door” ou placa indicativa com as opções de percurso (figura 10-A). No detalhe da placa, percebe-se a indicação do trajeto através da posição de imensas árvores que servem para a orientação do guia e dos transeuntes (figura 10-B).

 

Figura 10 – Placa na entrada da trilha(A) e detalhe do trajeto com posicionamento das árvores de orientação na trilha(B).

 

O trajeto inicia com a passagem por um bosque de seringueiras (figura 11-A) em que a técnica empregada é objeto de crítica, pois o manejo do corte não fora realizado com a delicadeza que a boa produção exige. Segundo Botelho (2016) o procedimento de sangria consiste no corte do painel com auxílio da faca de sangria em uma faixa de 1,5 mm de largura. A boa técnica envolve a conjugação da faca, do corte e da sangria do látex, de modo que a produção perdure por muitos anos. Extrair a seiva da árvore requer habilidade e conhecimento para que ela não fique ferida e comprometida para novas sangrias. Esse cuidado não fora observado pelos seringueiros que exploraram as árvores desse bosque (figura 11-B). Ou, serve apenas para “inglês ver”.

 

Figura 11 – Vista do bosque do início da trilha(A) e detalhe do corte na seringueira além de 1,5mm(B).

 

Além do aspecto pitoresco de conhecer e andar por trilha da área de conservação do ICMBio, buscou-se o registro do solo tipo “terra preta arqueológica – TPA”, também conhecido como “terra preta de índio – TPI”. São solos escuros e férteis que se apresentam como importante recurso agricutável na produção de alimentos em ambientes tropicais(Brasil,2009). É um tipo de solo escuro, fértil e antropogênico encontrado na área em estudo. A tentativa de se achar esse tipo de solo neste ponto não foi muito promissora, pois encontrou-se apenas um solo menos escuro, tipo “terra mulata” na localidade Maguari. A solo terra preta foi encontrado no dia seguinte na cidade de Aveiro.

Outro aspecto bastante observado ao longo da caminhada foi a ação das formigas interagindo com os vegetais e com os sedimentos. Observa-se a distribuição do material trazido pelas formigas à superfície quando da remoção do material interno pelo canal de transporte (figura 12-A). Tem-se também no caminho que leva ao canal das formigas uma estreita e longa faixa sem as folhas que a circundam, demonstrando a ação devastadora dessas formigas (figura 12-B).

 

Figura 12 – Distribuição do material ao redor do canal de formigas(A) e faixa devastadora da ação delas(B).

 

No retorno para a casa do guia da trilha, observamos as condições primitivas de moradia, relembrando o modo indígena de sobrevivência (figura 13, A e B), apesar de algumas características de civilidade como a energia elétrica.

 

Figura 13 – Cestaria como técnica de manufatura(A) e banheiro precário(B). A impressãoque se tem é de que a televisão não ajuda na educação ambiental e do lar.

 

Ao final do dia, sempre após um delicioso banho nas águas do Tapajós, a viagem segue até um local seguro para ancoragem e dormida. O local escolhido para este dia foi Tauari.

 

Dia 16.10.2018

Continuam as estruturas tipo cauixi presentes na vegetação da localidade, indicando ainda a menor dinâmica do fluxo de água. Presentes também blocos de arenito ferruginizado (reportado como ferruginoso pela literatura) e arenito avermelhado. No arenito ferruginizado encontram-se estruturas de estratificação cruzada (figura 14) do tipo hummocky e acanalada.

 

Figura 14 – Estruturas sedimentares presentes. Em “A“ estrutura hummocky e seu respectivo modelo deposicional de fácies(C). Fonte: www.teses.usp.br/teses/disponíveis e em “B” estrutura acanalada e seu respectivo modelo deposicional de fácies(D). Fonte: www.edisciplinas.usp.br/mod/.

 

Após essa coleta de informações na praia de Tauari, a viagem segue para a cidade de Aveiro. No desembarque o viajante já se depara com um conglomerado polimítico com diversos seixos dos “penhascos” (figura 15-A) descritos por Bates (1944). Nesse conglomerado encontram-se seixos com cimento de opala (figura 15-B). Um detalhe importante a observar é o fato do cimento de opala grudar na língua. Seixos de cataporito, de calcedônia e seixos facetados também estão compondo esse conglomerado.

 

Figura 15 – Conglomerado na falésia em frente Aveiro(A) e detalhe dos seixos nele encontrados(B).

 

Na cidade de Aveiro também foram obtidos, com trado específico, dois testemunhos de terra preta (figura 16). Foram definidos os perfis de solo A, AB, BA em que os 20 cm iniciais são terra preta. Em outros locais esse material pode variar até um metro de espessura, segundo BRASIL (2013).

 

Figura 16 – Amostragem em terreno em busca do solo tipo terra preta e trado utilizado durante a viagem.

 

Segundo Brasil (2009) a terra preta é um solo antrópico formado pela pedogênese tropical a partir do acúmulo de lixo vegetal e animal, além de restos de cozinha e material de enterramento(cemitério). A idade desse material corresponde, em sua maioria, há 2.000 anos. Mas os mais antigos são de 6.000 anos. É um solo típico de zona tropical, com exceção do Acre. Neste solo é muito comum a presença de fragmentos de cerâmica deixados pela ação humana. Através desses furos em Aveiro não foram encontrados os fragmentos de cerâmica. Maiores detalhes estão na descrição do dia seguinte. Aqui cabe um parêntese a respeito dessa referência bibliográfica citada. A Embrapa Amazônia Ocidental, órgão do então Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, reuniu em um livro, referenciado aqui como “Brasil (2009)” a contribuição de um grupo de pesquisadores, nacionais e internacionais, conhecido como Grupo Terra Preta Nova. Vale conferir.

Confirmou-se a presença de formigas no solo da cidade de Aveiro que foram descritas por Bates (1944).

Pela caminhada nas ruas da cidade, mais precisamente na Trav. Getúlio Vargas, em um amontoado de material de construção (brita), foi coletada uma amostra de riolito. Isto leva a crer que a fonte desse material não deve estar muito longe, pois o custo com transporte elevado pela distância inviabiliza economicamente essa operação.

Não foram observados os cauixis encontrados nas paradas anteriores. Isto demonstra maior dinâmica no fluxo de água nesse trecho do rio.

Em conversa com moradores do local, constatamos que a cidade é servida por uma única linha de transporte fluvial que faz o trajeto entre as cidades de Itaituba e Santarém. São dois horários, sendo um pela manhã e outro pela parte da tarde. Portanto, os moradores têm duas oportunidades de horário para o seu deslocamento até essas cidades de início e fim de linha (Itaituba-Santarém / Santarém-Itaituba).

A outra opção de transporte é por via aérea, mas restrita aos poucos que dispõem de recursos financeiros para tanto. Mas essa opção está limitada ao Aeroporto de Itaituba que dista 103 km de Aveiro.

A vida na cidade é caracterizada pelo modo pacato de se viver, contando com um banco particular e uma agência lotérica. A economia gira em torno da agropecuária e serviços administrativos. Entre os órgãos governamentais estão o prédio da prefeitura, câmara municipal, agência da Adepará, dos Correios e alguns prédios para as secretarias municipais como saúde, educação (escolas), mineração e meio ambiente. Além desses, outros prédios como religiosos (igrejas cristãs) e do sindicato dos servidores públicos do município foram observados. As unidades do logradouro público como praça, monumentos, banheiros públicos estão precisando de reformas e limpeza (figura 17).

 

Figura 17 – Unidades do logradouro público em frente ao porto de acesso à cidade de Aveiro.

 

O trabalho na cidade foi realizado sob a observação dos transeuntes, mas sem indagação sobre o objetivo das atividades. Isto pode ter ocorrido face uma das participantes do grupo estar vestida com a blusa do curso de oceanografia.

Na saída de Aveiro o barco encostou em uma área de praia pouco habitada. Uma única casa, dentro de uma pequena fazenda com atividade agropecuária, é habitada por um casal que se mostrou muito preocupado com a presença de voçoroca com anfiteatro acima (figura 18). A iminente possibilidade de soterramento de sua casa nessas condições deixa os moradores, Sr. Hidelbrando e esposa, em constante estado de alerta.

 

Figura 18 – Fazenda do casal Hildebrando: “A” – Anfiteatro e “B” – voçoroca.

 

O material dessa encosta é predominantemente do conglomerado citado em outros pontos, inclusive com seixos cimentados com opala e facetados. A altitude desse morro varia em torno de 70 metros.

 

17.10.2018

Visita à localidade de Fordlândia, município de Aveiro. Primeira parada no galpão que se subentende tenha sido o local de recebimento do produto para exportação. Após seguiu-se para as escadarias da igreja do Sagrado Coração de Jesus e seus vitrais laterais, uma vez que o prédio estava fechado. Observou-se os primeiros hidrantes na praça que antecede a igreja. Eles também foram vistos ao longo de todo o percurso, inclusive em áreas mais distantes do centro como a vila operária. Na vila operária registrou-se o inusitado: algumas casas recebem a água para o seu abastecimento através de ligações clandestinas desses hidrantes. Depois caminhamos para o galpão que teria sido a área da serraria (figura 19-A) e casa de força (figura 19-B). Na entrada desse primeiro galpão foi encontrado um monte de terra preta trabalhado pelos funcionários da obra de pavimentação da localidade cujo canteiro de obra é neste espaço (figura 19-C). Nesse material foram encontrados vestígios de cerâmica, característico do solo terra preta de índio, descrito no dia anterior (figura 19-D).

 

Figura 19 – Galpão da serraria(A); Galpão da casa de força(B); Terra Preta em material de construção(C); Pedaços de cerâmica encontrados na terra preta(D).

 

Caminhando pelo galpão, observamos máquinas abandonadas e deterioradas pelo tempo sem a devida manutenção (figura 20-C). Além das máquinas, observamos a mesma deterioração das estruturas do prédio, em que, há mais de 10 anos, foram armazenadas sementes de andiroba no piso de madeira, levando ao seu apodrecimento (figura 20-A). Ainda foram encontradas pequenas peças de reposição como conexões, parafusos, ferrolhos, armazenadas em caixas de madeira com identificação “Standard Oil Company of Brazil“ (figura 20-B e 20-D). Certamente a utilização original dessas caixas não é o armazenamento de pequenas peças. Essa denominação é a da empresa multinacional ESSO que distribuía, na época, gasolina e querosene, vendidos em tambores e latas.

 

Figura 20 – “A” Sementes de andiroba sobre o piso de madeira; “B” e “D” Caixa de madeira com as inscrições “STANDARD OIL COMPANY OF BRAZIL” e “C”- Máquinas sem manutenção.

 

É de conhecimento público que o empreendimento fora abandonado pelos americanos e o governo federal, via Ministério da Agricultura(MA), ficara com a incumbência de dar outro destino ao patrimônio deixado pelos americanos. Isto fora comprovado com a placa de tombamento do MA em uma das máquinas encontradas (figura 21-A).

Saindo pelos fundos do primeiro galpão, encontramos um segundo de menor área em que consta um gerador de energia via caldeira à lenha, conhecida como Casa de Forças (figura 21-B). Além desses maquinários do então empreendimento, encontramos outros como veículos sucateados de tempos atuais e diversos equipamentos do antigo Hospital Henry Ford, sucumbido pelo incêndio de 2006(figura 21-C). Entre esses equipamentos, encontra-se uma incubadora Modelo 009-SS (figura 21-D). O piso desses galpões é constituído por ladrilho 15 x15cm de cor vermelha, liso, e uma pequena área, coberto com ladrilho decorado de dimensões 20 x 20 cm. O ladrilho liso também fora encontrado no piso das casas da Vila Americana e na piscina do Hotel Zebu, que à época era a casa mais luxuosa.

 

Figura 21 – Máquina com placa patrimonial(A); gerador de energia da casa de forças(B); Material da sala de cirurgia do antigo Hospital(C); incubadora do antigo hospital(D).

 

Depois desse galpão, a equipe se dirigiu para a área da caixa d’água que se encontrava em reforma. Essa reforma estava na fase de revestimento da cisterna, mas com as bombas em pleno funcionamento, apesar de utilização de apenas um filtro (figura 22-A). O operador que se encontrava no local informou que o sistema estava com vazamentos e precisava manter as bombas funcionando constantemente. Observamos na localidade a redução do abastecimento de água a alguns horários estabelecidos através de informativos, principalmente na Escola Estadual de Ensino Fundamental Princesa Izabel. Nesta escola foram encontradas peças de ferro, conhecidas como raspa pé, colocadas na entrada da escola com o objetivo de fazer os alunos e servidores a limparem seus sapatos antes de adentrarem no estabelecimento (figura 22-B). A utilização desse recurso é muito oportuna durante o inverno, uma vez que as ruas da localidade não eram e nem são ainda pavimentadas.

 

Figura 22 – Cisterna em manutenção com os filtros ao fundo(A) e instrumento raspa pé (B).

 

O vazamento na rede hidráulica pode ser proveniente da circulação de veículos pesados que hoje circulam nas vias sem pavimentação. Essa foi a conclusão a que se chegou na reunião de trabalho, sempre realizada à noite, antes ou depois do jantar. A rede de distribuição de água, em alguns pontos da localidade, aparece aflorando nas encostas que circundam a rua (figura 23-A).

Em seguida, começamos a caminhada em direção à Vila Americana. No caminho foi encontrado vestígio de evaporito (figura 23-B) podendo do ser atribuído à Formação Nova Olinda ou Itaituba, do Grupo Tapajós da Bacia do Amazonas, além de basalto Penatecaua. No caminho de volta deparou-se com registro de gipsita em área de acúmulo de material de construção, portanto fora de sua área fonte.

 

Figura 23 – Tubulação aparente nas ruas(A) e amostra de evaporito encontrado(B).

 

A visita interna às casas da vila foi realizada na primeira casa à esquerda, na entrada da vila (figura 24-A), uma vez que seu atual morador permitiu, de imediato, nossa entrada. É uma casa que apresenta melhor aparência, apesar de deteriorada também. Muitos componentes como portas, pisos e janelas são originais. O piso da sala (figura 24-B), as portas e janelas são de madeira extraída da própria região durante a instalação do empreendimento. O piso do banheiro e cozinha são de ladrilho vermelho com dimensões 15 x 15cm (figura 24-C). Esses mesmos pisos são encontrados nos galpões já referidos acima. Alguns interruptores antigos são encontrados juntamente com os modernos. As louças do banheiro permanecem as mesmas desde a instalação (figura 24-D), inclusive a banheira e seus registros de acionamento são os mesmos, apesar de hoje estar sendo usada apenas como área interna do chuveiro.

Outras casas estão com áreas acrescidas como extensão da cozinha e, outras ainda, com instalação de aparelhos de ar condicionado tipo janela.

 

Figura 24 – Entrada da Vila Americana(A); Piso de madeira da sala(B); Piso em ladrilho na cozinha e no banheiro(C) e Lavatório(D).

 

A vila é resumida em uma única rua com poucas casas atualmente habitadas, apesar de muito tempo abandonadas. Na última casa à direita funcionou um hotel que hoje está completamente abandonado (figura 25-A), inclusive com a placa de “Zebu Hotel”. Era uma das melhores casas, pois tinha piscina (figura 25-D) e parque recreativo para crianças. No seu telhado, como nas demais, foi utilizada telha confeccionada em Belém (figura 25-B). A casa está fechada e aparenta ser utilizada como depósito de material de construção, inclusive telhas. Do lado de fora encontrou-se uma plantadeira manual utilizada para inserção de sementes no solo (figura 25-C).

 

Figura 25 – Zebu Hotel(A); Telha fabricada em Belém(B); Plantadeira(C) e Piscina abandonada(D).

 

Na Vila Americana também está presente o conglomerado com cimento de opala, do mesmo jeito que anteriormente. Ou seja, em Aveiro, na fazenda do Sr Hidelbrando e outros pontos já citados.

 

18.10.2018

Localidade Urucurituba, município de Aveiro. Existe no estado do Amazonas um município com o mesmo nome da localidade Urucurituba.

Em Fordlândia, através de conversas com os moradores, tomou-se conhecimento da existência de um casarão antigo, do tempo da escravidão, na margem oposta do Tapajós.

Na praia em frente ao casarão encontramos diabásio introdido no arenito silicificado, possivelmente do Devoniano, com registro de glaciação.

Subindo a praia em direção à comunidade depara-se com uma ruína de igreja, possivelmente de São Pedro (figura 26-B), junto a uma escola, em frente à igreja nova do mesmo santo (figura 26-C). Observa-se a utilização de energia fotovoltaica em poucas casas da localidade (figura 26-A). A maioria ainda espera pela ação do Governo Federal quanto aos programas de “LUZ NO CAMPO” ou “LUZ PARA TODOS”, o que revelam programas de cunho puramente eleitoreiro.

Continuando no caminho em busca do casarão, fomos informados tratar-se do casarão do Sr. Luiz Franco. Encontramos vestígio de produção pecuária atual, na entrada e dentro da propriedade. A imponência do prédio, hoje residencial, revela outras finalidades no passado. Em conversa com a única pessoa lá existente, obtivemos a informação de que no local havia um engenho em uma das ruínas que orbitam o casarão (figura 26-D). Segundo a mesma fonte, a outra área em ruína seria destinada a festas. Possivelmente não seria essa a finalidade do local.

 

Figura 26 – Casa com energia fotovoltaica(A); ruina da antiga igreja(B); Igreja de São Pedro(C) e Ruina do engenho antigo(D).

 

Através de uma fotografia no interior do casarão (figura 27-A) em que traz uma página do jornal Gazeta do Tapajós (figura 27-B), tivemos acesso a uma reportagem sobre as histórias contadas pelo proprietário sobre a origem da localidade de Urucurituba. Diz o informativo que o Sr. Alberto José da Silva Franco, português, fundou a localidade em 1836 quando perseguido pelo movimento da Cabanagem. Seu neto, o Sr. Luiz Franco, conta que a escolha do local se deu por acaso. Como seu avô era proprietário de regatão, barco com mercadoria à venda, precisava de um local para fazer um “tarugo”- casa de índio. Em sua viagem, aonde um peixe pulasse na embarcação seria o local escolhido. Isso se deu em 1836 e em 1851 começou a construção do casarão. Na época da reportagem do jornal, entre 1974 e 1975, a atividade desenvolvida na fazenda era de lavoura, plantio de cacau, fumo e feijão., além da pecuária. Antes da Primeira Guerra Mundial a atividade principal era a borracha. Com a guerra, o preço do produto caiu e sendo uma casa aviadora dos seringueiros, não teve como continuar com a atividade. Mudou então para a produção de cacau, fumo e feijão. Seu pai o Sr. Diogo José da Silva Franco, conseguiu o Título de Legitimação das terras em 1927. Indagado pelo repórter sobre a adversidade com Magalhães Barata, afirmou que era admirador do intendente até o momento em que ele mandara tocar fogo nas casas da Prainha, em frente a Urucurituba, a fim de servir à implantação de Fordlândia.

 

Figura 27 – Vista do Casarão(A) e Jornal Gazeta do Tapajós utilizado como fonte dessas informações(B).

 

Ao sair de Urucurituba fez-se uma parada na margem esquerda do rio Tapajós, depois do almoço, próximo à localidade de Cametá.

Afloramento constituído de dois paredões intermediados por um vale. O primeiro com mais ou menos 15 metros de altura e outro de 25 a 30 metros. Neles são observados um arenito com estratificação cruzada na base do pacote e outro arenito maciço e caulinítico no topo. É perfeitamente visível o contato abrupto entre esses dois arenitos, indicando a mudança de ambiente de deposição. Eles estão descritos na sequência da formação Alter do Chão. Esses pacotes de arenito podem dar origem a bauxita.

Possivelmente esses dois arenitos estejam sobre o conglomerado cimentado de opala vistos na fazenda do Sr Hidelbrando, em Aveiro e em outros pontos. Apesar desse afloramento já estar no início do lago Tapajós, ou seja, na parte em que o rio começa a perder força devido o afogamento provocado pelo rio Amazonas, não foi observada a presença de cauixi.

É grande a incidência de registros antropogênicos nesses arenitos, indicando a utilização da rocha para polimento e amolação de ferramentas e adornos por tribos indígenas (figura 28).

Em certos momentos tem-se a sensação de que os sulcos na rocha sejam provenientes da ação dos vegetais (galhos e raízes).

 

Figura 28 – Registros antropogênicos no arenito maciço. Imagens: cortesia da mestranda Rayara Silva-PPGG-UFPA.

 

Não é tão fácil concordar, de imediato, sobre essa ação antropogênica face à similaridade entre alguns galhos de árvores e esses sulcos na rocha, mas a literatura é ampla nesse sentido. Silva (2000) faz referência a esses sulcos ou marcas onde denomina de bacia de polimento (figura 29), também chamada de “Mayra enewa”, e os amoladores de gapypapera, pelos Asurini do Xingu.

 

Figura 29 – Oficina lítica(A); Técnica atual de amolação(B).

 

19.10.2018

Localidade Boim – Município de Santarém

A dormida do dia 18 para o dia 19 foi em uma praia perto da comunidade Boim, pertencente ao município de Santarém. Na ponta de duas enseadas encontra-se um arenito ferruginizado com material ocre (possivelmente goethita). Os seixos encontrados na praia deram origem às peças líticas lascadas encontradas em abundância no local (figura 30). São seixos, alguns facetados, e peças líticas variando desde quartzo leitoso a quase hialinos.

 

Figura 30 – Detalhe das peças líticas encontradas junto aos seixos.

 

Essas peças líticas apresentam características de manipulação humana. Ou seja, os seixos rolados encontrados na praia foram matéria prima para construção de ferramentas e utensílios do homem pré-histórico. O estudo da organização do trabalho, em que a diferença entre tarefa e atividade é abordada, torna-se fundamental para clarear e confirmar diversos aspectos como a intencionalidade, a necessidade prática, a aplicabilidade, a cognição na elaboração do artefato, disponibilidade de matéria prima, proximidade de rios, afloramentos rochosos, presença de seixos, entre outros.

Mais próximo da localidade Boim existe um igarapé. A equipe foi levada, através de lancha, até ele na manhã seguinte. Na área do igarapé observam-se as pequenas dunas avançando sobre ele e sobre a folhagem abundante no local. Este acúmulo de folhagem na atualidade (rico em enxofre) sendo recoberto ao longo do tempo geológico, pode originar pirita ou outros compostos de enxofre. A partir deste ponto, volta-se a encontrar o cauixi, pois a viagem é de retorno ao rio Amazonas e essa ocorrência confirma a zona média a baixa do Tapajós em termos de dinâmica de fluxo d’água.

No caminho do igarapé até a comunidade Boim, por uma estrada sem pavimentação, encontram-se muitas frutas, dentre elas: manga, ata, cítricas diversas e principalmente caju. O interessante é que nem as castanhas do fruto são aproveitadas pelos moradores. Testemunhamos, nesse trajeto, a proprietária de um pequeno comércio mais preocupada com o preenchimento de um carnê, de alguma associação, e o envio desses recibos para os associados, que o atendimento de seus clientes. Perto dali encontra-se um local construído exatamente para essa finalidade de reuniões constantes e debates político-partidários (figura 31).

 

Figura 31 – Espaços para reuniões na estrada sem pavimentação.

 

Chegando na localidade de Boim, à espera da embarcação, a equipe foi informada da existência de um colégio interditado pelo Corpo de Bombeiros.

Era o Grupo Escolar Municipal de Boim, construído e inaugurado em 1971 em dois pavimentos, com algumas salas de aula nos fundos, de construção mais recente, completamente abandonado (figura 32). Não foi verificada nenhuma ocorrência como rachaduras ou abalos na estrutura do prédio. No teto encontra-se uma estrutura similar a um cogumelo placoso, mas que não seria caso de interdição ou embargo. O estranho é que na capital, em Belém, existem prédios antigos, alguns somente com a fachada em pé, mas que são tombados e “preservados” pelos órgãos competentes.

 

Figura 32 – Grupo Escolar Municipal de Boim(A) e seu anexo nos fundos(B).

 

No final dos trabalhos, a equipe retornou para Santarém, a fim de pernoitar e seguir pela manhã para o município de Belterra.

 

20.10.2018

Município de Belterra

Antes da viagem para Belterra, estava programada a viagem em frente a cidade de Santarém a fim de visitar a área do encontro das águas do Tapajós com o Amazonas. Este foi o último percurso com o barco Gênesis II (figura 33).

 

Figura 33 – Encontro das águas do Tapajós com o rio Amazonas(A) e Barco Gênesis II com a tripulação e equipe da viagem(B).

 

Belterra foi o único local a ser visitado por acesso terrestre. A visita fora um pouco prejudicada devido ser realizada no dia de sábado, devido os locais de visitação estarem fechados como o Centro de Memória de Belterra e a Maloquinha para turistas, o que parece contraditório para museus. Entretanto, foi possível visitar outras áreas importantes. Observou-se que na avenida central ainda existem casas da época do projeto da borracha em condições de habitabilidade e melhores que as encontradas em Fordlândia. As de Belterra, por serem mais recentes (depois de 1934) e sua proximidade com Santarém, era de se esperar as melhores condições. Os prédios administrativos do projeto da Cia. Ford Industrial do Brasil, em Belterra, estão sendo utilizados por secretarias municipais. O antigo Hospital Henry Ford desapareceu devido um incêndio de grandes proporções ocorrido em 2006(Brasil,2018). Em seu lugar está sendo construído um museu de ciências, que talvez não funcione aos sábados (figura 34).

 

Figura 34 – Área do Museu de Ciências em construção. Prédio da Prefeitura Municipal de Belterra.

 

Os prédios da Escola Henry Ford e da Creche Edsel Ford, construídos em 1939, ainda são habitáveis, mas com mudança de nome e reformas realizadas, assim como a caixa d’água trazida dos EUA em 1934 e as igrejas cristãs construídas em madeira (figura 35). O prédio conhecido como “Casa das Seringueiras” abriga a Prefeitura Municipal de Belterra. Da mesma forma que em Fordlândia, as casas em Belterra eram ocupados segundo a hierarquia na administração: Casa Um, a Vila Americana, a Vila Mensalista e a Vila Operária. A Casa Um estava destinada ao Henry Ford, quando aqui viesse. As demais destinadas aos funcionários do primeiro, segundo e terceiro escalão, respectivamente Vila Americana, Vila Mensalista e Vila Operária.

 

Figura 35 – Igreja Católica e Igreja Batista em lados opostos da praça.

 

O projeto em Belterra teve suas particularidades. Ao contrário de Fordlândia, em Belterra não se vê os grandes galpões faraônicos de lá. Faraônicos no sentido de grandiosidade e beleza e não no sentido pejorativo de inutilidade. Lá as construções que abrigaram o refeitório, a casa de força e a fábrica eram instalações espaçosas e de estrutura de ferro (figura 36-A). Em Belterra eram mais modestas e de madeira (figura 36-B). Outra peculiaridade foi com relação ao emprego de mão de obra. Em Fordlândia, a massa trabalhadora, recrutada entre os ribeirinhos da região, não se adaptou, e não poderia, ao controle rígido do processo e da disciplina imposto pela administração fordista. Em Belterra, a massa operária foi recrutada entre nordestinos fugidos das grandes secas, a fim de minimizar os embates entre capital x trabalho.

 

Figura 36 – Prédios construídos em Fordlândia(A) e Belterra(B).

 

Considerando o início do plantio em Belterra em 1934, já no período de 1938 a 1940 ela se torna uma das maiores produtoras de seringa do mundo. A decadência advém da conjugação de outros fatores como outros produtores no sudeste asiático, o surgimento da borracha sintética, doença nos seringais (“Mal das Folhas”) e final da 2ª Guerra Mundial(Brasil,2018).

A partir do abandono do sonho fordista, Belterra passa para o domínio brasileiro, sob jurisdição do Ministério da Agricultura(MA), que transforma o empreendimento no Estabelecimento Rural do Tapajós-ERT, pertencente ao município de Santarém. Somente em 1997 Belterra consegue sua emancipação de Santarém, elegendo seu primeiro prefeito municipal e sua câmara de vereadores(Brasil,2018).

Ao sair do centro de Belterra em direção à praia de Aramanaí, na BR 163 – Santarém-Cuiabá, encontra-se afloramento da argila de Belterra (figura 37-A). Neste ponto há construção de uma estrada vicinal sobre o piso formado por essa argila (figura 37-B). Como material para a obra tem-se carradas de material bauxítico (figura 37-C), inclusive analisado macroscopicamente observa-se fina camada de óxidos e hidróxidos de ferro em forma de filme (figura 37-D) que, microscopicamente, revela-se como cristais. A finalidade do emprego desse material sobre a argila, advém da necessidade de aumentar a aderência dos pneus dos veículos, pois em condições chuvosas sobre a argila de Belterra, o tráfego nos aclives e declives, existentes nessa rodovia, seria muito perigoso.

Não foi possível ver a procedência desse material, mas pelas características e necessidade da obra, não deve estar muito distante do trecho utilizado, até porque grandes distâncias inviabilizariam a empreitada.

 

Figura 37 – Afloramento da argila de Belterra(A); Estrada vicinal em construção(B); Bauxita como material de construção (C) e amostra de bauxita com filme de ferro(D).

 

Outro aspecto a ser observado é sobre a relação de posicionamento entre a argila e a bauxita. Na praia de Aramanaí, o penhasco ou falésia dista uns 300 metros da linha de praia. Na falésia pode-se observar a bauxita sendo sobreposta pela argila de Belterra. Essa grande distância entre o penhasco e a linha de praia pode ser um indicador do assoreamento do Tapajós, em processo de transformação em lago, inclusive com a presença de cauixi na vegetação.

Entre o penhasco (figura 38-A) e a praia existe um pequeno igarapé de águas transparentes bastante utilizado pelos frequentadores da praia e dos restaurantes em volta(figura.38-B). O efeito dessa ocupação é a produção de muito lixo.

 

Figura 38 – Vista do penhasco, ao fundo(A), e do igarapé com vestígios de ocupação humana atual(B).

 

CONCLUSÕES

A viagem pitoresca-científica ao rio-lago Tapajós foi, para mim, mais pitoresca que científica, apesar do forte cunho científico adotado pelo coordenador e os demais cientistas da equipe (geólogos, oceanógrafo, químico e agrônomo).

O pitoresco é mais no sentido de poder associar as visitas aos locais deslumbrantes, épicos, desconhecidos, agradáveis e desafiadores, com os segredos, armadilhas e processos existentes e ocorridos na região. É analisar os registros do passado para entender o presente e, da mesma forma, tomar conhecimento dos processos atuais para respaldar teses de reconstrução do passado.

Tomar conhecimento da existência de estruturas do tipo “cauixi” é entrar no mais íntimo da natureza que revela a perfeita sinergia entre os materiais solúveis na água com os vegetais do entorno. No mesmo sentido, a estrutura vegetal que, exposta ao sol, fica similar a uma teia de aranha originada de vegetação rasteira que convive com as águas do lago.

Trilhar por caminhos guiado por moradores do local que ainda conservam traços e comportamentos indígenas, mesmo a equipe tendo noção de orientação espacial e suprido por equipamentos que facilitem esse trabalho, é no mínimo educador e conscientizador. Ver a habilidade do “primitivo”, enquanto caminha, confeccionando suas cestarias (bolsas, abanos, cachimbo, entre outros) com as folhas de árvores nativas é desafiador para os “civilizados”, mas sem chance, e ainda, revela que ele não precisa de produtos R$1,99 para sobrevivência, apesar da existência de um balde de plástico “made in China” no banheiro de sua casa. A globalização adentrou nas entranhas da Amazônia.

Revisar conceitos em geologia e associá-los às ciências agronômicas e à química é de uma satisfação e de aprendizado imensos, principalmente quando se tem pesquisadores (doutores, doutorandos e mestrandos) com linha de pesquisa visando essa interação, como foi o caso da equipe formada para a realização desta viagem.

Conhecer e procurar entender a situação econômica atual e a de tempos passados com relação a projetos industriais na Amazônia como a indústria Ford em Aveiro (Fordlândia) e Belterra, tem um sentido não só histórico como também revelador das causas do sucesso ou insucesso desses empreendimentos.

Conviver por sete dias em embarcação, com três tripulantes da região e nove integrantes da equipe, é uma oportunidade de testar valores culturais e limites de personalidade, com relação a ambiência, qualidade da dormida, alimentação e bem-estar. A viagem também possibilitou esse exercício.

Reconhecer e visualizar as paisagens, objetos, fauna e flora dos relatos de naturalistas que visitaram a região em séculos passados é de um significado não só científico, como emocional, principalmente para mim que teve o pai nascido no último ano do século XIX.

Por todas essas emoções e sentimentos, fico no aguardo de várias outras viagens pitoresco-científicas.

 

Agradecimentos

O agradecimento é um sentimento humano que transcende a etiqueta social. Ambos são deveres, mas o agradecimento deve vir cercado de sensibilidade para externar essa emoção. É o que se faz neste tópico para agradecer ao coordenador dos trabalhos, Prof. Marcondes Lima da Costa, e a instituição a que pertence(IG/UFPA), pelo convite, a convivência ao longo dos dias da viagem e, fundamentalmente, pelas verdadeiras aulas em atividade de campo. Agradeço ainda aos demais membros da equipe pela convivência agradável e cheia de aprendizado. Também não poderia deixar de externar esse sentimento de gratidão os três tripulantes da embarcação que tinham nossas vidas em seus afazeres.

 

REFERÊNCIAS

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Brasil. 2018. Centro de Memória de Belterra. Disponível em http://memoriabelterra. blogspot. com/. Acesso em 26.10.2018.

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Oliveira, S.M.B; Larizzatti, J.H. 2002. Mobilidade dos ETR durante os processos de agradação e degradação de couraça ferruginosa na bacia do rio Tapajós. Ver. Geochimica Brasiliensis 16(2): 179-190.2002. Disponível em www.ppegeo.igc.usp.br/index.php/ geobras/article/download/10243/9552. Acesso em 28.03.2019.

Silva, F.A. 2000. As tecnologias e seus significados. Um estudo da cerâmica dos Asurini do Xingu e da cestaria dos Kaiapó-Xikrin sob uma perspectiva etnoarqueológica. FFCH-USP. São Paulo. Disponível em www.teses.usp.br/teses. Acesso em 26.10.2018.

 

 

 10.31419/ISSN.2594-942X.v62019i1a4MESX