04 – RELEMBRANDO A VIAGEM PITORESCA PELO SERTÃO

Ano 11 (2024) - Número 1 - Pitoresca pelo Sertão Artigos

10.31419/ISSN.2594-942X.v112024i1a4RMK

 

Rubens Müller Kautzmann

Agência Nacional de Mineração – ANM-RS, Porto Alegre, rubens.kautzmann@anm.gov.br, rubensmk.engminas@gmail.com

 

Em novembro de 2023 tive o prazer de compor o grupo da viagem Pitoresca pelo Sertão. Éramos cinco participantes com um itinerário cuidadosamente planejada pelo líder, Geol. Milson Xavier, que conseguimos respeitar com alguns ajustes.

Na verdade, a Pitoresca nos levou durante uma semana por muitos Sertões Nordestinos. Cada Sertão, revelou seu relevo, geologia, natureza, cidade e história, e nos permitiu, por onde passamos, absorver algo, inclusive de seus habitantes, aqueles que nos atenderam e serviram com gentileza e sorriso, nos hotéis, restaurantes e em toda parte, sobretudo nos locais de visita em cada Sertão: minas, áreas de pesquisa, museus e locais históricos e turísticos; fomos brindados com a receptividade dos profissionais: professores, técnicos, monitores e garimpeiros, que nos privilegiaram com sua sabedoria e conhecimento.

Partimos de Fortaleza, que dispensa apresentações, e já nos limites dessa região metropolitana fizemos uma viajem no tempo e na história da produção comercial de cera de carnaúba, ao antigo Centro de Investigação Raposo, onde o empresário visionário H.F. Johnson Jr., das Indústrias Johnson, criou em 1930 o projeto de estudo da planta e da produção de óleo de carnaúba. Hoje, a área do projeto de Johnson retoma sua vocação como centro de pesquisa e estudos da UFC-Universidade Federal do Ceará.

Em direção ao Sertão e à Serra do Baturité encontramos um Sertão Verde, com o clima ameno, que apesar da estiagem de 2023 ainda conservava persistentes cursos de água em seus rios e riachos. Nesse Sertão a geologia está parcialmente escondida sobre a cobertura da vegetação nativa e de cultivos, vez em quando revelada nos cortes de estrada. Em um destes cortes, a cor branca denuncia a ocorrência de caulim em meio a rochas granitoides da Serra. A Serra do Baturité é uma região tradicional no cultivo dos cafezais, o que nos levou a procurar um lugar pitoresco para tomar um café. Saímos então da rodovia em busca de algum restaurante ou local turístico e chegamos a um portão aberto, com uma placa dizendo, cão feroz. Entramos, e encontramos um simpático casal, ele francês, que nos convidou a apreciar linda vista do vale que sua propriedade permitia. O café? Não o encontramos.

É um Sertão de tranquilidade, de cenários bucólicos, cidades aconchegantes e monumentos do Nordeste Antigo em meio a montanhas como o Mosteiro dos Jesuítas em Baturité, hoje um local para encontros e meditação (ainda sendo preparado para sua nova função de hospedagem e museu). Do mosteiro se vislumbra Baturité, onde sua antiga estação de trem está sendo restaurada (Museu Ferroviário de Baturité) e quiçá ainda venha a dar movimento a simpática Maria Fumaça para levar os turistas por suas paragens.

Deixando a Serra nos deparamos com o emblemático Sertão Seco da Caatinga. Para um visitante do Sul temperado é angustiante imaginar a vida do sertanejo, mas é fácil compreender a garra daqueles que ali vivem. Nosso carro desliza sobre o liso asfalto enquanto assistimos passar um cenário contínuo: ocre, espinhoso, luminoso, de um calor não sentido, com um céu azul, e visão da beleza cênica da caatinga.

Nosso cenário fica mais belo ainda, à medida que nos aproximamos de Quixadá, quando monólitos de rocha surgem entre a caatinga, mostrando suas várias formas intrigantes à imaginação do passageiro; um elefante, uma galinha? Rachel de Queiroz em seu livro O Quinze, traz a seguinte passagem: “as grandes pedras de Quixadá que se destacavam abruptamente sobre a vastidão arranhenta da caatinga, erguendo, céu acima, as enormes escarpas de granito. A luz lhes dava gradações estranhas, desde o cinzento metálico, e um azul da cor do céu, e outro azul de violeta pálido, até ao negro do lodo que escorria entre grandes listas, sumindo-se nas anfractuosidades, chamalotando as ásperas paredes a pique”.

Quixadá é única. Observando o mapa da geografia física do Ceará (IBGE, 2024) está localizada na borda das primeiras terras altas em direção à Serra do Calqui (oeste) e a Serra de Baturité (norte) demarcada pelos monólitos gigantes que mudam de cor ao longo do dia, e na cidade afloram menores entre ruas e praças.

Quixadá são os monólitos, mas também é beber uma cerveja vendo o pôr do sol no bar sobre um monólito no Açude do Cedro, e visitar a Fazenda Não Me Deixes, onde Rachel de Queiroz acolhia seus amigos. Lá, visitamos o espaço íntimo de Raquel de Queiroz, e sentados sob o alpendre da segunda casa, proseamos com aqueles que com ela conviveram.

Na terra de Rachel de Queiroz há muito mais, mas vale o registro do pitoresco micro sebo de livros, que o viajante encontra no Hotel Monólitos, onde nos hospedamos. O valor de venda e compra de cada obra é R$ 0,00. Garanto, encontrarás algo interessante.

Quixadá foi também o portal para o mundo da mineração aos sertões nordestinos. No Distrito de Vargem da Onça (Quixadá) encontramos a mineração primitiva, a margem da regra, onde apenas o dono da terra recebe o tributo do trabalho dos pedreiros. Seria uma herança viva dos coronéis do passado? Ou é a omissão do Estado. As pedreiras de gnaisse brilham ao sol em meio a caatinga, e hábeis pedreiros trabalham a rocha, guiados pelas fraturas tabulares e outros detalhes, que só eles veem, produzindo toda espécie de pedras de talhe.

Da mineração, a evoluir e civilizar-se, fomos ao encontro da mineração e da pesquisa mineral que prosperam e promovem o Nordeste. Começamos pelo manganês na localidade de Serragem, município de Ocara. Não havíamos agendada a visita com a empresa que lá minera, mas tentamos a sorte. Certamente, fomos barrados na portaria. Então, o que fazer? Pois, garimpar amostras de minério caídas das caçambas que transportam rocha negra que suja as mãos. Nisso, saia para almoçar, o responsável pela mina e pesquisa, o Geol. Rafael. Ao saber das nossas intensões, não pensou duas vezes e nos convidou a conhecer uma unidade de mineração paralisada (sem restrições de acesso), alertando para a existência de barreiras feitas na estrada por razões de litigio de propriedade. Eram três barreiras de galhos e paus da vegetação espinhenta da caatinga. Foram transpostas a pé, o que me permitiu conhecer a agressividade daquela vegetação. Bastava passar muito próximo dos afiadíssimos espinhos, para que, sem sentir, uma pele tênue de um habitante da cidade seja riscada de vermelho. Sol a pino, calor, espinhos, mas o prêmio, uma linda cava de mina de manganês, para revelar sua pequena história na história da terra, e contar ao geólogo por onde prosseguir sua pesquisa.

Já estamos na quarta feira, fazendo um “V” no nosso transect, saindo do Sertão em direção à Aracati. Lá conhecemos o incrível e pitoresco acervo das diversas memórias do Amigo Milson e aproveitamos para passear pelas fazendas de camarão, em áreas de mangue, no que sobrou das dunas da praia de Canoa Quebrada, onde estão cravados gigantes moinhos de vento, e nas ruinas recentes de um portentoso empreendimento de cassino que não se criou.

Descarregada em Aracati parte das amostras minerais coletadas, retornamos à jornada aos sertões do Rio Grande do Norte com sua geologia diversa, a muito explotada e gerando riquezas. Passando pelos campos de petróleo da Fazenda Belém, denunciadas pelos cavalos de pau que sugam o óleo da rocha, fizemos nossa base em Currais Novos para conhecer à mineração de scheelita e de ouro, e fechamos essa etapa dos sertões, com chave de ouro, em Parelhas onde percorremos o eficiente processo de beneficiamento de minerais industriais.

A tradicional mineração de scheelita está de parabéns pelo resgate à história dessa mineração e de seu criador Tomaz Salustino, que se confunde à própria história de Currais Novos. Ali o viajante turista encontra talvez a única galeria de mineração para visitação dentro de uma mina em atividade, sem contar seu belo museu de minerais. Chama a atenção também a forma de organização do trabalho de lavra subterrânea de scheelita, onde os operários são denominados garimpeiros, e de fato o são, pois distribuídos pelos nove níveis de galerias, cabe a eles o desenvolvimento da mina e a decisão da continuidade ou não da lavra.

Também no Sertão de Currais Novos, uma mina de ouro, prestes a iniciar sua operação, desafia as condições naturais (escassez de água) e das obras de infraestrutura existentes: rodovias e linhas de transmissão, que cortam a jazida. Como aliados a tais desafios a mineração conta com seu corpo de técnicos para o estudo e realização de projetos de engenharia sustentável.

Da mineira e festiva Currais Novos, onde na noite anterior encontramos uma alegre e barulhenta banda musical de geólogos, tomamos o sentido sul entrando cada vez mais no Planalto da Borborema e na história do Sertão Nordestino, muito bem contada no Museu do Sertanejo na histórica e simpática Acari.

Na última parada nesse Estado minerador, o Rio Grande do Norte nos brindou com a visita às instalações de beneficiamento e produção de minerais industriais em Parelhas. Um exemplo de beneficiamento de minério e do bom emprego de equipamentos e processos de cominuição e classificação granulométrica para produzir insumos minerais, sabiamente conduzido por um rigoroso e elogiável laboratório de qualidade de produtos, que garante a padronização e atendimentos de certificação de seus clientes.

Na Paraíba, outro Estado minerador, havia um único objetivo Pitoresco, o de visitar o Museu de Minerais e Gemas do Centro Gemológico do Nordeste, na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), criado e conduzido pela lenda viva da mineralogia, o Prof. Dr. Reinhard Richard Wegner. Se é difícil explicar a experiência de ver e tocar os megalíticos monólitos de Quixadá, impossível explicar a beleza ornamental e cênica dos cristais e seus arranjos expostos no Museu do Prof. Reinhard. Muitas peças podem ser tocadas, para sentir suas formas facetadas e equilibradas. Mas, para saborear suas cores, brilhos, formas e encantos somente indo conferir.

Antes de deixarmos Campina Grande, fomos em busca de outros vários museus da cidade. Apesar de alguns insucessos, pois era sábado, no Museu de História e Tecnologia do Algodão fomos recebidos por sua amável equipe e, mais uma vez, viajamos no tempo para a Campina Grande do próspero centro industrial (e cultural) e exportador do algodão nordestino, que surgiu no Sertão.

No retorno à Aracati, onde oficialmente a viagem Pitoresca pelo Sertão seria encerrada com visita ao seu centro histórico, entramos em Mossoró para visitar o Memorial da Resistência Mossoroense e um pouco da história de Lampião e seus cangaceiros. E já no entardecer paramos um instante a admirar os montes luminosos de sal nas salinas em Areias Alvas ao entardecer no belo litoral nordestino.

Saudades da Pitoresca pelo Sertão.

 

Referência:

IBGE-INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Mapa Físico do Ceará. Disponível em: https://www.brasil-turismo.com/ceara/mapas/mapa-fisico.htm. Acessado em 21/01/2024.