08 – Técnica de balanceamento e restauração de seção geológica aplicada à Zona Externa da Faixa Paraguai, região de Cáceres e Mirassol do Oeste, MT- Resultados Preliminares de Trabalho de Conclusão de Curso

Ano 04 (2017) - Número 04 Artigos

 10.31419/ISSN.2594-942X.v42017i4a8FDS

 

 

Fabiele Dalmaso Spode- FAGEO/UFMT; Amarildo Salina Ruiz- FAGEO/UFMT; Mario Cavalcante de Araújo Neto- CENPES/PETROBRAS

Email: fabiele_spode@hotmail.com .

 

INTRODUÇÃO E CONTEXTO GEOTECTÔNICO

A Faixa Paraguai, juntamente com as faixas Brasília e Araguaia compõem a Província Tocantins e correspondem a importante zona de sutura mais proeminente da América do Sul que marcam o fechamento do oceano Clymene e aglutinação final de Gondwana Ocidental durante o ciclo orogênico Brasiliano-Pan Africano (Neoproterozóico ao Cambriano) (Brito Neves et. al, 1999).

A Faixa Paraguai é um característico cinturão de dobramento e cavalgamento (Campanha et al., 2011) que se limita a leste pelo Cráton Amazônico e pelo Bloco Rio Apa e a oeste pelas Coberturas Fanerozóicas do Pantanal e Paraná (Boggiani & Alvarenga 2004). Como ela é constituída por coberturas sedimentares de plataforma que ao afastarem-se do cráton tornam-se progressivamente dobradas e metamorfizadas, Almeida (1984) propôs uma divisão da faixa em três zonas estruturais, em que Alvarenga & Trompette (1993) redefiniram como I- Cobertura Sedimentar de Plataforma; II- Zona externa dobrada, com pouco ou nenhum metamorfismo e; III- Zona interna metamórfica com intrusões graníticas.

Alvarenga (1988, 1990 in Alvarenga & Saes, 1992) propôs quatro unidades estratigráficas para a Faixa Paraguai, a primeira (unidade inferior) de cunho local é composta por filitos, filitos grafitosos, quartzitos e dolomitos do Grupo Cuiabá, a segunda corresponde à fácies glacio-marinha e turbiditica formada durante a última glaciação do Proterozóico Superior, correspondendo as formações Bauxi, Puga e também Grupo Cuiabá, a terceira corresponde a unidade carbonatada dos Grupos Araras e Corumbá e por fim a unidade superior detrítica do Grupo Alto Paraguai (formações Raizama e Diamantino).

 

JUSTIFICATIVA E MÉTODOS DE ESTUDO

Devido a característica estrutural da Faixa Paraguai, ela se torna uma forte candidata para a aplicação da técnica seções geológicas balanceadas, seguida da restauração estrutural desta. Com isto se propôs como Trabalho de Conclusão de Curso a execução desta técnica a partir da coleta de dados geológicos e estruturais em campo, em perfil geológico ao longo da BR 070, nas proximidades de Cáceres e BR 174, Horizonte do Oeste e Mirassol do Oeste, no Estado de Mato Grosso.

Os dados coletados em campo foram integrados com os resultados do mapa 1.000.000 do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), e posterior aplicação no software de modelagem estrutural Move Midland Valley,  disponibilizado pela Gerência de Geologia Estrutural e Tectônica da CENPES- Petrobras, Rio de Janeiro- RJ.

A quantificação de encurtamento proveniente da restauração de seção representará um dado importante que certamente contribuirá para o entendimento da magnitude da deformação quando do fechamento do mar epicontinental instalado entre os blocos continentais Amazonico e Rio Apa.

 

Cinturões de empurrão e cavalgamento são as feições mais comuns em zonas de sutura, que representam a maneira que a crosta encontra para acomodar o encurtamento, desta forma, diversos geocientistas buscaram compreender sua origem, geometria e evolução, associado ao controle geotectônico e estrutural envolvido (Poblet & Lisle, 2011). Chamberlin (1910) foi o primeiro a aplicar a técnica de balanceamento e restauração nos dobramentos Apalachianos, na Pensilvânia Central.

O balanceamento consiste de técnicas que buscam validar a interpretação geológica, bem como da validação cinemática da geometria das dobras existentes, a partir da análise da evolução estrutural da área, definição da época da atividade dos falhamentos, movimentação do sal e entendimento de sistemas petrolíferos (Guedes, 2012), sendo este um dos motivos de esta técnica ser largamente empregada na indústria de petróleo, que é utilizada em conjunto com perfis sísmicos. A restauração corresponde ao estado inicial/original que precedeu a deformação.

Dentre os tipos de cinturões de empurrão e cavalgamento, os mais comuns são foreland, que constitui as zonas externas dos orógenos, e caracteriza-se por metamorfismo de baixo grau ou inexistência da cobertura sedimentar, cuja espessura decresce em direção ao interior continental. Neste caso, o cavalgamento envolve apenas a cobertura sedimentar, sendo que o embasamento não é afetado pela deformação, configurando estilo estrutural pelicular delgado (thin-skinned), um exemplo são as Montanhas Rochosas no Canadá e os Apalaches (Poblet & Lisle, 2011).

Na porção mais interna e espessa, associado a este cinturão, próximo ao hinterland, têm-se a transição para o núcleo cristalino, composto por rochas metamórficas, bem como lascas do embasamento e rochas sedimentares com metamorfismo progressivo, sendo assim conhecidos como cinturões cristalinos, deste modo, o envolvimento do embasamento na deformação configura estilo estrutural pelicular espesso (thick-skinned). Exemplos são os Apalaches, Alpes, Caledonianas e Himalaias (Poblet & Lisle, 2011).

A diferença entre estes dois cinturões é que nos do tipo foreland, o acamamento sedimentar é a principal descontinuidade que favorece o cavalgamento, enquanto que nos cristalinos são as foliações e transições dúctil-rúptil, sendo importante salientar que eles podem coexistir e são relacionados em muitos cinturões orogênicos (Poblet & Lisle, 2011).

Sendo assim, pode-se dizer que a Faixa Paraguai, especialmente a Zona Externa configura um cinturão do tipo foreland com estilo estrutural pelicular delgado.

 

GEOLOGIA LOCAL

A estratigrafia encontrada na região de estudo corresponde ao embasamento (Cráton Amazônico), representado pelo Complexo Alto Guaporé, que apresenta discordância litológica com a Formação Serra do Caeté, encontrada na borda da Zona Externa da Faixa Paraguai, sendo sotoposta pela Formação Puga, Grupo Araras, Formação Raizama e Formação Diamantino. A relação destas unidades observadas em campo e também por imagem satélite pode ser observado no mapa geológico 1: 500 000, mostrado na figura 1.

 

Figura 1: Mapa Geológico 1: 500.000 gerado a partir de dados de campo e do mapa 1.000.000 da CPRM.

 

A Formação Serra do Caeté é constituída por conglomerado basal de caráter polimítico com clastos angulosos de granito, anfibolito, gnaisse e quartzo, variando de 1 a 30 cm, com matriz suportada de cor cinza esverdeada, seguido por arenito fino a médio amarelo muito intemperizado, e ao topo é constituído por argilitos ferruginosos, entretanto foram encontrados apenas blocos rolados deste.

A Formação Puga é encontrada como uma “janela” em que apresenta metamorfismo e consequentemente foliação, sendo composta por diamictito de matriz siltosa amarelada, com clastos que variam de milimétricos à 20 cm.

O Grupo Araras corresponde a calcários calcíticos de cor cinza, alguns com variações rosa a cinza e presença de brechas intraformacionais, tendo níveis de chert associado e por vezes exibe matriz silicosa, apresenta laminações plano paralelas e injeções de calcita.

A Formação Raizama corresponde a arenitos constituídos essencialmente por quartzo e por vezes por feldspato alcalino, apresenta granulometria fina a grossa além de níveis conglomeráticos, de cor laranja a rosa. Quando de caráter arcoseano apresenta uma cor rosa e granulometria muito fina a fina. Quanto a estruturas sedimentares exibe marcas de onda, laminação cruzada e plano paralela, além de granodecrescência ascendente. Sendo que esta formação é facilmente reconhecida em imagem satélite quanto em campo devido o destaque de serras no relevo.

A Formação Diamantino, sotoposta à Formação Raizama não foi encontrada em campo, entretanto, a partir de análise satélite e dados da CPRM ela foi incluída na estratigrafia local; caracteriza-se por intercalações de silte e argila de cor vermelha; na imagem satélite exibe cor esbranquiçada.

E a Formação Pantanal que é constituída pelos sedimentos da planície aluvial do Rio Paraguai, estando relacionada com as aluviões recentes dos Rios Paraguai, Cabaçal e Jauru.

Estruturalmente estas formações se dispõem em sinformas e antiformas com flancos para NW e SE, sendo que em direção ao cráton, para oeste, após o Rio Paraguai, elas apresentam acamamento sub-horizontal, com leve inclinação para SE na borda do cráton. São caracterizadas apenas por deformação, com exceção da Formação Puga que exibe foliação metamórfica. Em campo não foram encontradas evidências de falhas e cavalgamentos, entretanto com base na bibliografia e na característica de dobramento deste cinturão foi possível inferir e validar a existência destas no software Movie.

 

BALANCEAMENTO E RESTAURAÇÃO DA SEÇÃO GEOLÓGICA

Para que a seção geológica pudesse ser balanceada e restaurada assumiu-se que a Faixa Paraguai, na porção que abrange a Zona Externa correspondesse a um cinturão de cavalgamento pelicular delgado. As unidades não aflorantes foram assumidas segundo o empilhamento estratigráfico e a lei de sobreposição de camadas, podendo haver a sua existência ou não, sendo que a extrapolação em profundidade seguiu os critérios geométricos e as espessuras assumidas por Luz et al (1980). Além disto, o relevo estrutural, com base nas atitudes obtidas em campo, serviu de guia para o posicionamento das falhas responsáveis pelo dobramento. Dentre os algoritmos que o software Move apresenta, foi utilizado o de flexão e propagação de falhas.

A restauração foi executada após a realização da validação cinemática a partir do balanceamento, apresentando o mesmo princípio deste, porém no sentido inverso, e assumindo que a espessura das camadas se manteve inalterada, configurando restauração de comprimento constante. O resultado pode ser observado na figura 2.

 

DISCUSSÕES E CONCLUSÕES

Com base no balanceamento é possível observar que a Faixa Paraguai apresenta um sistema de dobramento pelicular delgado resultante da propagação e flexão por falha, que gerou um sistema imbricado de caráter sintético com transporte para oeste, deflagrados pela inserção a leste de uma cunha do embasamento que alça à superfície rochas do Grupo Cuiabá, sugerindo estilo estrutural pelicular espesso para a Zona Interna da Faixa Paraguai, porém até o presente não foram encontradas lascas do embasamento que comprovem tal ideia.

O contraste litológico da Formação Serra do Caeté, constituída por uma matriz siltosa permitiu o descolamento basal em relação ao Craton Amazônico, bem como o seu não envolvimento na deformação.

A restauração da seção balanceada permitiu observar e inferir que a estruturação expressa nesse setor da faixa absorveu pelo menos 43 km de encurtamento.

 

Figura 2: Seções geológicas geradas pelo software Movie. A: Seção balanceada, evidenciando sistema pelicular delgado com imbricamento. B: Seção restaurada mostrando um encurtamento crustal de 43 km.

 

REFERÊNCIAS

Almeida, F.F.M. 1984. Província Tocantins – Setor Sudoeste. In: Almeida F.F.M., Hasui Y. O Pré-Cambriano do Brasil. São Paulo, Ed. Blucher. 265-281p.

 

Alvarenga, C.J.S. 1988. Turbiditos e a glaciação do final do Proterozóico Superior no Cinturão Paraguai, Mato Grosso. Revista Brasileira de Geociências. 18:323-327. In: Alvarenga C.J.S., Saes G.S. 1992. Estratigrafia e Sedimentologia do Proterozóico Médio e Superior da Região Sudeste do Cráton Amazônico. Revista Brasileira de Geociências. 22(4): 493-499.

 

Alvarenga, C.J.S. 1990. Phénomènes Sédimentaires, Structuraux et Circulation de Fluides Développés à la TranS1tion Chaíne-Craton: Exemple de Ia Chaine Paraguai d ‘age proterozoique supérieur, Mato Grosso, BréS1l. Marseille. 177 p. (These Doct. Sei. Univ. Aix-Marseille III). In: Alvarenga C.J.S., Saes G.S. 1992. Estratigrafia e Sedimentologia do Proterozóico Médio e Superior da Região Sudeste do Cráton Amazônico. Revista Brasileira de Geociências. 22(4):493-499.

 

Alvarenga C.J.S., Saes G.S. 1992. Estratigrafia e Sedimentologia do Proterozóico Médio e Superior da Região Sudeste do Cráton Amazônico. Revista Brasileira de Geociências. 22(4):493-499.

 

Alvarenga C.J.S., Trompette R. 1993. Evolução Tectônica Brasiliana da Faixa Paraguai: A Estruturação da Região de Cuiabá. Revista Brasileira de Geociências. 23(1): 18-30.

 

Boggiani P.C., Alvarenga C.J.S. Faixa Paraguai. In: Mantesso-Neto V., Bartorelli A., Carneiro C.D.R., Brito-Neves B.B. 2004. Geologia do Continente Sul-Americano: Evolução da Obra de Fernando Flávio Marques de Almeida. 113-120p.

 

Brito Neves, B.B., Neto M.C.C., Fuck, R.A. 1999. From Rodinia to Western Gondwana: Na approach to the Brasiliano-Pan African Cycle and orogenic collage. Episodes 22(3): 155-166.

 

Campanha G.A.C., Boggiani P.C. Sallun Filho W., SÁ F.R., Zuquim M.P.S., Piacentini T. 2011. A Faixa de Dobramento Paraguai na Serra da Bodoquena e Depressão do Rio Miranda, Mato Grosso do Sul. Geologia USP, Série Científica, São Paulo 11(3):79-96.

 

 

Chamberlin R.T. 1910. The Appalachian Folds of Central Pennsylvania. Journal of Geology Chicago. 18:228-251.

 

Guedes I.M.G. 2012. Aplicação da Modelagem Estrutural Computacional Direta na Análise da Geometria de Falhas: Exemplo da Falha de Baixa Grande (Bacia Potiguar- NE do Brasil). Ms Dissertation, Centro de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. 17 p.

 

Luz J.S., Oliveira A.M., Souza J.O., Motta J.F.M., Tenno L.C., Sousa N.B., Abreu Filho W. 1980. Projeto Coxipó, relatório Final-Fase II, Fotointerpretação. Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais- CPRM, Goiânia.

 

Poblet J. & Lisle R.J. 2011. Kinematic evolution and structural styles of fold-and-thrust belts. Geological Society, London, Special Publications. 349:1-24.

 

 

 10.31419/ISSN.2594-942X.v42017i4a8FDS