17 – O azulejo daquela casa que foi derrubada

Ano 02 (2015) - Número único Artigos

Thais A. B. Caminha Sanjad

 

Foi no final de julho de 2015, como em quase todos os anos, mais uma edificação histórica desaba no Centro Histórico de Belém. O caso ocorreu após um incêndio iniciado na edificação vizinha, depois passou para o sobrado de três andares de esquina, ainda preservado quase que na sua totalidade, com vários ornamentos, entre eles o azulejo nas suas duas fachadas, que veio abaixo.

De paginação composta por dois padrões, um principal e outro a moldura, foram produzidos entre o final do século XIX e o início do XX, com a técnica da decalcomania, na Bélgica, conforme as inscrições que constam no tardoz das peças: Boch & Fréres La Louviere. Suas características indicam que a mineralogia da parte cerâmica, resultante da tecnologia avançada para o preparo da pasta e da queima, deve inseri-lo no grupo que contém principalmente quartzo, mullita e cristobalita, entre outros minerais. São azulejos industriais com enorme valor cultural pela sua história, mas principalmente por fazer parte da edificação. Misturados aos escombros era possível observar milhares de fragmentos ou peças inteiras destes azulejos. Foi quando ficamos agoniados por salvar as peças. Aproximamo-nos das áreas permitidas e recolhemos o que era possível. Contamos também com a ajuda dos que se sensibilizaram como nós, vislumbrando a possibilidade da recuperação e retorno dos azulejos ao local de origem, evitando assim que tudo aquilo fosse parar no lixo. Ao mesmo tempo em que estávamos voluntariamente envolvidos no resgate desse patrimônio, ficamos assustados com o valor que os azulejos assumiram. Eles viraram objeto de cobiça, muitos resolveram guardá-lo como lembrança deste trágico momento do Centro Histórico de Belém. Os azulejos passaram a fazer parte de coleções particulares, viraram “presentinhos do incêndio”.

Nesse momento percebi que, se não tivermos a consciência de que o lugar do azulejo é no seu local de origem, não restará uma só fachada azulejada para contar a história deste patrimônio. Ele ficará apenas nos livros e na memória de alguns.

 

 

Figura 1: Da destruição ao resgate. A esquerda a casa em plena ruína; no centro os entulhos da casa sinistrada; à direita “azulejos” históricos recuperados da casa sinistrada e depositados no LACORE.