04 – RELAÇÕES ENTRE DENSIDADE RELATIVA E DUREZA EM ALGUNS GRUPOS DE MINERAIS ISOESTRUTURAIS, POLIMÓRFICOS E DE SÉRIES ISOMÓRFICAS (DE SOLUÇÕES SÓLIDAS)

Ano 10 (2023) – Número 3 - Obsidiana de Açores Artigos

10.31419/ISSN.2594-942X.v102023i3a4MESX

 

Milson Edmar da Silva Xavier

Grupo de Mineralogia e Geoquímica Aplicada – Geólogo e Eng. de Segurança do Trabalho, milsonest@gmail.com

 

ABSTRACT

It is undeniable the importance of the physical properties, density and hardness, for mineral diagnosis, and this study aims to demonstrate the possible proportional relationships that exist between these properties in certain groups of isostructural, polymorphic, and isomorphic minerals. For this, different mineral groups were chosen for the construction of tables, systematically arranged based on ascending density orders, with the intention of scrutinizing the possible variations, or lack thereof, in the hardness property. There was an observation of a lack of proportional relationship between these physical properties for all minerals in some of these groups, but generally with a direct or inverse proportionality between two or more minerals. This result is reinforced by the behavior of isostructural minerals such as in the rutile group, where a direct relationship between rutile and stishovite is observed, while an inverse relationship prevails among the others. The isomorphic hexagonal group of hematite (simple oxides) serves as a pertinent illustration of an inversely proportional relationship between hardness and density. In contrast, the direct proportional correlation between these properties is adequately characterized within the spinel group, particularly evident in the chromite series.

Keywords:  hardness; density; polymorphism; isomorphism; minerals.

 

INTRODUÇÃO

A dureza é uma propriedade física altamente diagnóstica e, em geral, não apresenta uma relação com a composição química.  Ela é utilizada como um parâmetro de classificação primária em suas tabelas determinativas de minerais (Klein e Dutrow, 2012).

Classificação primária porque, a partir do agrupamento dos minerais por brilho em metálicos e semi-metálicos e não-metálicos, adota-se um agrupamento segundo a dureza em intervalos como por exemplo, para os metálicos, entre < 2½;  > 2½ < 5½   e   > 5½. De posse dessas informações (brilho e dureza) o investigador é direcionado para a tabela determinativa onde ele vai considerar as outras propriedades como cor do mineral, cor do traço deixado em uma placa de porcelana, clivagem, hábito etc.

Na literatura encontramos a abordagem da “densidade relativa” de forma isolada ou com referências à relação com a composição química, com o peso atômico e com o empacotamento dos átomos na estrutura da substância cristalina, conforme Klein & Dutrow(2012)  e outros. Por exemplo, para compostos isoestruturais, o aumento da densidade tem relação direta com o aumento do peso atômico; para minerais polimorfos, a densidade aumenta à medida que o empacotamento dos átomos aumenta; a dureza é reflexo da intensidade das forças internas que unem os átomos, ou seja, ela reflete a força das ligações.

Dana & Hurlbut (1969), no capítulo Mineralogia Determinativa, justificam que muitas das propriedades físicas dos minerais não estão fixadas completamente em seu caráter. A cor, por exemplo, é com frequência uma propriedade extremamente variável. A dureza, embora mais definida, pode variar um pouco e, pela mudança no estado de agregação de um mineral, é possível que varie muito mais amplamente.

Talvez por esse motivo não encontramos, ou não ocorra, qualquer relação de proporcionalidade entre as propriedades físicas densidade e dureza. Uma possível construção de tabelas envolvendo todos os minerais, ladeando em suas colunas essas propriedades e organizando a coluna densidade segundo a ordem crescente de valor ou por ordem alfabética, certamente essa relação de proporcionalidade não aparecerá.  Entretanto, se a construção da tabela reunir grupo específico de minerais é possível refletir essa proporcionalidade, senão completa, pelo menos em um certo número de minerais.

A construção das tabelas para esses grupos específicos (isomórficos ou soluções sólidas, polimórficos, isoestruturais) com a inclusão da propriedade física “dureza”, como uma coluna nas tabelas ao lado da coluna “densidade” é sugerida, neste trabalho, no intuito de demonstrar, ao profissional ou estudante em qualquer momento de sua atividade de campo, a possível correlação entre essas propriedades. Ou, que possa servir para desenvolvimento de softwares ou aplicativos em celulares, ou outros dispositivos móveis, na área de mineralogia, como ferramentas auxiliares que facilitem o diagnóstico dos minerais. Aliás, Costa (1996), e muitos outros na mesma época, já faziam menção dessa possibilidade quando da descrição do procedimento para o diagnóstico dos minerais. Na época, anterior a 1996, a ferramenta revolucionária era apenas o microcomputador citado pelo autor, sem o conhecimento, impossível naquele momento, de que essa possibilidade pudesse se estender aos dispositivos móveis de hoje. Nem mesmo Bill Gates (1995) quando das previsões em seu livro “A Estrada do Futuro”, previu os inúmeros aplicativos hoje incorporados nesses dispositivos móveis (celulares no Brasil e telemóveis em Portugal). Hoje, nos smartphones, já é possível baixar aplicativos que permitem a identificação, não muito precisa, dos minerais através da câmera do dispositivo.

Ademais, em campo e com essas informações de proporcionalidade, podemos utilizar a dureza como ponto de partida para estimar a densidade relativa e se chegar a um diagnóstico preliminar com mais elementos de análise, além da facilidade em transportar objetos para a determinação da dureza em substituição a uma balança hidrostática convencional ou eletrônica, ou ainda com picnômetro digital.

Por fim, ao se construir as tabelas para esses grupos de minerais em questão, nota-se a necessidade de interpretação do comportamento das propriedades densidade e dureza segundo os conceitos de empacotamento atômico cristalino, que considera o volume de célula unitária; peso atômico; raio atômico e iônico. Estes dados, quando necessários, foram incorporados às tabelas para melhor justificar os comportamentos das propriedades densidade e dureza das séries estudadas.

Por exemplo, a densidade é função do peso atômico e do volume da cela unitária (dos raios dos átomos e íons que constituem os minerais, ou seja, depende da forma como esses constituintes estão arranjados na estrutura cristalina dos minerais). Assim, o peso atômico do potássio é quase duas vezes mais pesado do que o do sódio, mas a densidade do KCl (1,98) é menor que a do NaCl (2,17). A diferença dos raios atômicos entre o K+ (1,33) e Na+ (0,98) justifica essa diferença e explica o pronunciado efeito sobre o volume das celas unitárias dessas substâncias cristalinas, sendo menor no NaCl. Entretanto, as variações periódicas da densidade com o número atômico não se repetem igualmente com a periodicidade dos números atômicos. Essa discrepância pode esclarecer por que a faixa de valores da densidade dos minerais varia desde pouco mais de 1,0 até 23,0, valores que são encontrados em alguns minerais, como aqueles do grupo da platina, com destaque para o ósmio, (Sampaio & Silva, 2007), em que o elevado peso atômico e denso empacotamento promove a elevada densidade.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

A obra Manual de Mineralogia (Dana & Hurlbut,1969) foi utilizada como ponto de partida para construção das tabelas 1 e 2 devido ao fato de as obras que a sucederam as tomar como referência para a construção de suas tabelas.

Os valores de densidade e dureza utilizados nas demais tabelas construídas nesse trabalho, correspondem aos valores extraídos de Klein & Dutrow (2012) e do site www.webmineral.com, no rol de minerais segundo a nova classificação de Dana (2018). Quando de algumas divergências nesses valores, adotou-se o valor descrito nas tabelas de Dana (2018).

A escolha dos minerais para a construção das tabelas foi baseada nas propriedades físicas densidade e dureza, mas que pudessem demonstrar o isomorfismo ou soluções sólidas, polimorfismo e isoestruturalismo.

Algumas tabelas da referência bibliográfica consultada já traziam a relação de proporcionalidade direta para alguns grupos específicos de minerais, por exemplo, entre a densidade relativa e o peso atômico nos carbonatos do grupo da aragonita, mas omitiam a coluna dureza. Nestes casos, foram criadas tabelas com a inclusão da coluna dureza para todas as situações semelhantes. O mesmo procedimento foi adotado quanto a ausência de uma coluna de densidade.

Em outras situações, havia apenas a abordagem sobre, por exemplo, minerais polimórficos. Nestes casos, as tabelas dos minerais foram construídas a partir de diversas colunas intituladas por nome, fórmula química, densidade, dureza e várias outras como número de coordenação, sistema cristalino, raio dos íons, fator de empacotamento, volume da célula unitária etc., tudo de acordo com a necessidade de justificar o comportamento da dureza frente o comportamento da densidade dos minerais do grupo escolhido.

Para as tabelas que precisaram de valores como volume da célula unitária, volume do cátion, relação raio do cátion / raio do ânion, sua construção foi realizada com base nos dados dos minerais disponíveis na plataforma www.webmineral.com e utilizadas equações simples como por exemplo a relação existente entre volume do cátion e volume da célula unitária que tem como resultado o fator de empacotamento.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Dana & Hurlbut (1969), assim como Klein & Dutrow (2012), constroem tabelas listando alguns minerais por ordem crescente de densidade. Aproveitando parte dessa tabela e acrescentando a propriedade dureza em coluna paralela à coluna de densidade, tem-se a tabela 1 abaixo.  Observa-se que a relação entre densidade e dureza, não é reveladora de proporcionalidade direta ou indireta entre elas, ou seja, aumentando a densidade não se observa o aumento ou diminuição da dureza.

Uma das formas de classificação dos minerais é segundo a sua densidade. Minerais leves são os que apresentam a densidade entre 1 e 2; minerais densos os de densidade acima de 4 e os de densidade intermediária, a maioria, densidade entre 2 e 4.

Um meio denso, dentre outros, bastante utilizado como parâmetro para separação/concentração de materiais, em faixas granulométricas, é o bromofórmio (CHBr3) com densidade igual a 2,89 na temperatura de 20°C.  Outra aplicação do uso do líquido denso bromofórmio, através do conhecimento de sua densidade em torno de 2,9, é como limiar na caracterização dos minerais pesados (Costa, 1996). Ou seja, minerais com densidade acima desse valor são ditos minerais pesados.

A tabela 1 apresenta apenas os minerais com densidade abaixo de 2.  De início, não observamos qualquer relação de proporcionalidade, mas a kernita (d=1,95 e D=3,0) destoa dos valores de dureza dos outros elementos da tabela. Isto pode ser atribuído ao fato de existirem poucos minerais e materiais nessa faixa de densidade (Costa, 1996), caso contrário o número de minerais com valores de dureza fora do intervalo entre 1,0 e 2,0 seria maior.

 

Tabela 1 – Minerais com densidade menor que 2.   Adaptado de Klein & Dutrow (2012)

Nome Densidade Dureza
Gelo 0,917 1,0
Carnallita 1,6 1,0
Bórax 1,7 2,0 – 2,5
Epsomita 1,75 2,0 – 2,5
Kernita 1,95 3,0
Ulexita 1,96 1,0 – 2,5
Silvita 1,99 2,0

 

Assim, já no intervalo de densidade entre 2 e 4 o número de minerais é consideravelmente maior. Ou seja, vários minerais não apresentam a dureza na mesma ordem crescente da densidade quando assim organizados. Para exemplificar vejamos uma relação de apenas um intervalo (2,0-2,4) de densidade (tabela 2).

 

Tabela 2 – Minerais com densidade entre 2,0 e 2,4 e demais propriedades.  Adaptado de Klein & Dutrow (2012).

Densidade Nome Dureza Fórmula química Peso Atômico do Cátion
2,0 – 2,4 Crisocola 2,0 – 4,0 CuSiO3.2H2O Cu=63,54
2,2 – 2,65 Serpentina 3,0 – 5,0 Mg6(Si4O10)(OH)8 Mg=24,32
2,23 Grafita 1,0 – 2,0 C C=12,01
2,25 Natrolita 5,0 – 5,5 Na2(Al2Si3O10).2H2O Na=22,991 Al=26,98
2,26 Tridimita 7,0 SiO2 Si= 28,09
2,27 Analcima 5,0 – 5,5 Na(AlSi2O6)H2O Na=22,991 Al=26,98
2,29 Nitratina 1,0 – 2,0 NaNO3 Na=22,991
2,30 Crisobalita 6,5 SiO2 Si= 28,09 O= 15,9994
2,30 Sodalita 5,5 – 6,0 Na4(AlSiO4)3Cl Na=22,991 Al=26,98
2,32 Gipsita 2,0 CaSO4.2H2O Ca=40,08
2,33 Wavellita 3,5 – 4,0 Al3(OH)3(PO4)2.5H2O Al= 26,98
2,3 – 2,4 Apofilita 4,5 – 5,0 Ca4K(Si4O10)2F.8H2O Ca=40,08   K 39,10
2,39 Brucita 2,5 Mg(OH)2 Mg= 24,32

 

Da análise dos dados apresentados na Tabela 2, fica constatado que a propriedade dureza não acompanha a ordem crescente da densidade. Da mesma forma, quando organizada a densidade em números crescentes, a sequência da coluna com o peso atômico dos cátions não apresenta nenhuma relação de proporcionalidade, nem mesmo considerando, individualmente, cada um dos cátions da fórmula química do mineral.

Entretanto, quando particularizamos por grupos ou séries de minerais com características específicas como o isomorfismo e polimorfismo por exemplo, observamos a relação das propriedades densidade e dureza, senão vejamos:

A tabela 3 apresenta os carbonatos do grupo da aragonita, organizados em ordem crescente do peso atômico e densidade dos minerais. Acrescentando-se uma coluna com a dureza desses minerais, observa-se que essa propriedade apresenta o valor de 3,5 em todos os minerais da tabela.

Neste primeiro exemplo não se constata um aumento da dureza, mas não se pode afirmar que há diminuição de valores, pois todos apresentam dureza 3,5, podendo variar de 3,0 a 4,0.

Este comportamento de aumento de densidade desses minerais é confirmado pelo aumento do número atômico dos elementos químicos Ca (20), Sr (38), Ba (56) e Pb (82), conforme indicação do comportamento na tabela periódica em que a densidade aumenta de cima para baixo e no sentido do centro dela. Ou seja, aumenta de acordo com o crescimento do período (quantidade de níveis ou distribuição de elétrons na camada) e no sentido do centro da tabela ou da família central.  Já a constância do valor da dureza desses minerais em torno de 3,5 diz respeito ao tipo e intensidade de ligação química, pois a dureza está diretamente ligada à distância interiônica nos átomos. Quanto menor essa distância, maior a força de ligação e maior a dureza.  Assim, temos as ligações iônicas entre os metais alcalino-terrosos (Ca,Sr e Ba) e o metal representativo (Pb) com os não metais C e O formando o íon carbonato CO3(radical aniônico).  Nestes casos, segundo Klein & Dutrow(2012), as ligações    C – O são  fortes e as do Ca com o radical CO3 são mais fracas e, por isso, responsáveis pela clivagem desses minerais. Por apresentarem diferentes forças de ligação, são denominados cristais anisodésmicos, enquanto os isodésmicos apresentam ligações com forças de mesma intensidade.

 

Tabela 3 – Carbonatos do grupo da aragonita, apresentando relação de densidade, dureza e peso atômico. Adaptada de Klein & Dutrow (2012), com valores de densidade e dureza extraídos de www.webmineral.com .

Mineral Fórmula química Peso atômico do cátion Nº atômico do cátion Densidade relativa Dureza
Aragonita CaCO3 40,08 20 2,94 3,5 – 4,0
Estroncianita SrCO3 87,62 38 3,78 3,5
Witherita BaCO3 137,34 56 4,3 3,0 – 3,5
Cerussita PbCO3 207,19 82 6,58 3,0 – 3,5

 

A tabela 3.1 apresenta os minerais do grupo da calcita. Neste grupo, apenas a magnesita (MgCO3) destoa dos demais minerais quando organizados em ordem crescente de densidade. Ou seja, não apresenta o valor da dureza correspondente a sua posição na tabela. Para que todos os minerais do grupo da calcita apresentassem a ordem crescente de densidade e dureza, a magnesita deveria ter dureza 3,0 e não 4,0. Entretanto, a proximidade da calcita, em termos de densidade, indica a substituição quase completa do Ca pelo Mg, elevando pouco a densidade e muito a dureza (Dana, 2018). Da mesma forma, se verificada a coluna de peso atômico do cátion na tabela, constata-se a quebra de sequência em relação aos demais. O aprofundamento do estudo, a nível atômico, pode esclarecer esse comportamento do Mg, como será visto em outras tabelas a seguir.

 

Tabela 3.1 – Carbonatos do grupo da calcita apresentando relação de densidade, dureza e peso atômico. Adaptada de Klein & Dutrow (2012), com valores de densidade e dureza extraídos de www.webmineral.com

Mineral Composição Peso atômico do cátion Nº atômico do cátion Densidade relativa Dureza
Calcita CaCO3 40,08 20 2,72 3,0
Magnesita MgCO3 24,305 12 3,0 4,0
Rhodochrosita MnCO3 54,938 25 3,69 3,0
Siderita FeCO3 55,845 26 3,96 3,5
Smithsonita ZnCO3 65,38 30 4,4 – 4,5 4,5

 

A tabela 4 apresenta a relação densidade x dureza para a série dos anfibólios monoclínicos cummingtonita-grunerita, variando em ordem crescente nas duas propriedades físicas estudadas.

Neste exemplo, observa-se a perfeita relação de proporcionalidade direta entre elas ou, no mais rigor da crítica, a manutenção do valor de dureza em torno de 6,0, o que revela o mesmo comportamento da propriedade dureza observado no caso dos carbonatos do grupo da aragonita da tabela 3, quando analisados os valores de dureza iguais a 3,5. Portanto, considerando a dureza do mineral cummingtonita em 5,5(entre apatita e ortoclásio) fica estabelecida a relação de proporcionalidade direta entre as propriedades aqui estudadas.

 

Tabela 4 –Variação da densidade relativa e da dureza na série dos anfibólios monoclínicos cummingtonita-grunerita. Modificado de Klein & Dutrow(2012).

Mineral Composição Densidade relativa Dureza Nº atômico  
Cummingtonita Fe2Mg5Si8O22(OH)2 3,1 – 3,3 5,5 – 6,0 Si=14
Grunerita Fe7Si8O22(OH)2 3,6 6,0 Fe=26

 

A tabela 5 apresenta o comportamento dos minerais diamante e grafita (polimorfos de carbono). Observa-se a proporcionalidade entre as propriedades nesses minerais, ou seja, organizada a densidade em ordem crescente, a dureza apresenta o mesmo comportamento.

Aqui está demonstrado o papel das ligações químicas nas propriedades físicas e químicas dos minerais, particularmente na dureza destes, pois quanto mais forte as ligações, mais duro o cristal. Como consequência, maior também o ponto de fusão e menor o coeficiente de expansão térmica. O diamante, com dureza 10 na escala de Mohs, apresenta ligações muito fortes, mantendo os átomos bastante unidos. Todas as ligações químicas envolvendo o diamante são covalentes. Essas ligações apresentam como característica a elevada força de união entre as moléculas. O carbono apresenta o NC (número de coordenação) igual a 4. São 4 átomos coordenados ao átomo central, cada átomo forma 4 ligações covalentes com outros átomos de carbono. Já na grafita, a ligação presente é a de Van der Waals, sendo de fraca intensidade entre as camadas do mineral. Na grafita a ligação entre os átomos de carbono é covalente (trigonal) pois cada carbono é ligado a outros três átomos de carbono em um arranjo hexagonal, em coordenação 3 (NC=3).  O quarto átomo participa de uma ligação fraca de Van der Waals entre as camadas.

 

Tabela 5 – Variação da densidade relativa e dureza para os minerais polimorfos grafita e diamante.

Mineral Sistema Cristalino Densidade relativa Dureza Número de coordenação
Grafita(C) Hexagonal 2,33 1 – 1,15 3
Diamante(C) Isométrico 3,5 10 4

 

Outros exemplos de minerais polimórficos podem ser listados como a pirita e a marcassita, com composição FeS2 e a calcita e aragonita (CaCO3).

Nas tabelas 5.1 e 5.2 são apresentados e organizados esses pares de minerais (FeS2 e CaCO3) segundo a ordem crescente de densidade e respectiva dureza.

Nos compostos FeS2 (tabela 5.1) a dureza varia muito pouco de 6,0 a 6,5 com o aumento da densidade. Pode-se afirmar também que se mantém em 6,5 quando varia da marcassita para a pirita.  A mudança da estrutura da marcassita para a pirita se dá em um único sentido. Ou seja, da instável para a outra estável. Este é o tipo de polimorfismo monotrópico. A marcassita é um sulfeto muito instável em climas quentes e úmidos, sendo inclusive sua conservação em coleções mineralógicas motivo de cuidados especiais. A pirita se conserva perfeitamente nos mostruários, mas a marcassita altera-se facilmente por oxidação, produzindo sulfatos de ferro e ácido livre de alto efeito corrosivo e que não é indicada para uso como pedra preciosa, uma vez que polvilha e eventualmente desintegra quando exposto ao ar. Isto confirma que, em geral, a pirita é muito mais estável que a marcassita (Fonseca, 2018).

Com a mudança do sistema cristalino de ortorrômbico para o cúbico, mantendo a composição química, característica do polimorfismo, atribui-se ao novo empacotamento a causa pelo aumento de dureza da pirita em relação à marcassita, pois a simetria resulta do empacotamento dos átomos e os minerais com as estruturas mais compactas são mais estáveis (Teixeira et al., 2009). Alguns dados extraídos da cela unitária dos minerais em estudo corroboram com essa afirmativa.  A marcassita, com o seu sistema ortorrômbico, apresenta Número de Coordenação (NC) igual a 8, com células unitárias Cúbico de Corpo Centrado (CCC), Fator de Empacotamento (FE) de átomos de 68% e volume da cela unitária no valor de 81,70, enquanto a pirita, do sistema isométrico, célula unitária Cúbico Simples (CS), apresenta NC igual a 6, FE de átomos de 52% e volume da célula unitária no valor de 158,96.

Na análise somente do FE (Fator de Empacotamento) dos minerais não se chega à justificativa da dureza da pirita ser superior ao da marcassita, pois o FE da marcassita é de 68% contra 52% da pirita.  O que deve ser analisado é o volume do cátion (Fe) nos dois sistemas cristalinos, a partir do conceito de Fator de Empacotamento. Este é dado pela razão entre o volume do cátion e o volume da célula unitária da estrutura do cristal.  Com os dados já conhecidos de FE e volume da célula unitária, chega-se ao valor do cátion (Fe) nos dois minerais, conforme tabela 5.2.

O empacotamento atômico é função do tamanho dos íons dos elementos na estrutura cristalina, ou seja, o tamanho dos íons está relacionado às estruturas atômicas dos elementos e aumenta com o número de elétrons e camadas eletrônicas, sendo afetado também pela carga do íon (Neto, 2018). Neste caso, quanto mais elétrons um elemento perde para tornar-se um cátion, mais forte é a sua carga positiva e maior é a atração elétrica do núcleo sobre os elétrons remanescentes. Assim, o volume do cátion (Fe) na pirita é de 82,66 enquanto na marcassita é de 55,56. Isto explica a maior força de ligação na pirita e sua maior dureza.

Outra possibilidade de a dureza da pirita superar a da marcassita é o fato da ligação(covalente) ser maior entre pares dos seus enxofres, pois quanto menor a diferença de eletronegatividade entre os ligantes, mais covalente é a ligação, e em consequência menos iônica, resultando em maior dureza do mineral (Ferreira, 1998). As substâncias podem ter simultaneamente caráter iônico e covalente. Daí, ao se referir a uma ligação covalente, entende-se que a preponderância do caráter covalente se sobrepõe ao iônico.

 

Tabela 5.1 – Variação da densidade relativa e dureza para alguns minerais polimórficos de composição FeS2. Modificado de Klein & Dutrow (2012), com inclusão de valores do www.webmineral.com .

Mineral Sistema Cristalino Número de coordenação Densidade relativa Dureza
Marcassita (FeS2) Ortorrômbico Fe = 8 4,89 6,0-6,5
Pirita (FeS2) Isométrico Fe = 6 5,02 6,5

 

Tabela 5.2 – Volume dos cátions Fe nas estruturas da marcassita e da pirita, a partir do seu fator de empacotamento. Fonte:  valores obtidos de www.webmineral.com .

Mineral Sistema Cristalino Fator de Empacotamento Volume da Célula Unitária Volume do Cátion Fe
Marcassita (FeS2) Ortorrômbico 0,68 81,70 55,56
Pirita (FeS2) Isométrico 0,52 158,96 82,66

 

Analisando-se os carbonatos calcita e aragonita da tabela 5.3, constata-se que   a relação direta entre densidade e dureza está presente. A razão disso pode ser explicada pela relação existente entre a energia das ligações químicas com as propriedades dos minerais. Os tipos e intensidade dessas ligações são responsáveis pela dureza, clivagem, fusibilidade, condutividade elétrica e térmica, compressibilidade e coeficiente de expansão térmica. Como a dureza da aragonita é maior que a da calcita e os números atômicos e peso atômicos são iguais, a justificativa para a diferença nos remete ao número de coordenação do Ca nas ligações.  Este, por sua vez, tem relação com o empacotamento das estruturas cristalinas. O Ca, em coordenação 6, tem raio iônico igual a 1,0 e, em coordenação 9, tem raio iônico igual a 1,18, portanto a mudança de coordenação se dá em função do tamanho do cátion. Este aumento do raio do cátion vai preencher os espaços vazios ou interstícios deixados pelos ânions, aumentando também o empacotamento da estrutura e, conferindo ao conjunto, maior rigidez e aumento da dureza (Klein & Dutrow 2012). Assim, o maior empacotamento atômico na aragonita leva a uma maior aproximação entre os íons e a consequência é sua maior dureza em relação ao menor empacotamento da calcita.

A casca dos ovos das aves (galinha e. g.) é formada por aragonita.  Os corais e moluscos preferem a aragonita termodinamicamente instável para a construção de suas camadas duras e a hipótese pode estar na forma dos cristais. As formas aciculares de aragonita são propensas a formar conjuntos entrelaçados. Desta maneira, o material policristalino de aragonita apresenta um considerável aumento de solidez ou maior resistência à quebra (Bessler & Rodrigues, 2008). Portanto, esses autores também atribuem a dureza da aragonita à sua forma cristalina mais comum – prismas aciculares.

 

Tabela 5.3 – Variação da densidade relativa e dureza para alguns minerais polimórficos de composição CaCO3. Modificado de Klein & Dutrow(2012), com inclusão de valores do www.webmineral.com .

Mineral Sistema Cristalino Número de coordenação Densidade relativa Dureza
Calcita (CaCO3) Romboédrico Ca = 6 2,71 3,0
Aragonita (CaCO3) Ortorrômbico Ca = 9 2,93 3,5 – 4,0

 

A tabela 6 apresenta outra série de minerais polimórficos constituída pelos minerais andaluzita, sillimanita e cianita. Neste caso a relação densidade e dureza apresenta uma razão de proporcionalidade inversa, ou seja, há uma diminuição da dureza com o aumento do valor da densidade, se considerarmos o valor inferior do intervalo apresentado. Entretanto, todos os três minerais alcançam a dureza 7, sendo que a cianita, em função da direção paralela ao comprimento dos cristais, apresenta dureza 7, e 5 em ângulos retos a esta direção.

 

Tabela 6 – Variação da dureza em relação a ordem crescente da densidade na série polimórfica Al2SiO5.

Mineral Fórmula química Sistema cristalino Densidade relativa Dureza
Andaluzita Al2SiO5 Ortorrômbico 3,18 7,0 a 7,5
Sillimanita Al2SiO5 Ortorrômbico 3,23 6,0 a 7,0
Cianita Al2SiO5 Triclínico 3,6 5,0 e 7,0

 

As ligações químicas entre os íons dos polimorfos de Al2SiO5 são covalentes, portanto, muito forte e produzindo uma estrutura muito rígida, idêntica ao polimorfo de carbono, o diamante, com dureza elevada.

 

A tabela 7 apresenta os minerais isoestruturais com o rutilo. Observa-se a relação densidade x dureza mais característica entre os minerais rutilo e stishovita, em que a densidade crescente é acompanhada pela dureza também crescente desses minerais.  Os demais minerais, com densidade acima de 4,35 apresentam dureza em torno de 6,5 na escala de Mohs. Portanto, fora da sequência na coluna de dureza

Nas estruturas do rutilo e da stishovita, os cátions (Si+4 e Ti+4) estão circundados por seis oxigênios, portanto em coordenação octaédrica (NC=6).  Mas as dimensões da célula unitária apresentam divergência nos seus parâmetros axiais (tabela 7.1). Assim, a maior densidade da stishovita (SiO2) está diretamente relacionada ao menor volume de sua célula unitária quando comparada com as mesmas propriedades do rutilo (TiO2), uma vez que o menor volume da célula unitária leva a uma maior coesão de seus átomos. Isto pode ser observado também pelo volume da célula da plattnerita (PbO2) em que sua densidade varia de 8,5 a 9,63 para um volume de 51.74 (Tabelas 7 e 7.1). Entretanto, na relação do volume da célula com a dureza não se observa o mesmo comportamento. No caso específico da dureza do rutilo em relação a da stishovita, tem-se a divergência entre os tipos de ligação química envolvidos.

As ligações iônicas ocorrem entre metais e não metais, No caso dos óxidos (XO2), ocorrem entre o oxigênio (não metal) e vários elementos químicos (metais alcalinos, alcalinos  terrosos, de transição, semimetais e metais representativos), com exceção do Si que se liga ao oxigênio através de ligação covalente, sendo esta uma ligação mais forte e responsável pela maior dureza da stishovita em relação ao rutilo (ligação iônica), uma vez que a dureza é diretamente proporcional à força de ligação dos átomos que constituem o mineral (Neto, 2018). O mesmo autor afirma que a dureza dos minerais diminui de um tipo de ligação para outro e quanto mais forte a ligação, mais duro é o cristal.

Em termos de densidade relativa, rutilo, stishovita, ilmenorutilo e pirolusita apresentam valores praticamente iguais, pois os pesos atômicos dos cátions (Ti, Fe e Mn) se aproximam, sendo Fe e Mn quase iguais, e todos se ligam ao O.

 

Tabela 7 – Relação densidade x dureza de minerais isoestruturais com o rutilo.

Mineral Fórmula química Sistema cristalino Densidade relativa Dureza
Rutilo TiO2 Tetragonal 4,25 6,0 – 6,5
Stishovita SiO2 Tetragonal 4,35 7,5 – 8,0
Ilmenorutilo (Ti,Nb,Fe)O2 Tetragonal 4,35 – 4,92 6,0 – 6,5
Pirolusita MnO2 Tetragonal 4,40 – 5,06 6,0 – 6,5
Struverita (Ti,Ta,Fe)O2 Tetragonal 5,25 6,0 – 6,5
Cassiterita SnO2 Tetragonal 6,8 – 7,0 6,0 – 7,0
Plattnerita PbO2 Tetragonal 8,5 – 9,63 5,5
 

 

Tabela 7.1 – Parâmetros axiais da célula unitária de alguns minerais isoestruturais com o rutilo. Fonte: Valores extraídos de  www.webmineral.com

Mineral Fórmula química a c V
Rutilo TiO2 4,594 2,958 62,43
Stishovita SiO2 4,179 2,6649 46,54
Pirolusita MnO2 4,39 2,86 55.12
Cassiterita SnO2 4,738 3,118 69,99
Plattnerita PbO2 3,92 3,36 51,74

 

A tabela 8 apresenta o grupo isomórfico hexagonal da hematita (óxidos simples).

Neste grupo observa-se a dureza diminuir do córindon (Al2O3) à hematita (Fe2O3), enquanto a densidade aumenta, caracterizando uma relação de proporcionalidade inversa entre eles. Os minerais que apresentam o mesmo ânion ou grupo aniônico dominante em sua composição apresentam semelhanças mais significativas e acentuadas do que as partilhadas pelos minerais que apresentam o mesmo cátion dominante (Neto, 2018). É justamente o que ocorre com os três primeiros minerais da tabela 8 (córindon, karelianita e eskolaíta) cuja dureza varia de 8,25 a 9 na escala de Mohs.  A maior dureza do córindon (Al2O3) se deve ao fato do Al estar mais próximo do Oxigênio na tabela periódica, em que elementos de famílias próximas apresentam maior força de ligação covalente. Entretanto, os elementos químicos V e Cr, respectivamente cátions dos compostos mineralógicos karelianita e eskolaíta encontram-se mais afastados, na tabela periódica, do oxigênio que o Fe. Logo, a hematita deveria apresentar maior dureza que esses minerais. Isto não ocorre. Assim, o único mineral que apresenta dureza inferior a 8 é a hematita (D=6,5 e d = 5,3), destoando dos demais minerais, mas apresentando a maior densidade entre eles. Neste caso, como todos os minerais apresentam cristalização no sistema hexagonal, com estrutura octaédrica e carga do cátion +3 (Al+3, V+3, Cr+3 e Fe+3),  o enunciado por Klein & Dutrow (2012) de que os cátions, em coordenação octaédrica, tendem a ter carga mais baixa (por exemplo F+2) do que os cátions em coordenação tetraédrica(por exemplo Al+3), não corroboram com os dados da tabela 9, pois os cátions aqui presentes têm carga +3 e são de estrutura octaédrica.

 

Tabela 8 – Relação entre densidade e dureza de minerais do grupo isomórfico hexagonal romboédrico da hematita (óxidos simples). Fonte: www.webmineral.com .

Mineral Fórmula química, Peso atômico do cátion Grupo Espacial //Simbolo H-M Densidade relativa Dureza
Córindon Al2O3 26,98 R¯3c // ¯3 2/m 4,01 9
Karelianita V2O3, 50,94 R¯3c // ¯3 2/m 4,87 8,5 * média
Eskolaita Cr2O3, 51,99 R¯3c // ¯3 2/m 5,18 8,25* média
Hematita Fe2O3, 55,84 R¯3c // ¯3 2/m 5,28 6,5

 

Na tentativa de justificar a dureza menor da hematita, buscou-se a construção da tabela 8.1 a fim de se verificar a relação do raio do cátion (Rc) com o raio aniônico (Ra) em cada mineral. Esta relação é indicadora do nível de empacotamento na estrutura do cristal. Ou seja, o maior empacotamento, e consequentemente a maior dureza, se dá quando a razão entre esses raios é igual a 1 (Rc = Ra).  Como os valores Rc/Ra não chegam nem à metade (0,5), a justificativa dessa proporcionalidade inversa entre dureza e densidade pode ser obtida pelo FEA-Fator de Empacotamento Atômico

Córindon, karelianita e eskolaita são minerais com fortes ligações covalentes, enquanto a hematita, não. O coríndon tem alto índice de empacotamento (FEA=0,74), dado por sua densidade relativa alta para um cátion de elemento químico leve, o alumínio, ou seja, densidade excessivamente elevada para um mineral não-metálico.

 

Tabela 8.1 – Relação entre densidade e dureza de minerais do grupo da hematita e seus raios iônicos.

Mineral Fórmula química Dureza Densidade relativa Peso atômico Raio Cátion(Å) Raio Ânion(Å) Rc/Ra (Å)
Córindon Al2O3 9 4,01 26,981 0,54 1,40 0,3857
Karelianita V2O3 8,5* 4,87 50,941 0,54 1,40 0,3857
Eskolaita Cr2O3 8,25* 5,18 51,996 0,62 1,40 0,4428
Hematita Fe2O3 6,5 5,28 55,845 0,65 1,40 0,4642

 

Klein & Dutrow (2012) afirmam que as propriedades físicas e químicas dos minerais são efeitos das forças de ligação entre os átomos (íons ou grupos iônicos). A energia de atração envolvida nesse processo depende da distância interiônica e do potencial de ionização dos elementos envolvidos.

Quanto maior o potencial de ionização, maior é a quantidade de energia para remoção dos elétrons. Essa redistribuição dos elétrons resulta em uma ligação química, em tipos e intensidades, que irão combinar elementos químicos para formar as estruturas dos minerais. Assim, a dureza e outras propriedades, e indiretamente a densidade, estão diretamente relacionadas a essas forças de atração. Quanto mais forte a média das ligações, mais duro o cristal.  Portanto, uma justificativa para a menor dureza da hematita estaria em uma preponderância das ligações químicas do tipo iônica sobre a preponderância do tipo covalente nos demais minerais da tabela. Assim, como o Al e O do coríndon estão mais próximos na tabela periódica, as suas ligações unem íons mais altamente carregados e são mais fortes (Klein & Dutrow, 2012).

Outra razão para a menor dureza da hematita é que a dimensão do raio catiônico do Fe=0,65 (hematita) é maior que a do Al=0,54 (coríndon), levando o alumínio, por ser menor, a preencher ou ocupar uma maior quantidade de espaços ou sítios deixados pelo ânion na estrutura octaédrica em torno de 2/3 desses espaços. O Fe, por ter maior raio catiônico deve ocupar um espaço um pouco menor na estrutura do cristal, resultando na menor dureza.

A Tabela 9 apresenta a relação densidade x dureza do grupo do periclásio com minerais isomórficos pertencentes ao sistema cristalino isométrico. Nesta tabela, o grupo de minerais está organizado segundo a nova classificação de Dana (2018) em que são listados os óxidos simples com uma carga de cátion de 2+ (A++O) e os minerais foram organizados segundo a ordem crescente de densidade, com os compostos do extremo da tabela CaO (menor densidade) e CdO(maior densidade)  apresentando dureza em torno de 3,25 em média. Não se observa, portanto, a ordem crescente da dureza em função do crescimento da densidade. Os demais minerais intermediários apresentam dureza variando de 5,0 a 6,0.

Nesta tabela, foi incluída uma coluna com a distância interiônica(soma dos raios iônicos) e a razão  raio do cátion e do ânion. A distância interiônica é quase a mesma para os óxidos, mas as forças de ligação são muito diferentes (Klein & Dutrow(2012).  Da mesma forma, foi incluída outra coluna com o volume da célula unitária dos compostos.   Os menores valores de dureza para CaO e CdO podem ser explicados pelo maior volume da célula unitária dos compostos, pelo volume do cátion nessa célula ou por essa diferença entre as forças de ligação.

Considerando que a preponderância do tipo de ligação envolvida nos compostos CaO e CdO é iônica com percentual de 80% e 55%, respectivamente;

Considerando que a estrutura cristalina é a mesma do NaCl, do tipo Cúbico Simples (CS) com Número de Coordenação (NC) igual a 6 e fator de empacotamento de 52% (0,52), o que é confirmado pela relação raio do cátion (Rc) / raio do ânion (Ra) com valor dentro do intervalo de 0,414 a 0,732, correspondente a NC=6;

Considerando que o Fator de Empacotamento (FE) é a razão entre o volume do íon, (neste caso, o cátion) e o volume da célula unitária (FE = volume do cátion  /  volume da célula unitária);

Chega-se aos valores do volume do cátion conforme tabela a seguir

 

Tabela 9 – Relação densidade x dureza no grupo do periclásio. Dados extraídos de www.webmineral.com e https://pt.frwiki.wiki/wiki/Wustite

Mineral Fórmula química Densidade relativa Dureza Distância Interiônica (Å) Rc/Ra Å Volume célula unitária(ų) Volume do cátion (ų)
Cal CaO 3,345 3,5 2,40 0,71 110,38 57,40
Periclásio MgO 3,67 – 3,9 6,0 2,12 0,51 74,247 38,61
Manganosita MnO 5,18 5,0 – 6,0 2,23 0,59 87,292 45,39
Hongquiíta TiO 5,36 5,0 – 6,0 2,01 0,44 79,119 41,14
Wüstita FeO 5,6 5,0 2,17 0,55 80,06 41,63
Bunsenita NiO 6,4 – 6,8 5,5 2,09 0,49 72,877 37,89
Monteponita CdO 8,1 – 8,2 3,0 2,14 0,53 103,10 53,61
 

 

O grupo do periclásio não apresenta relação de proporcionalidade. Mantida a ordem crescente de densidade dos minerais desse grupo, a dureza oscila de 3,5, indo a 6,0 e retornando a 3,0. Os compostos com maior volume de seu cátion, CaO=57,40 e CdO=53,61 são os que apresentam a menor dureza (3,5 e 3,0, respectivamente) porque vão preencher os sítios deixados pelo ânion (O), criando muitos interstícios menores e resultando em menor empacotamento.  De forma contrária, os cátions de menor volume, 37,89 ų a 45,39 ų (MgO, MnO, TiO, FeO e NiO), têm a possibilidade de preencher os sítios deixados pelos ânions de oxigênio com maior coesão e resultando em maior empacotamento e maior dureza. A figura 1 simula o conteúdo de dois recipientes com volumes de esferas diferentes, onde se pode observar os maiores interstícios no recipiente com esferas maiores.

 

Figura 1. Simulação de dois recipientes, criados por Inteligência Artificial (IA), para demonstrar o preenchimento de um mesmo recipiente com esferas de volumes diferentes (1 e 2cm). Fonte: Chat do Bing com o GPT-4.

 

Na tabela 9.1, o grupo do periclásio, com seus valores de densidade e dureza, ganha uma coluna com o peso atômico dos cátions de cada composto. Os minerais do grupo têm em sua fórmula química um único ânion (oxigênio) e são isoestruturais. A dureza, nesses casos, pode variar em função dos tipos e intensidades das ligações químicas e do peso atômico. As ligações covalentes e iônicas não são puras e sim uma mistura com proporções que dependem da diferença de eletronegatividade dos átomos envolvidos. Há uma contínua transição entre ligações covalentes e iônicas. Ligações iônicas tornam-se parcialmente covalentes e vice-versa. A intensidade das forças das ligações tem relação direta com a dureza, quanto maior a força de ligação, maior a dureza. A densidade relativa aumenta com o aumento do peso atômico do cátion. Quanto maior é o número atômico, maior também é a dureza do elemento químico. Essas generalizações podem apresentar exceções. Os minerais do grupo do periclásio ilustram alguns desses enunciados como por exemplo: o CdO apresenta o maior peso atômico, maior número atômico e consequentemente a maior densidade; MgO apresenta densidade e dureza superior aos valores de densidade e dureza de CaO, influenciado pela diferença do tipo de ligação entre eles (covalente e iônica, respectivamente), resultado da menor eletronegatividade no MgO (2,13) em relação ao CaO (2,44);  FeO e MnO apresentam a mesma ligação e pesos atômicos muito próximos, resultando em valores de densidade e dureza quase iguais; TiO e NiO apresentam a mesma ligação covalente, mas o peso atômico do NiO é superior ao do TiO, o que lhe confere maior densidade relativa. A dureza entre ambos é semelhante em torno de 5,5 (tabela 9.1).

 

Tabela 9.1 –  Relação densidade x dureza no grupo do periclásio, com valores do peso atômico do cátion e número atômico.  Dados extraídos de www.webmineral.com

Mineral Fórmula química Densidade relativa Dureza Número atômico Peso Atômico
Cal CaO 3,345 3,5 20 40,08
Periclásio MgO 3,67 – 3,9 6,0 12 24,30
Manganosita MnO 5,18 5,0 – 6,0 25 54,94
Hongquiíta TiO 5,36 5,0 – 6,0 22 47,86
Wüstita FeO 5,6 5,0 26 55,84
Bunsenita NiO 6,4 – 6,8 5,5 28 58,69
Monteponita CdO 8,1 – 8,2 3,0 48 112,41
 

 

As Tabelas 10, 11 e 12   apresentam a relação densidade x dureza no grupo do espinélio.  Este grupo pode ser subdividido em três séries, de acordo com os ions trivalentes Al, Fe e Cr, gerando as séries do: espinélio (espinélio, hercinita, gahnita e galaxita); magnetita (magnetita, magnesioferrita, franklinita, jacobsita trevorita) e; cromita (cromita, zincocromita e magnesiocromita).

A fórmula química dos espinélios é a do tipo AB2O4, onde o cátion A é normalmente bivalente com raio entre 0,6 e 0,8Aº, maior do que o B, que é normalmente trivalente e com raio iônico entre 0,5 e 0,7Aº. Na estrutura típica do espinélio, os íons A têm 4 oxigênios vizinhos, ao passo que os íons B têm seis. Esta é uma estrutura isodésmica e os espinélios são considerados adequadamente como óxidos múltiplos (Pimentel,2013).

Na tabela 10 encontram-se os minerais do grupo espinélio, série espinélio, organizados por ordem crescente de densidade e refletindo uma dureza relativamente alta, em torno de 8 na escala de Mohs. Essas propriedades refletem o empacotamento compacto com ligação covalente intensa e peso atômico crescente do espinélio para a gahnita. Nela os valores dos raios do cátion são os da posição A na fórmula AB2O4 e em número de coordenação 6, com estrutura construída em retículo cúbico.  Observa-se assim que a hercinita apresenta dureza inferior aos demais minerais. A razão para tal pode ser atribuída ao fato do Fe, com seu raio iônico maior (0,78 Å), contribuir com mais espaços vazios na estrutura da hercinita, levando a uma dureza um pouco abaixo dos demais minerais da mesma série do espinélio, apesar de Pimentel (2013) informar que as propriedades dependentes da geometria interna e da natureza da ligação química serem notavelmente constantes em todo o grupo do espinélio.  Com os valores de 7,5 e 8,0 para a dureza desta série, pode-se entendê-las constantes.

 

Tabela 10 – Relação dureza x densidade do grupo do espinélio, série espinélio

Mineral Fórmula química Densidade relativa Dureza Raio cátion (Å) Peso atômico
Espinélio MgAl2O4 3,64 8,0 0,72 Mg=24,305
Hercinita Fe2+Al2O4 3,95 7,5 0,78 Fe= 55,845
Gahnita ZnAl2O4 4,3 8,0 0,74 Zn =65,38

 

A tabela 11 apresenta os valores de densidade e dureza dos minerais do grupo espinélio, série da magnetita, organizados em ordem crescente de densidade e com os valores do cátion na posição A da fórmula AB2O4, em coordenação 6.

As razões apresentadas para o menor valor de dureza da hercinita na série espinélio, não se coadunam com o ocorrido na série da magnetita.  Naquela série o ponto de partida foi o maior valor do cátion Fe na posição A da fórmula AB2O4.  Nesta, o objeto de análise é o maior valor de volume da célula unitária da trevorita, em que o Ni apresenta o menor raio catiônico (0,69 Å), para justificar a menor dureza entre os minerais da tabela. Observa-se assim que o Fe da hercinita apresenta o maior raio catiônico (0,78 Å) em uma célula unitária de volume 538,56, o maior entre os minerais da série, enquanto o Fe da magnetita continua apresentando o maior raio catiônico (0,78 Å) mas em célula unitária de valor intermediário dentre os minerais (590,80). Assim, o maior valor de célula unitária na série da Magnetita é do mineral trevolita, onde o Ni, apesar de apresentar o menor raio catiônico, apresenta o maior valor de célula unitária (594,82).  Desta forma, a menor dureza da trevolita está relacionada ao maior volume de sua célula unitária, que por sua vez tem relação com o maior volume do cátion na célula. Por outro lado, o da maior dureza, as ligações químicas na magnesioferrita têm tendência a covalente e, como consequência, o menor volume da célula e maior dureza

As propriedades dependentes da geometria interna e da natureza da ligação química são notavelmente constantes em todo o grupo (Pimentel, 2013). Entretanto, essa constância de propriedades é melhor observada quando analisados os minerais de cada série, pois cada série de soluções sólidas apresenta valores de dureza muito próximos entre seus minerais. Por exemplo, a série do espinélio a dureza varia de 7,5 a 8,0, na da magnetita varia de 5,0 a 6,5 e na da cromita, de 5,5 a 5,8 (tabelas 11, 12 e 13).

 

Tabela 11 – Relação dureza x densidade do grupo do espinélio, série da magnetita.

Mineral Fórmula química Densidade relativa Dureza Raio do cátion (Å) Volume célula unitária Volume do cátion
Magnesioferrita MgFe23+O4 4,65 6,0-6,5 0,72 585,54 304,48
Magnetita Fe2+Fe23+O4 5,15 5,5-6,0 0,78 590,80 307,21
Trevorita NiFe3+O4 5,16 5,0 0,69 594,82 309,31

 

A tabela 12 apresenta os valores de densidade e dureza dos minerais da série da cromita, organizados em ordem crescente de densidade e com os valores do cátion na posição A da fórmula AB2O4, em coordenação 6.

Nesta série, apesar dos valores de dureza estarem muito próximos e seguirem a ordem de crescimento da densidade, pode-se entender que o mineral de menor dureza é a cromita, pelas mesmas justificativas dadas em função dos maiores valores de raio do cátion(Å), volume da célula unitária e do volume do cátion. Pelo lado da maior dureza, a magnesiocromita, com o Mg em menor peso atômico, tem ligeira compensação pelo maior empacotamento dado pela ligação com tendência a covalente. Da mesma forma que nas séries anteriores deste grupo, peso atômico dos cátions diferentes (posição A na fórmula) e densidade relativa apresentam relação de proporcionalidade direta.

 

Tabela 12 – Relação dureza x densidade do grupo do espinélio, série da cromita.

Mineral Fórmula química Densidade relativa Dureza Raio do cátion (Å) Volume célula unitária Volume do cátion
Magnesiocromita MgCr2O4 4,2 5,5 0,72 567,05 294,86
Cromita FeCr2O4 4,5-5,09 5,5 0,78 584,28 303,82
Zincocromita ZnCr2O4 5,32 5,8 0,74 582,60 302,95

 

CONCLUSÕES

Ao se construir uma tabela com todos os minerais mais conhecidos e ordená-los por valores crescentes de densidade, os valores de dureza não apresentam correspondência nem positiva e nem negativa. Ou seja, não se observa nenhuma relação de proporcionalidade entre valores de densidade e dureza quando listados todos os minerais em ordem crescente de densidade.

A relação de proporcionalidade, direta ou indireta, entre as propriedades físicas densidade e dureza são observadas em tabelas de apenas alguns grupos específicos de minerais.

 

Em outros, não houve variação da dureza com o aumento da densidade quando considerados todos os minerais da tabela. Há variação da dureza, em relação de proporcionalidade direta, quando agrupados dois ou mais minerais no mesmo grupo, como ocorre com os carbonatos do grupo da calcita e entre os minerais isoestruturais com o rutilo, em que a relação é direta entre rutilo e stishovita e indireta entre os demais.

No grupo da aragonita, a relação de proporcionalidade inexiste. Entretanto, analisando-se os carbonatos calcita e aragonita em relação específica entre eles, constata-se que a relação direta entre densidade e dureza está presente

No grupo do periclásio inexiste a relação de proporcionalidade, apenas os minerais periclásio, manganosita, hongquiíta e bunsenita, de maior dureza, apresentam um comportamento de dureza constante para o aumento da densidade entre eles.

Há relação de proporcionalidade direta entre densidade e dureza nas séries da cromita, inversa na série da magnetita e sem proporcionalidade na série espinélio, todas do grupo espinélio.

O grupo isomórfico hexagonal romboédrioc da hematita (óxidos simples) apresenta a relação de proporcionalidade inversa da dureza com a densidade.

No grupo isomórfico tetragonal do rutilo observa-se a relação densidade x dureza mais característica entre os minerais rutilo e stishovita, em que a densidade crescente é acompanhada pela dureza também crescente desses minerais. O comportamento geral do grupo é de inexistência de relação de proporcionalidade.

A série de minerais polimórficos, constituída pelos minerais andaluzita, sillimanita e cianita apresenta uma dureza constante, em torno de 7, para o crescente valor de densidade da andaluzita à cianita.

Os casos de minerais polimórficos como a pirita e a marcassita (FeS2) e a calcita e aragonita (CaCO3) apresentaram relação de proporcionalidade direta em que o aumento da densidade correspondeu ao aumento da dureza entre as duplas de minerais, o mesmo acontecendo para os minerais grafita e diamante.

 

Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Marcondes Lima da Costa pela não tão insistente, mas boa, cobrança sobre a conclusão deste trabalho e pela sua colaboração no direcionamento norteador das atividades.

 

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