15 – Um azulejo com composição impossível de identificar pelas técnicas instrumentais

Ano 03 (2016) - Número 01 Artigos

Thais A. B. Caminha Sanjad, Lacore, Faculdade de Arquitetura/ITEC/UFPA.

 

Final de 2015 estive envolvida nos preparativos do Grupo de Mineralogia e Geoquímica Aplicada para homenagear o Prof. Marcondes Lima da Costa, nosso querido mestre, coordenador do grupo. Organizamos uma bela homenagem surpresa, e como era impossível ser diferente, registramos este momento tão especial com um azulejo. Ele é o principal responsável pela possibilidade que temos hoje em fazer réplicas de azulejos no LACORE (Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação) da UFPA, e fazer esta peça trouxe a memória de todos os passos que demos para chegar até aqui, um dos filmes favoritos da minha vida na UFPA.

Nos primeiros tempos das nossas pesquisas, as produções de azulejos começaram a ser feitas com a argila de Icoaraci (Paracuri), que além de quartzo e caulinita, contém esmectita e illita além de pequenas quantidades de hematita, responsável pela forte cor vermelha adquirida após a queima. Trata-se de uma argila muito expansiva para a produção de azulejo, chegando a retrair cerca de um centímetro em cada lado. Isso levou a necessidade de melhorar a pasta e optamos por adicionar uma proporção de argila de Mosqueiro na argila do Paracuri, constituída principalmente de quartzo, caulinita e illita. A ausência de esmectita levou a melhoras consideráveis na pasta em relação à retração, e a menor quantidade de hematita (ou mesmo ausência) clareou a pasta e levou a obtenção de um corpo cerâmico rosado.

Apesar dos avanços, hoje trabalhamos também com uma argila adquirida comercialmente, cuja mistura tem retração mínima após a queima, menos de meio centímetro, principalmente quando necessitamos adquirir um produto com melhor qualidade em menor tempo. Além dos argilominerais pouco expansivos, esta argila possui consideráveis quantidades de carbonatos na forma de calcita, e logicamente a liberação de CO2 na queima também tem seus pontos negativos, mas ainda assim apresenta vantagens. Este foi o material utilizado para fazer a placa cerâmica do azulejo do professor Marcondes, decorado com a técnica da estampilha sobre base branca de esmalte estanífero, com quantidade de cassiterita muito menor que a dos azulejos históricos, às vezes irrisória.

Os ornamentos foram inspirados em desenhos do piso feito com rochas ornamentais italianas de uma das capelas laterais da Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré, pintados em azul cobalto e roxo de manganês, e o texto, entre ele os dizeres de Cora Coralina que exemplifica carinhosamente a trajetória dele, em azul mais claro, também de cobalto. A escolha desses motivos ornamentais pela amiga Rose Norat, para o design da camisa que usamos no dia e do azulejo, ocorreu em função do encantamento dele com este tipo de trabalho e com a grande variedade de minerais e rochas nesta edificação que é patrimônio cultural de Belém. Escolhemos a melhor argila e os melhores vidrados, mas o azulejo obteve resultados inesperados porque aceleramos a secagem, e as cores também não ficaram como imaginamos que iriam ficar, pois os tons ficaram muito fortes, resultado da forte concentração de elementos cromóforos, mas isso é lidar com produção cerâmica, sempre temos surpresas.

Pensei que o Professor Marcondes não fosse gostar e isso me manteve apreensiva até o momento de entregar a ele o produto artesanal, que foi feito com muito carinho, com minhas lembranças da memória afetiva de uma trajetória que nem sempre foi fácil, mas que ele nunca me deixou desistir. Quando finalmente ele viu a homenagem descobri que, muito além da composição mineralógica e química e das características físicas, este azulejo tem outra composição que é impossível identificar pelas técnicas instrumentais. Com um grande sorriso ele recebeu e se mostrou muito grato por receber uma peça tão especial, externando palavras que me deixaram muito feliz.

O azulejo da homenagem é um produto artesanal e, portanto, nunca terá a perfeição rigorosa dos produtos industriais. Entre o artesanal e o industrial, a principal semelhança é que ambos possuem muitos minerais, e a diferença mais interessante para mim; que tanto gosto de estudar azulejos (industriais ou não), seus minerais, sua alteração e a preservação do material; é que o azulejo artesanal tem maior probabilidade de conter uma composição abstrata especial. No caso do azulejo do professor Marcondes (Figura 1), a principal composição é algo que apenas o coração pode identificar: gratidão, admiração, carinho e muito respeito por um grande professor, exigente com conteúdo e prazos, amigo, que encaminha na vida acadêmica e científica e, acima de tudo, realiza nossos sonhos e faz o sol sempre voltar.

 

Figura 1. Professor Marcondes e seu azulejo.