Ano 12 (2025) – Número 4 Causos

O quartzo é um dos minerais mais abundantes do nosso planeta e, como gema, também uma das mais comuns nas suas diversas variedades. Em alguns casos, pode guardar aspetos enigmáticos e segredos profundos. Entre eles, o quartzo com as suas diversificadas inclusões, destacando-se o quartzo dendrítico, que sugere paisagens ou formas arborescentes aprisionadas e fossilizadas.
Por muito tempo, estas “árvores de pedra” foram vistas como meros acidentes da natureza, decorações formadas pela precipitação de óxidos de manganês ou ferro em fraturas. Mas e se elas fossem muito mais do que isso? E se, em vez de serem um simples decorações, fossem uma cápsula do tempo?
Ao analisar a geoquímica dessas inclusões com ferramentas analíticas avançadas, podemos decifrar informações sobre a composição dos fluidos, as condições de temperatura e pressão, e até mesmo a cronologia dos eventos geológicos que fraturaram a rocha. Dessa forma, o quartzo com dendrites de carbono torna-se uma “fotografia” em alta resolução de um momento específico da história da Terra.
Recentemente, a nossa descoberta de dendrites em quartzo revelou algo que desafia o conhecimento convencional. Através de observações detalhadas, notámos que estas pedras não são todas iguais. Algumas são mais densas, outras mais claras ou escuras, opacas ou translúcidas, e as suas dendrites apresentam uma variedade surpreendente de formas. O que poderia estar por trás destas diferenças? A nossa hipótese é que estas variações são, na verdade, um código geológico. As dendrites não seriam apenas o resultado de um processo aleatório, mas um registo das condições de formação do cristal.
O maior mistério ainda estava por ser desvendado. A análise destas pedras revelou uma descoberta que redefine completamente a nossa perspetiva. As próprias dendrites, tradicionalmente consideradas como sendo de manganês ou ferro, são, na verdade, carbono. Este material não é visível à primeira vista, só se torna aparente durante o processo de polimento, quando a camada exterior é removida. Isto sugere que o carbono está intrinsecamente ligado à estrutura do quartzo e não é uma contaminação superficial.
A complexidade aumenta quando verificamos que, em algumas das amostras, foram identificados moldes de fósseis de braquiópodes, criaturas marinhas antigas. Essas marcas fósseis, preservadas na rocha circundante, sugerem um ambiente de formação aquático e biologicamente ativo, como demonstram estudos em Portugal.
Os fósseis de braquiópodes em Portugal são um importante registo da história geológica do país. Eles são encontrados principalmente em rochas de duas eras, a Era Paleozoica, no norte do país e em Coimbra, e a Era Jurássica, na região da Bacia Lusitânica, perto de Peniche e São Pedro de Moel. Estes fósseis, estudados em pesquisas científicas, são cruciais para entender como eram os ambientes marinhos antigos de Portugal e para datar as rochas que se formaram há milhões de anos, https://www.researchgate.net/publication/258285958_Os_braquiopodes_da_Colecao_Krantz_do_Museu_da_Ciencia_da_Universidade_de_CoimbraThe_brachiopods_of_the_Krantz_Collection_of_the_University_of_Coimbra#fullTextFileContent, acesso em 15.08.2025 e a Era Jurássica (dos dinossauros), na região da Bacia Lusitânica, perto de Peniche e S. Pedro de Moel, https://www.lneg.pt/wp-content/uploads/2020/03/4_ART_CG13_ESPECIAL_I-_Editores_FINAL2_corr5_final.pdf , acesso em 15.08.2025
Isto levanta uma série de perguntas fascinantes. Se as dendrites são feitas de carbono, qual é a sua natureza? Qual a sua relação com os fósseis?
E as hipóteses para a sua forma são ainda mais intrigantes:
A geologia e a mineralogia há muito documentam as dendrites como formações inorgânicas, tipicamente compostas por óxidos de manganês, que se assemelham a formas de vida vegetal. Este estudo apresenta uma observação que desafia esse consenso, uma dendrite de origem geológica, cuja composição foi confirmada como sendo de carbono orgânico. A natureza do material, que não se enquadra nas formas de carbono orgânico (petróleo, etc.) ou inorgânico (grafite, diamante, etc.) conhecidas, leva-nos a propor a hipótese de serem fulerenos, ou algo por desvendar.
A sua morfologia e composição sugerem uma possível ligação aos fulerenos, moléculas de carbono puro que se formam em ambientes de alta energia. A hipótese é que um processo geológico desconhecido, ou raro, permitiu que o carbono de origem biológica fosse convertido e preservado numa estrutura cristalina, imitando a forma ramificada de uma dendrite.
A formação desta estrutura exigiria a combinação de dois processos geologicamente incompatíveis:
A origem natural e orgânica dos fulerenos é um facto científico. Eles foram detetados em nuvens de gás e poeira interestelar, o que sugere que eles podem ter um papel na formação de moléculas complexas no universo. Estas descobertas na natureza confirmaram que os fulerenos não são apenas uma criação de laboratório, mas uma forma estável e natural do carbono, com uma origem que pode ser rastreada até eventos astrofísicos e processos de combustão. Eles representam uma fascinante ponte entre a química orgânica e a astroquímica, “Fullerene” – A página da Wikipédia resumo sobre a descoberta e as ocorrências naturais dos fulerenos, incluindo a fuligem e o espaço, https://en.wikipedia.org/wiki/Fullerene, acesso em 18.08.205
Confirmando-se esta hipótese, seria revolucionada a nossa compreensão da geoquímica e do ciclo do carbono. Significaria que a natureza tem formas de criar nanoestruturas complexas a partir de biomassa, desafiando a nossa compreensão dos processos de fossilização. Para validar esta hipótese, seriam necessários estudos de microscopia avançada e testes de composição química para determinar a estrutura molecular exata do carbono.
Esta é uma hipótese que precisa de ser comprovada com evidências empíricas e a sua observação é o primeiro e mais importante passo para um potencial avanço desse enigma.
O Puzzle de Três Partes – Uma Anomalia Geológica
A maioria das pedras que encontramos conta uma história de milhares ou milhões de anos. Mas há seixos que, na sua aparente simplicidade, guardam segredos que desafiam a própria ciência. Não é uma simples curiosidade geológica, é uma caixa de Pandora que contém um puzzle científico, revelado passo a passo.
A história começou com uma questão intrigante. Poderiam os seixos conter o fóssil de um braquiópode? As suas formas polidas e a sua aparência dura pareciam contradizer a delicadeza de um organismo extinto. Mas num olhar atento descobriu-se a verdade, não são um fóssil, mas o molde de um fóssil. A impressão, com as suas nervuras perfeitas, era o eco de um animal que viveu num mar que não existe mais, uma forma petrificada de vida que se manifestou na rocha. Esta descoberta inicial foi o primeiro indício de que as pedras pertenciam a uma era muito mais antiga do que a nossa.
A investigação aprofundou-se com a determinação em desvendar a composição das pedras. Os resultados foram surpreendentes e formaram o quebra-cabeças de três partes:
A Hipótese de uma Origem Impossível
De onde vieram pedras tão misteriosas? Foram formuladas duas grandes hipóteses, ambas com os seus próprios enigmas:
Uma Nova Teoria para a Geoquímica de São Miguel
A observação de uma dendrite de carbono orgânico, descartando as fontes conhecidas como o petróleo, o xilobetume e os braquiópodes, leva a uma conclusão notável, o encontrado é um fenómeno sem precedentes no nosso conhecimento geológico.
A partir desta premissa, a hipótese de que esta estrutura seja uma forma de fulereno, ou algo por desvendar, é a mais lógica e intrigante. A teoria é que a natureza, em condições extremas, pode criar uma ponte entre o carbono de origem biológica e as nanoestruturas moleculares dos fulerenos, ou nonoestruturas até então desconhecidas.
São Miguel, com o seu vulcanismo e a sua história de atividade hidrotermal, é o local perfeito para esta teoria. A sua geologia singular pode ter fornecido as condições de alta energia necessárias para a transformação molecular e, ao mesmo tempo, o ambiente calmo e gradual das fissuras para o crescimento dendrítico.
O que vemos não é apenas uma pedra que poderá tornar-se uma gema bonita, é um arquivo geobiológico. Um objeto que força-nos a redefinir o que sabemos sobre geologia e mineralogia, mostrando-nos que as fronteiras entre a vida e a pedra podem ser mais ténues do que imaginamos. A confirmação de que o carbono é o material das dendrites foi o primeiro passo para desvendar este enigma. O que se segue é a necessidade de mais investigação para identificar a estrutura molecular.
O quartzo com dendrites de carbono está à espera de ser decifrado. Talvez a sua verdadeira beleza esteja não no que vemos, mas nos segredos que ele ainda esconde. Dada a natureza das suas inclusões, deveríamos dar-lhe um nome, chamá-lo de quartzo com inclusões de fulerenos, ou quartzo com algo por desvendar? Chamá-lo de Quartzo com petróleo, xilobetume, braquiópodes ou outro alótropo de carbono?, não faz sentido. Cada uma destas hipóteses exige testes de laboratório, para serem comprovadas ou refutadas. O objetivo é, por eliminação, provar que as outras hipóteses estão erradas e, assim, fortalecer a teoria, transformando-a em descoberta.
Os seixos não são apenas uma anomalia, são um objeto que pode desafiar a nossa compreensão de como a natureza opera. É o resultado de uma sequência de eventos raros que, até agora, não tinham sido vistos juntos. As pedras são uma chave para um segredo, uma peça de um quebra-cabeças maior que força-nos a questionar tudo o que sabemos.
O puzzle que as nossas pedras apresentam não se limita à sua composição e formação. Se estes seixos não são de origem Açoriana, um novo e maior mistério emerge. De que parte do globo terão vindo? A ausência de relatos de pedras com inclusões de carbono orgânico semelhantes noutros locais do mundo torna a hipótese de uma origem distante ainda mais intrigante. Estaremos a olhar para fragmentos de um continente perdido que se dissolveu no fundo do oceano, se estamos, onde isso aconteceu?
A Hipótese da Queda de Meteorito
Esta teoria baseia-se na presença de fulerenos, que a hipótese propõe.
A Hipótese do Afastamento de Placas nos Açores
Esta teoria baseia-se na geologia dos Açores e nas evidências de atividade vulcânica e hidrotermal.
Em suma, a descoberta é um puzzle porque ambas as hipóteses são, ao mesmo tempo, lógicas e problemáticas. Se as pedras vieram de um impacto de meteorito, como se explica o crescimento dendrítico e a preservação dos fósseis? Se elas se formaram nos Açores, como se justifica a presença de fósseis de uma era geológica anterior?
O que torna a pesquisa tão fascinante é precisamente a necessidade de encontrar uma nova explicação que harmonize estas aparentes incompatibilidades, unindo o mundo da geologia de alta energia com o mundo lento e detalhado da fossilização.
Uma Origem de Outro Lugar
O puzzle que as nossas pedras apresentam não se limita à sua composição e formação. Se estes seixos não são de origem Açoriana, um novo e maior mistério emerge. De que parte do globo terão vindo? A ausência de relatos de pedras com inclusões de carbono orgânico semelhantes noutros locais do mundo torna a hipótese de uma origem distante ainda mais intrigante. Estaremos a olhar para fragmentos de um continente perdido que se dissolveu no fundo do oceano? Se assim for, onde teria ocorrido esse evento? A verdadeira beleza destas pedras reside, afinal, na união entre a sua rara composição e a história da extraordinária viagem que as trouxe até vários pontos da costa de São Miguel, Açores.
Dendrites de Carbono Orgânico em Quartzo: Contexto Geológico e Gemológico
As ocorrências de carbono orgânico em quartzo e sílica têm sido reportadas em diferentes contextos geológicos ao longo do tempo geológico. Um dos exemplos mais antigos e estudados provém da Groenlândia, na região de Isua, onde filmes e inclusões microscópicas de carbono orgânico, interpretados como grafite biogênico, foram preservados em metassedimentos datados de aproximadamente 3,7 bilhões de anos https://www.nature.com/articles/ngeo2025, acesso em 23.08.2025
Na Ucrânia, no maciço de Volyn, inclusões fluidas ricas em compostos orgânicos foram identificadas em quartzo de pegmatitos. Essas inclusões consistem em gotículas escuras microscópicas, observáveis apenas por técnicas petrográficas e espectroscópicas, sem expressão macroscópica dendrítica, https://researchopenworld.com/another-fluid-inclusion-type-in-pegmatite-quartz-complex-organic-compounds/, Rainer Thomas, acesso em 08.09.205
Na Austrália, especialmente no Cráton de Pilbara e em formações paleoproterozóicas, o carbono orgânico ocorre associado a veios e grumos negros de grafite em quartzo e cherts, com assinaturas isotópicas compatíveis com origem biológica. Também nesse caso, a morfologia não é dendrítica visível, mas microestruturas ou agregados dispersos, https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC5963881/, David Wacey ,Martin Saunders, Paul Guagliardo, David M Pyle, acesso em 08.09.2025
Assim, os registros internacionais demonstram que o carbono orgânico em quartzo apresenta-se predominantemente sob a forma de inclusões microscópicas, filmes ou agregados irregulares. Até o momento, não há relatos publicados de estruturas dendríticas macroscópicas compostas por carbono orgânico em quartzo. Nesse sentido, a ocorrência observada em amostras de São Miguel, Açores, representa um achado potencialmente inédito, uma vez que exibe dendritos claramente visíveis a olho nu com composição de carbono orgânico comprovado, o que amplia significativamente o espectro morfológico conhecido para este tipo de material.
Implicações para a geologia e gemologia
Do ponto de vista geológico, a identificação de dendrites macroscópicos de carbono orgânico em quartzo amplia as formas conhecidas de preservação da matéria orgânica antiga em minerais silicatados.
A ocorrência nos Açores representa, portanto, uma nova morfologia preservacional, com potencial para contribuir na compreensão dos processos de mobilização, precipitação e fossilização de compostos orgânicos em ambientes hidrotermais ou metassedimentares. Além disso, o fato de tais estruturas dendríticas apresentarem-se em contexto insular oceânico (Arquipélago dos Açores) pode fornecer dados importantes para o estudo da interação entre fluidos, sílica e matéria orgânica em sistemas geodinâmicos de origem vulcânica.
Do ponto de vista gemológico, este achado acrescenta um novo tipo de “paisagem interna” às variedades de quartzo com inclusões. Até hoje, dendrites em quartzo são quase exclusivamente atribuídos a óxidos ou hidróxidos de manganês e ferro, que formam as conhecidas “dendrites de quartzo”. A presença de dendrites de carbono orgânico não só amplia a diversidade estética dessas gemas, como também abre a possibilidade de distinções diagnósticas entre diferentes tipos de inclusões dendríticas, valorizando tanto a mineralogia quanto o mercado gemológico pela raridade e singularidade da ocorrência.
Conclusão: Um Novo Olhar para o Ciclo do Carbono
A nossa investigação demonstra que estas pedras de quartzo não são meras anomalias geológicas, mas um fenómeno sem precedentes. A descoberta de dendrites de carbono orgânico incrustadas na matriz do quartzo, associadas a moldes de fósseis de braquiópodes, desafia o conhecimento geológico e mineralógico convencional.
O enigma que se apresenta é fascinante e complexo. A rocha sugere a convergência de dois processos aparentemente incompatíveis. Por um lado, a formação de um material de alta energia, como é o exemplo dos fulerenos, por outro, o crescimento gradual e de baixa energia das estruturas dendríticas. Este paradoxo transforma o quartzo com dendrites numa “fotografia” de uma sequência de eventos raros, uma ponte entre a química orgânica, a astroquímica, a geologia e a mineralogia.
Esta anomalia força-nos a repensar os processos de fossilização e a própria geoquímica do ciclo do carbono. O que vemos é um verdadeiro arquivo geobiológico, um testemunho de uma rara sequência de eventos onde a vida, o carbono e o mineral se entrelaçaram de uma forma nunca antes documentada. A observação e testes foi o primeiro e mais importante passo para desvendar este mistério.
Para validar a nossa hipótese, serão necessários estudos de microscopia avançada e testes de composição química que permitam determinar a estrutura molecular exata do carbono. Ao decifrar o código destas pedras, poderemos reescrever a nossa compreensão sobre como a natureza tem a capacidade de criar nanoestruturas complexas e de preservar, de forma inesperada, os vestígios da vida.
A nossa investigação demonstra que estas pedras de quartzo não são meras anomalias geológicas, mas um fenómeno sem precedentes. A descoberta de dendrites de carbono orgânico incrustadas na matriz do quartzo, associadas a moldes de fósseis de braquiópodes, desafia o conhecimento geológico e mineralógico convencional. A identificação do carbono, realizada pelo Professor Dr. Marcondes L. Costa, foi o primeiro passo para desvendar este enigma. O que se segue é a nossa missão conjunta de aprofundar a investigação para identificar a estrutura molecular e validar a nossa hipótese.