01 – A BAUXITA E A ILHA JAMAICANA: IMPRESSÕES DE UM VIAJANTE

Ano 12 (2025) – Número 4 Artigos

https://doi.org/10.31419/ISSN.2594-942X.v122025i4a1LBAN

A BAUXITA E A ILHA JAMAICANA: IMPRESSÕES DE UM VIAJANTE

 

Leonardo Boiadeiro Ayres Negrão

    Malvern Panalytical, São Paulo-SP, Brasil, boiadeiro.negrao@gmail.com

 

ABSTRACT

This article presents an overview of bauxite mining in Jamaica, integrating geological, historical, industrial, and cultural perspectives. Jamaican bauxites belong to the karst-type “terra rossa” deposits, characterized by a reddish clayey material in direct contact with Cenozoic limestones across the island’s karst terrain. Mineralogically, these bauxites are dominated by gibbsite with variable and often significant proportions of boehmite, with hematite, goethite, quartz, and minor clay minerals. The gibbsite and boehmite contents play a critical role in Bayer refining, as boehmite requires higher digestion temperatures, thus influencing both process conditions and mine blending strategies. Despite a decline from its mid-20th-century peak, bauxite and alumina production remain central to Jamaica’s economy, contributing substantially to exports and local development. The island also offers striking tropical landscapes and a vibrant cultural environment. The combination of geological uniqueness, active mining heritage, and cultural richness makes Jamaica a worthy destination for natural science enthusiasts, and for tourism in general.

 

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos tive a satisfação de visitar a Jamaica a trabalho e pude conhecer um pouco sobre a mineração de bauxita na região e a cultura local. Nesse breve relato não será possível compartilhar detalhes que envolvem as empresas envolvidas, mas apenas, em um caráter descontraído, comentar minhas impressões como geólogo, viajante e apreciador de bauxitas.

As bauxitas da Jamaica foram inicialmente reportadas no final do século XIX pelo geólogo britânico J. Sawkins (Drakapoulos, 2018). Entretanto, o interesse por esse “solo” avermelhado, estranho às rochas esbranquiçadas circundantes, aumentou apenas com a chegada da Segunda Guerra Mundial, devido a demanda crescente por alumínio. Não por acaso, as principais empresas ligadas a exploração de bauxita nesse tempo eram americanas. Certamente a afinidade cultural, pela Jamaica ter sido colônia Britânica, e mesmo a proximidade geográfica inferior a 900 km até os EUA (em linha reta), fazem da Jamaica e dos EUA grandes parceiros.

 

Figure 1 Mapa altimétrico da ilha da Jamaica. A porção elevada mais elevada é chamada de Blue Mountains.

 

Com investimentos acelerados, os primeiros cargueiros carregados de bauxita saíram de Ocho Rios, Jamaica, com destino aos EUA em 1952. Em 1957 a Jamaica figurava como o maior produtor de bauxitas do mundo, perdendo esse posto apenas em 1971 para a Austrália (Drakapoulos, 2018). Com a produção ainda em alta nos anos 70 e 80, pelo menos duas refinarias para produção de alumina foram criadas na ilha a partir de joint ventures formadas pelos principais players privados e o governo (Drakapoulos, 2018). Já a produção de alumínio metálico, não se tornou realidade, principalmente devido a limitação energética, perante  processo eletrolítico para produção de alumínio metálico que demanda alto consumo energético.

Com o declínio das reservas de bauxitas de alto teor, e a exploração de novos depósitos no mundo, incluindo os do Brasil, o ranking global da Jamaica como produtor de bauxitas veio caindo desde os anos 2000. Hoje a Jamaica figura na 8ª posição, com produção de 6,1 milhões de toneladas de bauxita em 2024, e 1,5 milhões de toneladas de alumina (USGS, 2025). No contexto local, a produção de bauxita e alumina continua economicamente relevante, contribuindo para cerca de 80% das exportações do país em 2024 (JMIF, 2025).

Essa relevância pode ser ainda mais evidenciada quando comparamos as dimensões e população da ilha. A Jamaica possui um território de 10.990 km2, com população de aproximadamente 2,1 milhões de pessoas, e atualmente quatro minas de bauxita em produção. Devido ao território relativamente pequeno e proximidade das minas às vilas, a mineração de bauxita é um tema ativo entre a população, incluindo seu impacto ambiental.

 

A BAUXITA TERRA ROSSA

A bauxita encontrada na Jamaica é certamente diferente da principal conhecida pela maioria dos leitores do BOMGEAM. Têm coloração marrom fortemente avermelhada, graças as altas concentrações de hematita (Fe2O3), e textura terrosa semelhante a um solo de granulometria fina, silte-argilosa, certamente diferente da bauxita laterítica rochosa e “dura” encontrada na Amazônia e África central. Esse tipo de bauxita não ocorre exclusivamente na Jamaica, mas também em outras ilhas caribenhas. Em outras partes do mundo, alguns depósitos já tiveram seu apogeu, com destaque para Hungria, Grécia, Itália e China. O termo terra rossa é italiano, e pode ser traduzido como terra vermelha. Outro termo muito utilizado é o Karstic Bauxites (bauxitas cársticas) de Bárdossy (1982).

Na Jamaica, essa bauxita terrosa encontra-se em contato direto com as rochas calcárias cenozoicas locais, tipicamente esbranquiçadas (Figura 2). O relevo cárstico ondulado, faz com que a bauxita ocorra no topo de morros, encostas e preenchendo diversos vales. Inclusive, a bauxita muitas vezes serve como substrato da densa e muito bela floresta tropical jamaicana. Os depósitos mais importantes estão no interior da ilha, em maiores atitudes nas Blue Mountains (com pico de 2256 m acima do nível do mar, Figura 1), onde partes da sequência Vulcano-plutônicas de idade Cenozoica aflora, quando não estão sobrepostas pelos calcários e bauxitas (Brown e Mitchell 2010).

 

Figure 2 Afloramento em corte de estrada jamaicana mostrando a bauxita terrosa e avermelhada em contato discordante com os calcários locais.

 

A gênese da bauxita tipo terra rossa ainda é bastante discutida. De uma forma geral, é um material alóctone, que presumivelmente se formou em locais próximos e posteriormente foi depositado sobre o relevo cárstico (Hill, 1955). A bauxita encontrada na Jamaica possui afinidade com rochas ígneas, tufos vulcânicos e mesmo rochas da sequência carbonática (Lyew-Ayee,1986), assim como a maioria dos tipos de depósitos semelhantes, sendo sua formação atribuída ao intemperismo das rochas circundantes. Por ser um material alóctone e altamente alterado, a determinação da rocha-mãe(s) é muito difícil, já que não se observam perfis de alteração contínuos nem mesmo estruturas sedimentares.

 

Figure 3 Mina desativada de bauxita em meio as montanhas da floresta tropical jamaicana.

 

Os principais minerais presentes na bauxita jamaicana são a gibbsita (Al(OH)3), boehmita (AlOOH), hematita (Fe2O3), goethita (FeOOH) e quartzo (SiO2). Em menores concentrações, outros óxi-hidróxidos de alumínio podem ocorrer, incluindo o polimorfo de Al(OH)3 nordstrandita e diásporo (AlOOH), além de anatásio (TiO2), rutilo (TiO2), caulinita (Al2Si2O5(OH)4) e minerais da rocha calcária, sendo calcita (CaCO3) o principal representante.

 

Figure 4 Difratograma de raios-X de uma bauxita jamaicana com baixa concentração de boehmita. Quantificação mineralógica a partir do método de refinamento de Rietveld.

 

DIFERENÇAS EM RELAÇÃO A BAUXITA LATERÍTICA

O mineral em maior proporção continua sendo a gibbsita, assim como nas bauxitas lateríticas. A principal diferença está na presença de boehmita e nas concentrações que esse mineral pode atingir, tipicamente entre 6-15%, mas podendo ser menor ou (muito) maior. Esse mineral possui um comportamento distinto no processo Bayer de transformação de bauxita em alumina. A dissolução de boehmita exige temperaturas mais altas (240-270°C) do que a necessária para dissolver gibbsita, de tipicamente 150-170°C (Vieira et al. 2018).

Dessa forma, as refinarias jamaicanas trabalham com temperaturas de dissolução mais altas comparadas as brasileiras, e reguladas de acordo com a proporção de alumina aproveitável em “baixa” e “alta” temperatura. A alumina aproveitável em baixa temperatura, é aquela alumina presente no material que pode ser convertida em alumina pelo processo Bayer utilizando temperatura mais baixas, e mineralogicamente diz respeito à alumina presente na gibbsita. A alumina aproveitável de alta temperatura segue o mesmo raciocínio, e é a alumina da boehmita.

Essa característica faz com que o controle da razão gibbsita/boehmita seja super criteriosa para que o minério atenda às especificações das refinarias. As mineradoras controlam essas razões durante a exploração mineral, e no cotidiano da mina para formar blends de minério com as razões adequadas, além de controlar o embarque. Ou seja, um método de controle mineralógico acaba sendo fundamental. Assim, a difratometria de raios-X (DRX) é usada já há algumas décadas como o método rápido e principal para determinar essas razões. Outros parâmetros de controle comuns obtidos por DRX e importantes para o processo Bayer, incluem as razões de hematita/goethita no minério, tamanho de cristalito das principais fases mineralógicas, e a sílica reativa.

A sílica reativa é a sílica da bauxita que irá reagir com soda caustica durante o processo Bayer. Como não é vantajoso consumir soda caustica adicional por essa reação, espera-se que a sílica reativa das bauxitas seja baixa. Mineralogicamente, a sílica reativa está majoritariamente associada a caulinita, a qual é rara nas bauxitas da Jamaica, ou presente em baixíssimas concentrações. Sendo assim, as bauxitas da Jamaica comumente apresentam sílica reativa em concentrações menores que 1%. Essa característica é uma vantagem frente as bauxitas lateríticas, que no Brasil muitas vezes exibem sílica reativa próximo a 5% (Alves, 2012). Outras vantagens incluem a característica terrosa do minério, que se traduz em economia na fase de moagem, e o fato das bauxitas jamaicanas não possuírem coberturas extensas além do solo residual e vegetação.

 

NÃO SÓ DE BAUXITA VIVE O BAUXITÓLOGO

Pode-se dizer que a Jamaica também é muito interessante além das bauxitas. As paisagens da ilha caribenha são de tirar o folego. Praias com areia branquinha, mar calmo e transparente. Tartarugas, arraias e diversos peixinhos coloridos vivem por ali, próximos às praias, se alimentando dos abundantes recifes de corais nas águas rasas e quentes. Fora das praias, uma floresta tropical exuberante desponta nas montanhas. Lá o clima é mais ameno, e entre a floresta, encontram-se vilarejos, muitos campos de cana de açúcar e, claro, algumas minas de bauxita.

 

Figure 5 Paisagens jamaicanas. A: vista aérea de parte de Monte Bay (Noroeste). B: Praia em Ocho Rios (Norte). C: Vista das Blue Mountains.

 

Os jamaicanos são vibrantes e adoram brasileiros. É comum encontrar artigos como camisas, chinelos e bonés com a bandeira do Brasil vendidos nas ruas, e mesmo trajados pelos jamaicanos. Dá para perceber que o jamaicano se identifica bastante com o povo brasileiro. Fiquei positivamente impressionado. São também muito bem-humorados, inclusive em suas placas de trânsito.

 

Figure 6 Placa de trânsito educativa, pode ser traduzida para: “Fique vivo, não beba e dirija”. Planta Cannabis fotografada em um jardim em meio a capital Kingston.

 

A música está por toda a parte e, claro, predomina o reggae. Nas rádios, nas ruas, em toda parte se escuta muito. Obviamente Bob Marley é tido como um mártir e motivo de muito orgulho. Por todo lado também se sente o cheiro de uma planta característica queimando. A canabis é liberada na ilha, com tanto que seja consumida por motivos religiosos, e proibida para crianças. Na prática não somente os religiosos consomem, ou a maioria do povo é (muito) religioso (?). Nota-se que o povo está muito bem acostumado, e que os turistas tentam aproveitar ao máximo.

 

CONCLUSÕES

A bauxita jamaicana já teve o seu apogeu no cenário mundial, mas ainda com reservas estimadas de 6 bilhões de toneladas e quatro minas em produção, continua tendo relevância regional para a produção de alumínio metálico. Os desafios de produção e controle mineralógico são específicos, e um pouco diferentes do encontrado nas bauxitas do Brasil, mas de certa forma semelhantes. A visita à ilha vale muito a pena, mas não apenas pelas esperadas belas paisagens. A cultura, o povo, e a história, sobretudo as atividades da mineração de bauxita, são a cereja do bolo para entusiastas das ciências naturais.

 

REFERÊNCIAS

Alves, J.F. 2012. Hydro Presentation on Bauxites. Disponível em: https://www.hydro.com/globalassets/06-investors/reports-and-presentations/reports/other-presentations/2012/presentation-paragominas-site-visit.pdf

Bárdossy, G. 1982. Karst Bauxites, Bauxite Deposits on Carbonate Rocks, Developments in Economic Geology. Vol. 14. Elsevier, Amsterdam, 441 páginas.

Brown, I. e Mitchell, S. F. (2010). Lithostratigraphy of the Cretaceous succession in the Benbow Inlier, Jamaica. Caribbean Journal of Earth Science, 41(2).

Drakapoulos, Y. 2018. The Evolution of Bauxite Mining in Jamaica – Modern Challenges for a Mature Industry. Travaux 47, Proceedings of the 36th International ICSOBA Conference, Belem, Brazil, 29 October – 1 November, 2018.

Hill, V. G. 1955. The mineralogy and genesis of the bauxite deposits of Jamaica. American Mineralogist 1955, 40 (7-8): 676–688

JMIF. 2025. Mining Minister Highlights Contribution of Sector to GDP. Jamaica Information Service. Disponível em: https://jis.gov.jm/mining-minister-highlights-contribution-of-sector-to-gdp/

Koenig, U. 2021. The value of Mineralogical monigoring for the aluminum industry, Part 2 –  https://www.malvernpanalytical.com/en/learn/knowledge-center/insights/the-value-of-mineralogical-monitoring-for-the-aluminum-industry-part-2?utm_source=chatgpt.com

Lyew-Ayee, P. A. 1986. A case for the volcanic origin of Jamaican bauxites. In Proceedings of Bauxite Symposium VI (pp. 9–39). Geological Society of Jamaica.

USGS. 2025. Bauxite and alumina. In Mineral commodity summaries 2025 (pp. 28–29). U.S. Department of the Interior, U.S. Geological Survey.
Disponível em: https://pubs.usgs.gov/periodicals/mcs2025/mcs2025-bauxite-alumina.pdf

Vieira, J. C. M., et al. 2018. Boehmite Bauxite Usage at Low Temperature Digestion an Case of Study at Alumar. Travaux 47, Proceedings of the 36th International ICSOBA Conference, Belem, Brazil, 29 October – 1 November, 2018.