01 – OS LATERITOS A SERVIÇO DA FÉ: A CATEDRAL NOSSA SENHORA DAS MERCÊS EM PORTO NACIONAL, TOCANTINS

Ano 09 (2022) – Número 02 Artigos

 10.31419/ISSN.2594-942X.v92022i2a1MENSM

 

 

…E sobre essa pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno (seria o intemperismo?, inserção dos autores) não prevalecerão contra ela…

Mateus Cap. 16, v. 18.

 

Maria Ecilene Nunes da Silva Meneses¹*, Marcondes Lima da Costa², Rosane Balsan¹

1Curso de Geografia, Universidade Federal do Tocantins, Porto Nacional, Tocantins, Brasil; mariaecilene@mail.uft.edu.br

2Instituto de Geociências, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil; marcondeslc@gmail.com

* autora correspondente

 

ABSTRACT

The Nossa Senhora das Mercês cathedral is located in the city of Porto Nacional, Tocantins state. This rustic and impressive church was built on the Tocantins River right margin between the years of 1894 and 1903, by the French Dominican friars, supported by local population efforts. This cathedral exhibits a romanesque architectural style being constructed using local raw materials, mainly lateritic fragments (ferruginized sandstones), ceramic bricks and mortar prepared with soil, wood stove ashes and grasses. Despite of the well-known high chemical stability of these rocks due to iron oxides and hydroxides minerals composition, some deterioration features were observed, as for example, the vegetation and micro-organisms communities growing on the surface of cathedral external walls, among other findings. Such biological activity promotes the weathering acceleration leading to detachment of building materials. To foment the preventive maintenance and the proper use of restoration materials and techniques, it is imperative to carry out studies about the geological provenance, chemical and mineralogical characteristics of these constructive materials.

Keywords: Nossa Senhora das Mercês Cathedral; building materials, biodeterioration, ferruginized sandstones; iron oxyhydroxides.

 

 

INTRODUÇÃO: A CATEDRAL NOSSA SENHORA DAS MERCÊS: UM POUCO DE HISTÓRIA

Fincada na margem direita daquele que foi um dia o rio Tocantins (atualmente transformado no Lago da Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães), desponta-se vigorosamente a Catedral Nossa Senhora das Mercês, que pela sua imponente beleza e rusticidade, arranca olhares deslumbrados de todos aqueles que a contemplam. Quer seja daqueles que passeiam displicentemente pela avenida Beira Rio (orla lacustre), quer seja dos que se embrenhando, pelas vielas emolduradas pelos casarios coloniais do centro histórico da cidade de Porto Nacional – TO, acabam se deparando junto aos pés da catedral (Fig. 1).

 

Figura 1 – Catedral Nossa Senhora das Mercês, situada no centro histórico de Porto Nacional (Foto: Marcio Di Pietro).

 

A Catedral Nossa Senhora das Mercês foi construída entre os anos de 1894 e 1903, com o empenho da comunidade local, liderada pelo frei dominicano Bartolomeu Meirinho, mais conhecido como Frei Berto. Os recursos financeiros vieram em sua maioria da Ordem dos Dominicanos Franceses, embora, contou-se também com doações espontâneas de padres, devotos e comerciantes locais (REIS, 1984).

A participação da população portuense se deu de forma voluntária para ajudar na construção da catedral. Enquanto os homens se ocupavam do transporte dos gigantescos blocos de rochas, carregados por carros de madeira, puxados por juntas de bois e na derrubada de árvores do cerrado para extração da madeira, as mulheres e, por vezes, crianças, organizadas em fila indiana, carregavam outros materiais, como as telhas e tijolos da beira do rio Tocantins até o local da obra (NASCIMENTO, 2016). De acordo com os relatos populares, o frei Berto ensinou várias habilidades à comunidade e treinou pessoalmente carpinteiros, pedreiros, lavradores de pedras, ferreiros, entre outros artífices, estando à frente da execução técnica da obra de construção da catedral.

Após 119 anos desde a sua inauguração, a catedral preserva ainda nos dias atuais a sua forma original e de acordo com Nascimento (2016), as poucas e principais alterações foram a instalação de energia elétrica e substituição das janelas de tecidos por janelas de vidros coloridos, trazidos de Belém-PA por volta da década de 20. O forro em madeira, restrito ao local do presbitério, foi colocado no ano de 1975 e em 1980 foram instalados ventiladores e aparelhagem de som.

Os registros disponíveis apontam também, que poucas foram as manutenções e reparos realizados na estrutura do templo, desde a sua construção.  As intervenções registradas começaram em 1950 com a retirada dos retábulos de madeira que estavam infestados de cupins. Entre 1997 e 2002, foram feitos alguns reparos no telhado, pois, estava bastante deteriorado e também no arco da entrada principal, que devido a ocorrência de fissuras, foi estabilizado com a construção de um sub-arco de concreto. Em 2018, a catedral foi interditada para mais uma reforma que foi concluída em março de 2019, agora já sob a responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

O tombamento da Catedral Nossa Senhora das Mercês e de seu entorno pelo IPHAN, ocorreu em 2008.  A área delimitada abrange cerca de 250 edificações, conjuntos de ruas, largos e praças, incluindo a avenida Beira Rio. A área tombada abrange parte da zona central da cidade e compreende o sítio natural, a malha urbana e as arquiteturas implantadas desde a fundação do município até a década de 1960. O local ainda apresenta remanescentes da maior parte do acervo arquitetônico representativo do período da mineração do ouro (segunda metade do século XVIII), até meados do século XX (IPHAN, 2007).

A Catedral Nossa Senhora das Mercês é considerada um marco cultural e um dos monumentos históricos mais antigos da região, além disso, concentra ainda grande importância religiosa, artística e turística para a população portuense e tocantinense de um modo geral. Diante de toda essa importância, torna-se imperativo além de se manter vivo os aspectos históricos do monumento, também buscar conhecer a proveniência geológica e a natureza químico-mineralógica dos seus materiais construtivos, a fim de se instrumentalizar de forma adequada as ações voltadas para ações de conservação e/ou restauração desta edificação que há mais de um século está exposta à ação das intempéries naturais e antrópicas.

 

ESTILO ARQUITETÔNICO E MATERIAIS CONSTRUTIVOS

Na construção da Catedral Nossa Senhora das Mercês, o estilo arquitetônico barroco característico da época colonial, foi deixado de lado e adotado o estilo românico proveniente da França.  A Catedral Nossa Senhora das Mercês foi inspirada na Basílica de Saint Sernin localizada na cidade francesa de Toulouse, que foi consagrada em 1096 pelo papa Urbano II e é atualmente a maior igreja românica preservada na Europa (BARROS, 2008). Na época da construção da catedral Nossa Senhora das Mercês em Porto Nacional, havia de acordo com os relatos populares, uma miniatura da referida obra trazida da França pelos padres dominicanos.

A arquitetura românica surgiu na Europa por volta do século X e durou até a segunda metade do século XII, evoluindo assim, para a arquitetura gótica. As igrejas românicas caracterizam-se por serem austeras, robustas, normalmente construídas em blocos de rochas, e em alguns casos também tijolos, com paredes grossas e apoiadas por contrafortes e com janelas minúsculas. As janelas apresentam-se em arcos arredondados (arco romano), assim como, também as portas. Essas características se devem principalmente a natureza dos materiais construtivos disponíveis nos locais, onde normalmente eram construídas essas igrejas (longe dos centros urbanos) e às técnicas conhecidas no início da idade média europeia (BARROS, 2008, SANTOS, 2016).

A presença de muitas dessas características é observada na Catedral Nossa Senhora das Mercês. A começar pelas paredes que foram assentadas majoritariamente em blocos rochosos alternados com tijolos cerâmicos.  A parte superior da fachada frontal do templo é arrematada por uma cornija que delineia no centro algo similar a um frontão, o qual está apoiado sobre um grande arco pleno, que por sua vez, está sustentado por um par de ordens clássicas de cada lado. As mesmas estão colocadas transversalmente ao plano da fachada, estabelecendo o recuo da parede central. Apresenta frontalmente três portas, uma centralizada que que dá acesso a nave principal, e duas entradas secundárias que acessam as naves colaterais (Fig. 2A). Seguindo a tradição da arquitetura religiosa, a fachada principal da catedral está voltada para o oeste, contemplando a hodierna placidez das águas cativas do rio Tocantins.

A planta característica das igrejas românicas segue o padrão basilical, sendo em cruz latina, ou em menor escala em cruz grega, com três ou cinco naves sempre cobertas por abóbadas de berço (BARROS, 2008, SANTOS, 2016). Já na Catedral de Porto Nacional essa planta é retangular, com três naves apenas, não apresentando o característico transepto cruciforme. A cabeceira apresenta forma retangular e é bastante simples, composta apenas pelo presbitério (abside) centralizado e duas salas laterais (absidíolas) onde funcionam respectivamente uma sacristia e a cripta onde estão sepultados três bispos deveras contextual e historicamente importantes.

A cobertura é de telhado com telhas cerâmicas e com as estruturas de madeira entesouradas, expostas internamente, sendo composto por duas águas na nave central e uma água em cada nave colateral.

Além das três portas localizadas no frontispício, há também uma porta em cada lateral do templo e duas portas na fachada dos fundos, totalizando sete portas, sendo todas de madeira. As janelas em esquadrilhas de alumínio e vidro estão localizadas no frontispício (11), nas fachadas laterais simetricamente distribuídas (13 em cada lateral) e na fachada traseira (5). Além das janelas, nota-se a presença de nove aberturas circulares (óculos). Uma delas está centralizada próxima ao topo da fachada traseira (empena), similarmente a uma rosácea, entretanto, sem o mesmo colorido fulgente típico dos vitrais. As demais estão alinhadamente embutidas na faixa da parede da nave central, que se prolonga acima dos telhados de ambas as naves colaterais, configurando uma espécie de clerestório, também observado em igrejas de estilo arquitetônico gótico (Fig. 2B).

 

Figura 2: Elementos arquitetônicos presentes na Catedral Nossa Senhora das Mercês destacados na fachada oeste (A) e norte (B): 1 – cornija, 2 – frontão, 3 – grande arco central, 4 – pares de ordens clássicas, 5 – telhado da nave principal, 6 – nave colateral setentrional, 7 – abside, 8¬ – sala lateral (absidíola) setentrional, 9 – clerestório.

 

Com relação aos materiais construtivos estruturais, os blocos rochosos utilizados na construção da catedral consistem em materiais conhecidos popularmente como “pedra canga” (GODINHO, 1988). Trata-se, porém, de fragmentos lateríticos (arenitos ferruginizados) que foram entalhados em cantaria e apresentam dimensões muito variadas, superfícies que variam de maciças a conglomeráticas   e coloração predominantemente marrom (Fig. 3).

Figura 3 – Detalhe dos blocos rochosos cimentados por argamassa, mostrando as feições texturais dos fragmentos lateríticos (arenitos ferruginizados).

 

Esses blocos foram utilizados desde os alicerces, construídos a partir de dois metros abaixo do nível do solo e se estendem ao longo de toda a extensão da edificação, com marcada concentração nas porções inferior e superior das fachadas, entremeados por largas faixas de tijolos cerâmicos, também empregados na obra (Fig. 4 e 5).

Na fachada frontal, os blocos lateríticos foram utilizados em sua porção inferior equivalendo a aproximadamente um terço da dimensão espacial das paredes, contendo cerca de 17 fiadas. São também os constituintes das bases das pilastras quadradas e das ordens arquitetônicas.  No topo dessa fachada, sua distribuição se dá de forma bastante irregular. A área do frontão é integralmente assentada em blocos lateríticos, com um total de 15 fiadas, enquanto, lateralmente a faixa ocupada pelos blocos se torna mais estreita e irregular, variando em torno de 3 a 15 fiadas, com perceptível assimetria entre ambos os lados (Fig. 4 e 5).

Nas paredes das naves colaterais (fachadas norte e sul), os blocos ocupam a sua porção inferior, com números de fiadas variáveis entre 7 (sul) e 9 (norte), sendo substituídos a partir daí, por uma faixa de tijolos que se estende até o telhado das naves colaterais. Acima desses telhados, os blocos reaparecem na composição integral das paredes do clerestório, elevando-se até o telhado da nave principal (Fig. 4).

 

Figura 4 – Disposição espacial dos blocos lateríticos (arenitos ferruginizados) concentrados nas porções inferior e superior da catedral. Detalhe dos blocos na parede da nave lateral norte (A) e na base de uma ordem arquitetônica (B).

 

O maior adensamento inteiriço e homogêneo dos blocos lateríticos é observado na cabeceira da catedral. Onde a totalidade das paredes, incluindo a ampla fachada oriental são inteiramente edificadas em blocos lateríticos da base ao topo, excetuando-se apenas o emoldurado das janelas e portas arrematados em tijolos cerâmicos.

Os tijolos cerâmicos, que constituem uma parcela significativa na construção, foram moldados a partir de sedimentos argilosos aluvionares extraídos da planície de inundação da margem esquerda do rio Tocantins, em um local conhecido como Ribeirão dos Potes (OLIVEIRA, 1997). Esse vilarejo era um remanescente quilombola que distava cerca de 3 km ao sul da obra, à montante do rio Tocantins, e foi tragado por suas águas por ocasião do represamento para fins hidroelétricos, e atualmente se encontra completamente submerso. Seus moradores se deslocaram para Porto Nacional, trazendo consigo e implantando na cidade o artesanato em cerâmica, atividade que vigora até os dias de hoje.

Os tijolos apresentam dimensões e formatos variados para atender aos diversos empregos ao longo da obra. Aparecem constituindo a porção intermediária de todas as paredes (exceto a fachada oriental e demais paredes que compõem a cabeceira), no corpo das pilastras, nas colunas e capitéis, no grande arco da fachada frontal e nos demais arcos das portas e janelas, e por vezes, aparece entremeando as fiadas de blocos rochosos. Nas paredes das naves laterais aparecem ora expostos, ora chapiscados parcialmente por reboco (Fig. 4 e 5). O assente dos blocos rochosos e dos tijolos foi feito em argamassa, feita de uma mistura de cinza, areia e água, e amassada com os pés até se conseguir o ponto ideal de ligamento. Essa cinza era recolhida dos fogões à lenha nas residências (OLIVEIRA, 1997).

 

Figura 5 – Tijolos cerâmicos empregados em vários elementos da edificação da catedral Nossa Senhora das Mercês: A) detalhe do arco central e arcos das janelas; B) nas ordens arquitetônicas que sustentam o arco central; C) colunas e arcos da porta principal; D) detalhe dos tijolos empegados nas colunas localizadas na entrada principal.

 

AS CROSTAS LATERÍTICAS FERRUGINOSAS E O INTEMPERISMO TROPICAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS CONSERVATIVOS DA CATEDRAL

A utilização de rochas como materiais construtivos remonta de longa data. De acordo com Costa et al. (2009), os materiais lateríticos, por exemplo, vêm sendo empregados em construção desde que o homem começou a empregar rochas como artefatos e como abrigo, ainda no Paleolítico. E na Amazônia o uso destes materiais em construções mais sólidas remonta à chegada dos portugueses ainda no século XVI, como igrejas, conventos e fortalezas militares.

Os fragmentos lateríticos utilizados na construção da Catedral Nossa Senhora das Mercês são provenientes da unidade geológica denominada de Coberturas Detrito-lateríticas Ferruginosas – Arenito e Conglomerado e estão fortemente presentes nessa região do município de Porto Nacional e arredores, que são remanescentes de cobertura de crostas lateríticas que recobriram a região (CPRM, 2004). Os fragmentos utilizados provêm, assim, do desmantelamento dessas crostas, que a julgar pelas feições texturais desses blocos, não seriam tipicamente as clássicas crostas lateríticas e sim, arenitos ferruginizados, provavelmente relacionados a formações lateríticas pouco desenvolvidas sobre as formações areníticas. Observações mesoscópicas permitiram deduzir que estes fragmentos de um modo geral são constituídos de hematita e goethita, caulinita e quartzo (talvez gibbsita).

A grande durabilidade e resistência destes materiais lateríticos se dá justamente pelo fato de que, a sua origem já é decorrente de um processo intempérico paleotropical, que se assemelha parcialmente ao reinante atualmente na região, portanto, seus minerais são em geral estáveis às novas condições climáticas. No entanto, são sensíveis às atividades de fungos, bactérias e das atividades radiculares da vegetação de pequeno a grande porte. Portanto, são materiais que também se degradam com o tempo, se não forem devidamente monitorados. Assim, as condições ambientais (especialmente o clima e a tipo de cobertura vegetal) dos locais onde estão situadas as edificações, contribuem para a sua deterioração no decorrer do tempo.

Em áreas florestadas da Amazônia, por exemplo, a atuação de climas mais úmidos tem contribuído para a deterioração dos materiais construtivos, (incluindo as próprias crostas lateríticas ferruginosas) empregados na construção de edificações, como observado no trabalho de Norat (2017), Norat e Costa (2018) e (2019). A presença de florestas e consequente abundante disponibilidade de matéria orgânica contribui para a degradação das crostas, que através da produção de ácidos húmicos complexos e ação de micro a macro raízes, promovem a alteração biofísica e bioquímica, uma arte de pedogênese micro local sobre estes materiais. Neste contexto, a transformação de crostas lateríticas em latossolos tem sido amplamente discutida no âmbito amazônico, e a atividade vegetal é apontada como um dos fatores importantes nesse processo (HORBE e COSTA, 2005).

No que concerne à Catedral Nossa Senhora das Mercês, de um modo geral, apresenta-se em bom estado de conservação quanto aos aspectos estruturais e estéticos, como averiguado através deste trabalho. Entretanto, foi observado a proliferação de colônias de líquens recobrindo vários pontos de ambas as paredes laterais da edificação, crescendo diretamente sobre as crostas lateríticas e argamassa, preferencialmente. Além disso, verificou-se também a ocorrência, embora que de forma mais restrita, de vegetação de porte herbáceo e subarbustivo (Fig. 6), que se aproveita das áreas já modificadas pelas colônias de liquens. Apesar da intensa incidência solar ocorrente na maior parte do ano, provavelmente, essas áreas (ambas orientadas para norte e sul), não recebem iluminação suficiente, e assim, a umidade e o sombreamento tornem essas superfícies propícias para o crescimento desses organismos. Essa situação já havia sido anteriormente mencionada por Santos (2019), quando observou além disso, outras avarias, tais como o descolamento de tijolos e argamassa, manchas de umidade, ferrugem nas esquadrilhas das janelas e, destelhamento, que também são causadas por estes organismos e pelos contrastes térmicos. Esses danos foram parcialmente resolvidos ou interrompidos, mas não eliminados, por ocasião da reforma executada em 2018. Outros como as manchas de umidade, por exemplo, continuam bem aparentes ao longo das superfícies argamassadas principalmente. Com relação ao descolamento de tijolos e argamassa, a ocorrência é muito pontual. Todavia, é possível identificar em alguns pontos, a ocorrência de pequenos remendos utilizando cimento, provavelmente, na tentativa de conter esses desplacamentos de materiais, ação esta que descaracteriza a aparência original do monumento.

O fato de essa construção se encontrar localizada em ambiente climático tropical de savana (Aw conforme a classificação de Köppen), com uma longa estação seca (março a outubro) e vegetação de Cerrado, favorece a resistência dos materiais construtivos frente ao intemperismo. Todavia, o crescimento contínuo e não controlado desses organismos sobre a superfície dos materiais construtivos pode representar um problema futuro, haja vista que, podem causar a sua biodeterioração e favorecer a pedogênese desses materiais, propiciando a instalação mais efetiva de vegetação de maior porte.

 

Figura 6 – Crescimento de comunidades de líquens e vegetação sobre a superfície dos blocos de crostas lateríticas ou arenitos ferrruginizados.

 

Além da Catedral Nossa Senhora das Mercês, outros prédios históricos de natureza religiosa erguidos com a utilização de fragmentos rochosos podem ser encontrados pelo estado do Tocantins, a exemplo das ruínas da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (século XVIII) situada na cidade histórica de Natividade e da Igreja de Nossa Senhora da Conceição situada em Conceição do Tocantins, também construída do final do século XVIII (Fig. 7).  Essas obras, assim como a Catedral de Porto Nacional, devem ser estudadas, com vistas a melhor conhecer os materiais construtivos empregados e a sua procedência geológica e geográfica, pois assim permitirão realizar os trabalhos de restauro e conservação desses e de outros prédios que se farão necessários no futuro próximo.

 

Figura 7. Edificações utilizando fragmentos rochosos e tijoleiras (?). Acima, as ruínas da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos em Natividade, estado do Tocantins e abaixo, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Conceição do Tocantins , também no mesmo estado. Foto IPHAN.

 

REFERÊNCIAS

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 10.31419/ISSN.2594-942X.v92022i2a1MENSM