06 – Ilhas e fortes da Baía do Guajará em Belém do Pará, Brasil

Ano 03 (2016) - Número 03 Artigos

Roseane da Conceição Costa Norat, Marcondes Lima da Costa.

 

A cidade de Belém do Pará, localizada às margens da Baia do Guajará próxima à foz do Rio Amazonas, está assentada sobre as rochas sedimentares da formação Barreiras, que foram fortemente lateritizadas, além de sedimentos Quaternários, representados por areia, silte a argila (barras e ilhas, vegetadas ou não), e muito material lamoso recente das planícies e canais de marés. Além da área continental, o município de Belém compreende mais de 39 ilhas banhadas pela baía do Guajará, pelo Rio Guamá e outras drenagens. A localização na entrada para o Rio Amazonas e o oceano Atlântico era no período colonial de importância estratégica, permitindo uma rede de defesa com estruturas fortificadas em terra e na baía. Aquelas que foram construídas nessas ilhas, a maioria formadas pelos sedimentos recentes, não deixaram vestígios estruturais conhecidos na atualidade, porém a iconografia e os relatos históricos apontam para suas localizações e características. Neste trabalho, nos debruçaremos a analisar uma planta que apresenta importantes informações sobre as chamadas ilhas do Fortim e dos Periquitos com o objetivo de esclarecer ou pelo menos indicar caminhos de interpretação quanto às possíveis localizações desses antigos fortes, que junto com a Fortaleza de Nossa Senhora das Mercês da Barra de planta redonda (1685) eram os sentinelas ao mar. A figura 1 apresenta o Mapa da Barra do Pará datado de 1793 e se estendia desde a “ponta do Tamanduá athe a Boca do Rio Moju com todas as Ilhas Baixos e Sondas observadas em o anno 1793”.

 

Figura 1. “Mapa da Barra do Pará” de 1793. (fonte: Catálogo de Documentos Cartográficos 1782-1944, Arquivo Nacional).

 

Há notícias que em 1738 existia uma bateria na Ilha dos Periquitos (Fig. 2) que por este mapa situava-se acima Val de Caens e possivelmente às proximidades do atual Igarapé Gagé. Esta teria sido retirada em 1793 e substituída por um forte em sua ponta setentrional em forma de paralelogramo; posteriormente desarmado e abandonado (Barreto, 2010). Há outros informes sobre as construções na ilha: um fortim cuja obra não foi concluída e ficou sujeito à ação erosiva das marés; em 1793 uma bateria transitória com 4 canhões voltados para “o rio” (o canal da baía) da qual em 1803 viam- se vestígios porém em 1839 já restava apenas pequena porção da ilha e que, posteriormente, em 1905, nada mais se avistava (Vianna, 1905). Outro mapa de 1724 apresenta um Fortim com planta em forma de estrela de 5 pontas e outras estruturas internas. Alguns autores deixam uma interpretação dúbia de que este Fortim ficaria na Ilha dos Periquitos, porém a iconografia aponta a existência de uma Ilha do Fortim a sudoeste da Ilha dos Periquitos. Há então de se supor que além da ilhota onde se assentava a Fortaleza de Nossa Senhora das Mercês da Barra haveria pelo menos mais duas ilhas próximas com estruturas de defesa em Belém do Pará: a Ilha do Fortim e a Ilha dos Periquitos (Figura 2).

 

Figura 2. (a) Detalhe do mapa da Barra do Pará” de 1793, onde se observa a Ponta de Terra de Belém e as várias ilhas identificadas da Baía do Guajará. (b) Pormenor da área em que se localizam a Ilha do Fortim a sudoeste da Ilha dos Periquitos e ao sul desta a Ilhota da Fortaleza da Barra (fonte: Catálogo de Documentos Cartográficos 1782-1944, Arquivo Nacional).

 

Comparando este mapa com os da atualidade observam-se várias diferenças que denunciam a dinâmica de deposição e dispersão de sedimentos pela ação das marés. Algumas dessas ilhas desapareceram como as ilhas Tutuoca, Turutuá, Chauá, Pequena e a já citada dos Periquitos. Outras ainda são referenciadas como as ilhas das Onças, Cotijuba, Jutuba, Nova ou Mirim. A ilha Nova já aparecia no mapa antigo com bancos de areia contíguos e pode ter se unido à ilha Pequena e assim ganhando talvez a alcunha de Mirim. As ilhas de Paquetá e Urubuoca (Urbuoca) apareciam de forma independente no passado mas hoje correspondem a uma grande ilha. Nota-se que um número maior de ilhotas aparecia no mapa histórico, as quais aparentemente uniram-se consolidando ilhas maiores como as atuais ilhas do Meio, Jararaquinha e Longa ou simplesmente desapareceram. Chama a atenção nos mapas atuais as “Ilha da Barra (Fortim)” e a “Ilha do Fortinho (Cruzador)” cuja nomenclatura leva a supor que poderiam ser estes locais redutos de algumas das estruturas fortificadas, mas destas apenas a do Fortim aparece no mapa em análise (Figura 3A).

Considerando os relatos documentais e a dinâmica da região, depreende-se que a perda da maioria das estruturas destes fortins deve-se em parte à sua localização sobre sedimentos recentes, migráveis sob ação da forte dinâmica das marés no interior da baía do Guajará. Exceção se faria ao desaparecimento da Fortaleza de Nossa Senhora das Mercês da Barra de Belém (Figura 3B) a qual foi utilizada como depósito de inflamáveis na década de 1940 sendo alvo de violenta explosão que lhe destruiu suas instalações em 9/5/1947. Mais do que a ação intempérica, seu desaparecimento decorre de circunstâncias inapropriadas de ocupação, sem tempo hábil de ser reconhecida e valorizada como um dos mais importantes monumentos históricos e arquitetônicos de Belém.

 

Figura 3. (a) Ilhas na Baía do Guajará na atualidade, nas proximidades das localizadas no mapa de 1793, identificando-se as Ilhas da Barra ou do Fortim e a ilha do cruzador também chamada do Fortinho, não havendo indícios da Ilha dos Periquitos (fonte: Plano Diretor de Belém, lei nº 8655, Anexo IV- Macrozoneamento, 2008). (b) A Fortaleza de Nossa Senhora das Mercês da Barra de Belém, por volta de 1910. (fonte: instituto moreira salles, coleção gilberto ferrez, disponível em http://fortalezas.org/index.php).

 

REFERÊNCIAS 

Barreto, Annibal. (2010). Fortificações do Brasil. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 2ª Edição, 208 p.

Nunes, A. L. P. 2005. Dicionário de Arquitectura Militar. Casal de Cambra, Caleidoscópio – Edição e Artes Gráficas, 261 p.

Vianna, Arthur. (1905). As Fortificações da Amazônia. In Annaes da Bibliotheca Archivo Publico do Pará, Brazil. Typ. e Encadernação do Instituto Lauro Sodré, Tomo Quatro. Pará. p. 227-293.