12 – A COLEÇÃO FERNANDO DE NORONHA DO MUSEU DE GEOCIÊNCIAS (MUGEO) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

Ano 06 (2019) – Número 03 Artigos

 10.31419/ISSN.2594-942X.v62019i3a12MLC

 

 

UMA HOMENAGEM AO PROF. DR. HAROLDO DA SILVA SÁ

 

Marcondes Lima da Costa

Professor do Instituto de Geociências, Universidade Federal do Pará, marcondeslc@gmail.com

Rosemery da Silva Nascimento

Professor do Instituto de Geociências, Universidade Federal do Pará, rsn@ufpa.br.

 

APRESENTAÇÃO

Entre 1978 e 1979 o professor Dr. Haroldo da Silva Sá, então chefe do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Pará organizou vinte exemplares de uma coleção de rochas representativas do Arquipélago Fernando de Noronha para fins didáticos. As amostras foram coletadas pelo próprio professor e o transporte foi feito pela FAB até Belém do Pará. Cada exemplar da coleção contém 12 exemplares de rochas, acompanhado da respectiva lâmina delgada. Cada coleção veio acompanhada de texto descrevendo de como surgiu a ideia, a realização da coleta das amostras, seu transporte, preparação das coleções e descrições petrográficas, estas últimas elaboradas pelo prof. Elson Paiva de Oliveira, quando ainda professor do Departamento de Geologia da UFPA. Também acompanha cópia do mapa geológico do Arquipélago fornecido pelo prof. Dr. Fernando Flávio de Almeida.

Esta coleção foi distribuída entre várias instituições de ensino e pesquisa com graduação em Geologia no País, e destas seis se encontram como parte do acervo do Museu de Geociências da UFPA.

Decidimos que seria muito oportuno divulgar essa nobre iniciativa do Prof. Haroldo Sá sobre a coleção Fernando de Noronha por ocasião das Comemorações dos 35 ANOS DO MUSEU DE GEOCIÊNCIAS. Para isto retomamos o texto original, que foi redigitado em sua íntegra, e ao mesmo tempo a profa. Dra. Rosemery da Silva Nascimento da Faculdade de Geologia – FAGEO/UFPA retomou a coleção, elaborando descrição mesoscópica e microscópica de cada amostra, cujos resultados parciais são apresentados logo após o texto original dos Professores Haroldo da Silva Sá e Elson Paiva de Oliveira.

Acreditamos assim que ao divulgar a COLEÇÃO PETROGRÁFICA FERNANDO DE NORONHA pelo BOMGEAM, estamos mostrando a importância das coleções científicas e didáticas, e principalmente as atividades de nossos professores preocupados com o conhecimento, que muitas vezes não percebemos a importância dessas iniciativas prazerosas e produtivas. As imagens da coleção, de suas amostras e de aspectos petrográficos gerais estarão disponíveis no site GMGA.

 

TEXTO ORIGINAL (TRANSCRITO) ASSINADO PELOS PROFESSORES J. H. S. SÁ E E. P. DE OLIVEIRA ANEXADO À COLEÇÃO

APRESENTAÇÃO

Durante a visita que fizemos ao arquipélago de Fernando de Noronha, em novembro de 1978, surgiu a ideia de preparar uma coleção dos tipos de rochas mais representativos daquelas ilhas, para servir como material didático e auxiliar em algumas em algumas disciplinas dos cursos de graduação do país.

Esta iniciativa se justifica pelo acesso relativamente difícil naquelas ilhas – que constituem um dos melhores registros de atividades vulcânicas no território brasileiro e um dos belos exemplos mundiais do fenômeno de fracionamento magmático – e pelo considerável conhecimento já disponível, principalmente a partir do trabalho monográfico de F. F. M. ALMEIDA (1954) que apresenta a “Geologia e Petrologia do Arquipélago de Fernando de Noronha” com mapa geológico na escala 1:15.000.

Em setembro de 1979 coletamos algumas centenas de quilos de amostra que permitiram preparar 20 coleções, cada um contendo 12 espécimes petrográficos diferentes. As lâminas delgadas, a preparação e embalagens das coleções foram feitas no Núcleo de Ciências Geofísicas e Geológicas – UFPa, contando-se com o apoio da Fundação de Amparo as Pesquisas no Estado do Pará (FADESP). As lâminas petrográficas, que acompanham as coleções, foram descritas e classificadas pelo Prof. Elson Paiva de Oliveira, tendo a finalidade de fornecer uma orientação aos usuários.

A governadoria de Fernando de Noronha forneceu transporte aéreo das amostras e o Prof. ALMEIDA cedeu as cópias do mapa geológico, que acompanha cada coleção.

Os autores agradecem às instituições e pessoas que contribuíram para a realização deste pequeno trabalho

 

J.H.S. SÁ

E.P. OLIVEIRA

 

DESCRIÇÕES PETROGRÁFICAS ORIGINAIS CONTIDAS NA COLEÇÃO, REALIZADAS PELO PROF. ELSON PAIVA DE OLIVEIRA

AMOSTRA: FN-31

CLASSIFICAÇÃO: Sodalita-olivina Analcitito

TEXTURA: Porfirítica com matriz intergranular

MINERALOGIA: Fenocristais – Olivina, idingsita, titano-augita

Matriz – Opacos, olivina, titano-augita, analcima e sodalita.

Vênulas- Analcima

DESCRIÇÃO: Rocha porfirítica, exibindo matriz interqranularafanítica, composta de fenocristais de olivina, com bordos deidingsita e titano-augita. A matriz é rica em titano-augitamicrogranular, alguma olivina e uma boa quantidade de analcimae opacos.

 

AMOSTRA: FN-32

CLASSIFICAÇÃO: Sodalita-nefelinaFonolito

TEXTURA: Porfirítica com matriz pilotaxítica

MINERALOGIA: Fenocristais: Sanidina

Matriz: Núcleos de aegirina-augita, sanidine,sodalita ou hauynita (grupo da sodalita)

DESCRIÇÃO:Rocha vulcânica, afanítica, constituida principalmente de fenocristais e ripas de sanidine,nefelina, sodalitaem seções dodecaédricas e chumaços radiais de aegirina-augita.

 

AMOSTRA: FN-41

CLASSIFICAÇÃO: Olivina-Nefelinito

TEXTURA: Porfirítica com matriz intergranular

MINERALOGIA: Fenocristais – olivina

Matriz – titano-augita, opacos, olivina,nefelina e apatita.

DESCRIÇÃO: Rocha vulcânica porfirítica, com fenocristais de olivina magnesiana, às vezes um pouco serpentinizada. A matriz é fanerítica fina e composta, principalmente, de titano-augita, olivina magnesiana, nefelina e opacos. A nefelina aparece poiquilítica, bem desenvolvida ou em pequenos cristais, às vezes contendo inclusões de apatita.

 

AMOSTRA: FN-43

CLASSIFICAÇÃO: TefritoFonolítico

TEXTURA: Porfirítica e glomeroporfirítica com matriz pilotaxítica

MINERALOGIA: Fenocristais: Titano-augita, olivina, plagioclásio, sanidina, aegirina-augita.

Matriz: Nefelina, plagioclásio, opacos, titano-augita, aegirina-augita, sanidina e biotita.

DESCRIÇÃO: Rocha vulcânica, porfirítica, com fenocristais alcançando até 1,5 mm no maior comprimento. Estes são principalmente de piroxênios, alguma olivina e plagioclásio. A olivina, as vezes, estáserpentinizada e/ou cloritizada; nos seus bordos e fraturas écomum o desenvolvimento de biotita, serpentina, algum opaco e clorita. Os piroxênios sãorepresentados pelatitano-augita e aegirina-augita. Alguns plagioc1ásios e sanidina representam o grupo dos feldspatos. A matriz é composta de ripas de plagioclásio e sanidina, além deopacos, nefelina, piroxênios e biotita. O plagioclásio é mais abundanteque o feldspato alcalino.

 

AMOSTRA: FN-44

CLASSIFICAÇÃO: Limburgito

TEXTURA: Hipocristalina

MINERALOGIA: Fenocristais: Titano-augita, olivina serpentinizada(talco e carbonato)

Matriz: Vidro marrom, opacos, titano-augita.

DESCRIÇÃO: Rocha vulcânica ou hipabissal, composta de fenocristais de titano-augita e olivina, dispostos em uma matriz vítrea marrom, com disseminações de minerais de ferro e ripas de titano-augita.A olivina aparece na maior parte substituída por serpentina, carbonato e um pouco de talco.

 

AMOSTRA: FN-45

Cl.ASSIFICAÇÃO: SodalitaFourchito

TEXTURA: Porfirítica com matriz pilotaxítica a intergranular

MINERALOGIA: Fcnocristais: Titano-augita, kaersutita, opacos, apatita, sodalita e hauynita (?)

Matriz: agulhas de kaersutita, apatita, sodalita, opacos, titano-augita, analcima e nefelina.

Poros: Natrolita, thomsonita, carbonato e analcima

DESCRIÇÃO: Rocha porfirítica, com fenocristais euédricos de titano­augita, com até 0,5 cm no maior comprimento. Os demais minerais variam de 0,3 a l mm, destacando-se prismas de kaersutita. A matriz é pilotaxítica e composta de agulhas de kaersutita e cristais euédricos a subédricos de titano-augita, apatita, sodalita (ou hauynita), opacose uma massa quase isotrópica de analcima ou nefelina. Os fenocristais de sodalitaàs vezes estão substituídos parcialmente por carbonatos, e quase sempre apresentam pontuações escuras, ocasionalmente reticulares. Os poros, bastante frequentes, estão preenchidos porzeólitas, carbonatos e analcima.

 

AMOSTRA: FN-47 (Arenito das Caracas)

CLASSIFICAÇÃO: Biosparito

TEXTURA: Clástica com cimento calcífero.

MINERALOGIA: Calcita espática como cimento, fragmentos de foraminíferos, quartzo e “pellets” carbonáticos.

DESCRIÇÃO: Rocha sedimentar, elástica, constituída principalmente declastosde foraminíferos, conchas diversas, quartzo e “pellets”carbonáticos com diâmetro variando de 0,3 a 0,4 mm, perfazendo cerca de 50% da rocha. A calcita espática aparece cimentando o conjunto, em quantidades quase iguais as de clásticos.

 

AMOSTRA: FN-51

CLASSIFICAÇÃO: Nefelina-sodalitaFonolito

TEXTURA: Porfirítica com matriz pilotaxítica

MINERALOGIA: Fenocristais – Aegirina-augita, hornblenda marrom,titanita, nefelina, plagioclásio, sanidina, sodalita e opacos.

Matriz – Opacos,  aegirina-augita, feldspatos, sodalita e nefelina.

DESCRIÇÃO: Rocha vulcânica, porfirítica, com matriz pilotaxíticafluidal. Os fenocristais de máficos, sobretudo os de anfibólio, exibem bordos de reação, evidenciados por auréolas escurasde metálicos. A titanita aparece losangular e a aegirina-augitacom cores variando de verde, nos bordos, amarelado no centro. O feldspato é alcalino, com geminação Carlsbad típica. Algunsapresentam geminação polissintética do tipo albita, porém em menor quantidade. Plagioclásios zonados também foram observados. A nefelina éeuédrica e está um pouco substituída porcarbonatos. A sodalita se apresenta com cor marrom clara. Na matriz predominam ripas e/ou micrólitos de feldspato e aegirina-augita. Esporádicos opacos e feldspatóides estão presentes.

 

AMOSTRA: FN-SJ-1

CLASSIFICAÇÃO: Basalto Alcalino

TEXTURA: Porfirítica com matriz intergranular

MINERALOGIA: Fenocristais: Olivina, titano-augita, opacos

Matriz: Olivina, titano-augita, opacos e plagioclásio

Amígdalas: Zeólita fibrosa e carbonato

DESCRIÇÃO: Rocha afanítica, porfirítica, composta principalmente de fenocristais de olivina e titano-augita, com matriz de ripas finas de plagioclásio, grânulos de augita, olivina e opacos em um arranjo intergranular. São observadas amígdalas esporádicas, preenchidas por carbonatos e zeólitas.

 

AMOSTRA: FN-12

CLASSIFICAÇÃO: Nefelina-sodalita-noseanaFonolito

TEXTURA :Porfirítica com matriz pilotaxítica

MINERALOGIA: Fenocristais: Sanidina, nefelina, sodalita, titanita, opacos e noseana.

Matriz: Aegirina-augita,titanita, sodalita, opacos, sanidina, nefelina e kaersutita.

DESCRIÇÃO: Rocha vulcânica, porfirítica, com matriz fanerítica finaem um arranjo pilotaxítico. É constituída principalmente de sanidina, feldspatóides e aegirina-augita. A sanidina aparece em ripas euédricas e com 2V pequeno. Na matriz as ripas são sub-paralelas e estãojuntas umas das outras. Os feldspatóides aparecem euédricos, destacando-se o grupo da sodalita, o qual exibe cor acinzentada (inclusões) com nicóis descruzados.Alguns fenocristais mostram canais irregulares devendo tratar-se de noseana. Na matriz destaca-se ainda pequenos cristais de aegirina-augita verde e alguns de anfibólio alcalino de cor marrom avermelhada a verde, podendo ser kaersutita.

 

AMOSTRA: FN-22

CLASSIFICAÇÃO: Nefelina-sodalita-olivina Analcitito

TEXTURA: Porfirítica

MINERALOGIA: Fenocristais: Olivina com bordos de idingsita

Matriz: Opacos, olivina, titano-augita, sodalita,nefelina e analcima.

Vênulas: Zeólita, analcima e apatita

DESCRIÇÃO: Rocha porfirítica, com fenocristais de olivina, mostrando bordos substituídos por idingsita. A matriz é intergranular e composta principalmente de titano-augita, opacos, analcima e feldspatóides (sodalita, nefelina). Na matriz observa-se ainda alguma olivina totalmente substituída por idingsita. São comuns vênulascomzeólitas, apatita e analcima.

 

AMOSTRA: FN-21

CLASSIFICAÇÃO: Alcali-Traquito

TEXTURA: Porfirítica com matriz pilotaxítica

MINERALOGIA: Fenocristais: Plagioclásio (An-40) e alguma aegirina-augita.

Matriz: Opacos, aegirina-augita, sanidina, natrolita, titanita, carbonato, plagioclásio e montmorilonita.

DESCRIÇÃO: Rocha porfirítica, com fenocristais de andesina dispostos irregularmente em matriz traquítica, constituída de ripas sub­paralelas de sanidina, alguma aegirina-augita e opacos. A natrolita aparece substituindo o feldspato ou preenchendo poros ocasionais, juntamente com carbonatos. A natrolita aparece, às vezes, amarronzada devido a inclusões de argilominerais ou óxidos de ferro.

 

 

MAPA GEOLÓGICO DO ARQUIPÉLAGO FERNANDO DE NORONHA CEDIDO PELO PROFESSOR DR. FERNANDO FLÁVIO DE ALMEIDA CONTIDO NA REFERIDA COLEÇÃO COM A LOCALIZAÇÃO DE SUAS AMOSTRAS.

Figura 1 – Mapa geológico de Fernando de Noronha com os pontos de coleta das amostras da coleção Fernando de Noronha elaborada pelo prof. José Haroldo da Silva Sá. Fonte: Almeida (1955).

 

DESCRIÇÃO PETROGRÁFICA SUCINTA DAS 12 AMOSTRAS DA COLEÇÃO FERNANDO DE NORONHA REALIZADA EM 2019 PELA PROFESSORA DRA. ROSMERY DA SILVA NASCIMENTO, TEXTO E ILUSTRAÇÕES ELABORADOS TAMBÉM PELA PRÓPRIA

INTRODUÇÃO

O arquipélago de Fernando de Noronha está localizado no Oceano Atlântico Equatorial Sul, a 545 km de Recife (PE), distrito do estado de Pernambuco, e ocupa uma superfície de 26 km2. Geologicamente, as 21 ilhas que formam o arquipélago representam o topo emerso de uma cadeia de montanhas, estruturado numa zona de fratura E-W do assoalho oceânico (Almeida, 1955; Almeida, 2002; Ulbrich, 1993). O Arquipélago ou Geoparque de Fernando de Noronha é formado por rochas vulcânicas e subvulcânicas, essencialmente alcalinas subsaturadas, produto de dois episódios vulcânicos distintos. O primeiro episódio, retratado pela Formação Remédios do Mioceno Superior é representado por depósitos piroclásticos na base, recortados por intrusões na forma de necks, plugs, domos e diques de rochas alcalinas subsaturadas. As rochas intrusivas variam entre composições básico-ultrabásicas (lamprófiros, tefritos, basanitos e basaltos alcalinos) a intermediárias (traquitos e fonolitos). O segundo episódio, representado pela Formação Quixaba, do Plioceno Superior ao início de Pleistoceno, constitui um empilhamento de derrames de lava melanocrática ankaratrítica, depósitos piroclásticos subordinados e alguns diques de nefelinito. Um derrame de basanito de ocorrência restrita é representado pela Formação São José, do pleistoceno inferior. No período pós-vulcanismo, seguiu-se durante o Quaternário um ciclo erosivo que destruiu parte dos aparelhos vulcânicos e cobriu a plataforma insular de depósitos de areias e cascalhos de praia. Durante esse período formaram-se recifes de algas calcárias, cuja erosão deu origem aos calcarenitos da Formação Caracas (Almeida 2002; Schobbenhaus, 2010; Texeira et. al, 2003 e Ulbrich & Lopes, 2000).

O Professor José Haroldo de Sá, então professor da UFPA, realizou duas missões ao Arquipélago de Fernando de Noronha, em 1978 e 1979, com o objetivo maior de preparar uma coleção dos tipos de rochas mais representativos do arquipélago foi colocada em prática. Esta iniciativa, segundo o professor Haroldo, se justificava pelo acesso relativamente difícil às ilhas do arquipélago e por sua vez por representar um dos melhores registros de atividade vulcânica no território nacional, um belo exemplo do processo de fracionamento magmático durante o Mioceno (Almeida et al. 1955). Os pontos onde foram coletadas as amostras que iriam fazer parte da coleção foram localizados no mapa geológico de autoria do Prof. Fernando Flávio Marques de Almeida editado pelo Ministério da Agricultura através do DNPM, via Divisão de Geologia e Mineralogia, 1955, na escala 1: 15.000. A coleção que está no Museu de Geociências da UFPA que conta hoje com seis exemplares dessa coleção com o referido mapa. A coleção é formada por doze (12) amostras com lâminas delgadas, armazenadas em caixa de madeira (Figura 1). Há algumas pequenas variações de uma coleção (caixa) para outra, com amostras de diferentes diques da Formação Remédios. Com base no mapa geológico de Almeida et al. 1955, os professores José Haroldo de Sá e Elson Paiva de Oliveira descrevem e classificam as rochas coletadas na Ilha de Fernando de Noronha, pertencentes as três formações vulcânicas:

Formação Remédios, a mais antiga, que consiste em rochas piroclásticas com diques de composição variada;

Formação Quixaba, com mais de 200 m de espessura, constituída por ankararitos e nefelina ankaratritos;

Formação São José, a mais jovem das sequências eruptivas, constituída por  nefelina basanito com xenólitos de olivinito.

 

Figura 1- Coleção Fernando de Noronha no acervo do Museu de Geociências da Universidade Federal do Pará (UFPA), com seis exemplares e o porta-lâminas delgadas.

 

O texto a seguir apresenta os resultados das análises petrográficas a partir das 12 lâminas delgadas correspondentes as doze amostras de rochas que compõem a referida Coleção Fernando de Noronha do acervo do MUGEO com o objetivo de servir como uma ferramenta de apoio às atividades de petrografia e petrologia dos interessados por geologia e áreas afins. A análise petrográfica foi baseada na descrição mineralógica, análise textural e consequentemente na classificação das rochas seguindo as descrições originais realizadas pelo Professor Elson Paiva de Oliveira. De modo geral, alguns pequenos ajustes foram realizados, seguindo os procedimentos em Deer et al., 1981 e Wernick, 2003 para o estudo de rochas vulcânicas e subvulcânicas, e com base nas descrições de Almeida 1955; Ulbrich & Lopes 2000; Almeida 2002; Texeira et. al., 2003 de rochas das Formações Remédios e Quixaba do Arquipélago de Fernando de Noronha.

 

DESCRIÇÕES PETROGRÁFICAS EM LÂMINAS DELGADAS

AMOSTRA: FN/21 (Formação Remédio)

ROCHA: traquito

TEXTURA: porfirítica com matriz pilotaxítica (Fig.2).

MINERALOGIA: fenocristais de plagioclásio tipo andesina (An40) e raros cristais de piroxênio aegirina-augita; matriz – aegirina-augita, sanidina, natrolita, titanita, carbonato, andesina, montmorilonita e opacos.

DESCRIÇÃO: rocha microporfirítica com microfenocristais de andesina dispostos irregularmente em matriz traquítica, constituída de ripas sub­paralelas de sanidina, alguma aegirina-augita e opacos. A natrolita aparece substituindo o feldspato ou preenchendo poros ocasionais, juntamente com carbonatos. A natrolita aparece localmente com cor de interferência marrom devido à presença de argilominerais ou óxidos de ferro.

Figura 2- Fotomicrografia de traquito (FN/21) destacando microfenocristais de andesina (An40) com maclamento simples envoltos em matriz de granulação fina traquítica com forte orientação dos cristais de sanidina, andesina, aegerina-augita e opacos com textura pilotaxítica (nicóis cruzados).

 

AMOSTRA: FN/22 (Formação Quixaba)

ROCHA: olivina analcitito.

TEXTURA: porfirítica, localmente apresenta fenocristais de olivina com variações texturais coroníticas e esqueletais (Fig.3).

MINERALOGIA: fenocristais de olivina com alterações para idingisita e serpentina;                        matriz – opacos, olivina, titano-augita, sodalita, nefelina e analcima; vênulas e poros: zeólita, analcima e apatita.

DESCRIÇÃO: Rocha porfirítica com fenocristais de olivina com aureolas substituídas por idingsita (textura coronítica). A matriz é intergranular e composta principalmente de titano-augita, opacos, analcima e feldspatóides (sodalita, nefelina).Na matriz observa-se pontualmente alguma olivina totalmente substituída por idingsita ou serpentina (textura esqueletal). São comuns vênulas com zeólitas, apatita e analcima.

Figura 3 – Fotomicrografia de olivina analcitico (FN/22) da Formação Quixaba. No centro da imagem fenocristal de olivina (Ol) com borda de idingsita (textura coronítica) em matriz intergranular (nicóis cruzados).

 

AMOSTRA: FN/31 (Formação Quixaba)

ROCHA: sodalita-olivina analcitito.

TEXTURA: porfirítica com matriz intergranular e intersertal, localmente variações coroníticas (Fig. 4).

MINERALOGIA: fenocristais de olivina e titano-augita; matriz- opacos, olivina, titano-augita, analcima e sodalita;  vênulas de analcima.

DESCRIÇÃO: Rocha porfirítica, exibindo matriz interqranular afanítica, composta por fenocristais de olivina, com bordas de idingsita e titano-augita. A matriz é formada essencialmente titano-augita microgranular, olivina, analcima e opacos.

Figura 4 – Fotomicrografia de sodalita olivina analcitico (FN/31) destacando o aspecto geral da textura porfirítica com fenocristais de olivina (Ol), sodalita (Sdl) e aegerina-augita (Agt) com matriz intergranular e intersertal (nicóis cruzados).

 

AMOSTRA: FN/32 (Formação Remédios)

ROCHA: sodalita-nefelina Fonolito.

TEXTURA: porfirítica com matriz pilotaxítica (Fig.5).

MINERALOGIA: fenocristais de sanidina; matriz – núcleos de aegirina-augita, sanidina, sodalita e hauynita.

DESCRIÇÃO: rocha vulcânica, afanítica, constituída principalmente de fenocristais e ripas de sanidina, nefelina e sodalita em seções dodecaédricas e aglomerados de cristais radiais de aegerna-augita.

Figura 5 – Fotomicrografia de sodalita-nefelina fonolito (FN/32) destacando fenocristal de sanidina (Sa) com bordas irregulares ou corroídas (textura quenching) tipo resfriamento rápido) (nicóis cruzados).

 

AMOSTRA: FN-SJ-1 (Formação São José)

ROCHA: olivina basalto.

TEXTURA: porfirítica com matriz intergranular, localmente amígdaloidal (Fig. 6).

MINERALOGIA: fenocristais de olivina, titano-augita, opacos; matriz- olivina, titano-augita, opacos e plagioclásio; amígdalas e poros-  zeólita e carbonato.

DESCRIÇÃO: rocha afanítica, porfirítica, composta principalmente de fenocristais de olivina e titano-augita, com matriz formada por cristais ripiforme de plagioclásio, grânulos de augita, olivina e opacos em arranjo intergranular. São observadas amígdalas e poros esporádicos preenchidas por carbonato e zeólita.

Figura 6 – Fotomicrografia de olivina basalto (FN-SJ-1) destacando aspecto geral da textura porfirítica com matriz intergranular. Os microfenocristais são formados essencialmente de olivina (Ol) e titano-augita (Agt). (nicóis cruzados).

 

AMOSTRA: FN/41 (Formação Remédios)

ROCHA: olivina nefelinito.

TEXTURA: porfirítica com matriz intergranular (Fig.7).

MINERALOGIA: fenocristais de olivina e titano-augita; matriz – titano-augita, opacos, olivina, nefelina e apatita.

DESCRIÇÃO: rocha vulcânica porfirítica, com fenocristais de olivina magnesiana, pouco serpentinizada. A matriz é fanerítica fina e composta, principalmente, de titano-augita, olivina magnesiana, nefelina e opacos. A nefelina aparece na forma de textura poiquilítica ou em pequenos cristais, algumas vezes contendo inclusões de apatita.

Figura 7 – Fotomicrografia de olivina nefelinito (FN/41) destacando microfenocristias de de titano-augita (At) em matriz intergranular (nicóis cruzados).

 

AMOSTRA: FN/43 (Formação Remédios)

ROCHA: Tefrito Fonolítico.

TEXTURA: porfirítica e glomeroporfirítica com matriz intersertal e pilotaxítica (Fig. 8).

MINERALOGIA: fenocristais de titano-augita, olivina, plagioclásio, sanidina, aegirina-augita; matriz- nefelina, plagioclásio, opacos, titano-augita, aegirina-augita, sanidina e biotita.

DESCRIÇÃO: rocha vulcânica, porfirítica, com fenocristais alcançando até 1,5 mm no maior comprimento. Estes são principalmente de piroxênios, alguma olivina e plagioclásio. Localmente a olivina está serpentinizada e/ou cloritizadas, nas bordas e fraturas é comum o desenvolvimento de biotita, serpentina, opaco e clorita. Os piroxênios são representados pela titano-augita e aegirina-augita. A matriz é composta de cristais ripiformes de plagioclásio e sanidina, além de opacos, nefelina, piroxênios e biotita.

Figura 8 – Fotomicrografia de tefrito fonolítico (FN/43) com microfenocristais de titano-augita (At), olivina (Ol) e plagioclásio (An45), matriz pilotaxítica e intersertal. (nicóis cruzados).

 

AMOSTRA: FN/44 (Formação Remédios)

ROCHA: limburgito

TEXTURA: porfirítica com matriz vitrofírica (Fig. 9).

MINERALOGIA: fenocristais de titano-augita e olivina serpentinizada (serpentina, talco e carbonato); matriz –  vidro marrom, opacos, titano-augita.

DESCRIÇÃO: rocha vulcânica ou hipabissal, composta de fenocristais de titano-augita e olivina, dispostos em uma matriz vítrea marrom, com disseminações de minerais de óxidos de ferro e cristais ripiformes de titano-augita. A olivina aparece na maior parte substituída por serpentina, carbonato e um pouco de talco.

Figura 9 – Fotomicrografia de limburgito (FN/44) com textura porfirítica com matriz vitrofírica com microfenocristias de titano-augita (At) e olivina serpentinizada (Ol). (nicóis cruzados).

 

AMOSTRA: FN/45 (Formação Remédios).

ROCHA: sodalita fourchito

TEXTURA: porfirítica com matriz pilotaxítica a intergranular (Fig. 10).

MINERALOGIA: fcnocristais de itano-augita, kaersutita, opacos, apatita, sodalita e hauynita; matriz – agulhas de kaersutita, apatita, sodalita, opacos, titano-augita, analcima e nefelina;                               poros – natrolita, thomsonita, carbonato e analcima.

DESCRIÇÃO: rocha porfirítica, com fenocristais euédricos de titano­augita, com até 0,5 cm no maior comprimento. Os demais minerais variam de 0,3 a l mm, destacando-se prismas de kaersutita. A matriz é pilotaxítica e composta de agulhas de kaersutita e cristais euédricos a subédricos de titano-augita, apatita, sodalita e hauynita, opacos e uma massa quase isotrópica de analcima ou nefelina. Os fenocristais de sodalita por vezes estão substituídos parcialmente por carbonatos, e quase sempre apresentam porções escuras, ocasionalmente reticulares. Os poros, bastante frequentes, estão preenchidos por zeólitas, carbonatos e analcima.

Figura 10 – Fotomicrografia de sodalita fourchito (FN/45) com textura porfirítica com matriz pilotaxítica com fenocristias orientados mais desenvolvidos de titano-augita (At) e cristais menores de kaersutita, apatita e sodalita. (nicóis cruzados).

 

AMOSTRA: FN/51 (Formação Remédios).

ROCHA: nefelina-sodalita fonolito

TEXTURA: porfirítica com matriz pilotaxítica (Fig. 11).

MINERALOGIA: fenocristais de aegirina-augita, hornblenda marrom, titanita, nefelina,   sanidina, sodalita, plagioclásio e opacos; matriz- egirina-augita, feldspatos (plagioclásio e sanidina), sodalita,  nefelina e opacos.

DESCRIÇÃO: rocha vulcânica, porfirítica, com matriz pilotaxítica fluidal. Os fenocristais de máficos, sobretudo os de anfibólio, exibem bordas de reação escuras. O álcali feldspato é do tipo sanidina e ocorre com geminação carlsbad típica. Alguns raros cristais apresentam geminação polissintética do tipo albita, porém em menor quantidade. Plagioclásios zonados também foram observados. A nefelina na forma euédrica está pouco substituída por carbonatos. A sodalita se apresenta com cor marrom clara. Na matriz predominam micrólitos de feldspato, aegirina-augita, feldspatóides e opacos.

Figura 11 – Fotomicrografia de nefelina-sodalita fonolito (FN/51) com textura porfirítica formada por fenocristais de aegerina-augita, hornblenda marrom (Hbl), nefelina (Ne), sanidina (Sa), sodalita e opacos, em matriz pilotaxítica formada por micrólitos de aegirina-augita, feldspatos (plagioclásio e sanidina), sodalita e nefelina. (nicóis cruzados).

 

AMOSTRA: FN/46 (Dique da Formação Remédios)

ROCHA: microgabro.

TEXTURA: textura granular subofítica (Fig.12).

MINERALOGIA: plagioclásio andesina (An50), aegerina-augita e opacos.

DESCRIÇÃO: rocha subvulcânica com textura granular dominantemente subofítica com cristais prismáticos de andesina de maclamento polissintético apresentam os interstícios preenchidos por cristais de aegerina-augita e opacos.

Figura 12 – Fotomicrografia do dique de microgabro da Formação Remédios (FN/46) com textura subofítica definida por cristais de andesina (An50) com interstícios preenchidos por aegerina-augita (Aet). (nicóis cruzados).

 

AMOSTRA: FN-47 (Calcarenito das Caracas, Quaternário Antigo)

CLASSIFICAÇÃO: biosparito

TEXTURA: clástica com cimento calcífero.

MINERALOGIA: calcita espática como cimento, fragmentos de foraminíferos, quartzo e “pellets” carbonáticos.

DESCRIÇÃO: Rocha sedimentar, clástica, constituída principalmente de clastos de foraminíferos, conchas diversas, quartzo e “pellets” carbonáticos com   variando de 0,3 a 0,4 mm, perfazendo cerca de 50% da rocha. A calcita espática aparece cimentando o conjunto, em quantidades quase iguais aos de clásticos.

Figura 13 – Fotomicrografia de calcarenito das Caracas (biosparito) do Quaternário (FN/47) com textura clástica com cimento calcítico e clastos de foraminíferos e quartzo e “pellets” carbonáticos. (nicóis cruzados).

 

CONCLUSÕES

            A coleção Fernando de Noronha do Museu organizada pelo prof. Dr. Haroldo da Silva Sá e parte do acervo do Museu de Geociências da UFPA e certamente de outras instituições, além de ser uma excelente ferramenta didática para aulas práticas em diversas disciplinas da geologia, mineralogia e petrologia, representa um marco da história do Instituto de Geociências da UFPA. O mapa base de trabalho usado pelo Prof. José Haroldo de Sá é uma cópia do mapa geológico de autoria do Prof. Fernando Flávio Marque de Almeida que data de 1955, cedido pelo próprio Prof. Fernando Flávio. A viajem de coleta das amostras foi realizada nos anos 1970 contou com o apoio da FADESP, da Governadoria de Fernando de Noronha e do então Núcleo Ciências Geofísicas e Geológicas, o embrião do atual Instituto de Geociências da UFPA. Essa coleção neste ano completa seus 40 anos de existência, registro, não só de um belo exemplo de magmatismo alcalino no território nacional, mas também do trabalho e esforço de pessoas corajosas e abnegadas, como o prof. Haroldo Sá, que sonharam com melhores condições de educação para as gerações futuras de estudantes do curso de geologia da UFPA e áreas afins.   Nesta oportunidade o Museu de Geociências da UFPA registra sua homenagem ao prof. Haroldo Sá, que por sua iniciativa, nos deixa um legado geológico.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio analítico e de diagramação das imagens realizado por Rayara Silva e ao Sr. Ubirajara Kimmemgs pela limpeza e manutenção das caixas originais que guardam a coleção.

 

REFERÊNCIAS

Almeida F. F. M. 1955. Geologia e petrologia do arquipélago de Fernando de Noronha. Rio de Janeiro: DNPM; Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 181 p. (Monografia 13).

Almeida F. F. M. 2002. Arquipélago de Fernando de Noronha. In: SCHOBBENHAUS, Carlos (Ed.) et al. Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Brasília: DNPM; CPRM; Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos – SIGEP, p. 361-368.

Almeida F.F.M. 2012. Ilhas oceânicas brasileiras. 2012. In: Hasui Y.,
Carneiro C.d.R., Almeida F.F.M., Bartorelli A. Geologia do Brasil, 658-
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Schobbenhaus C., Silva C. R. 2010. O papel indutor do Serviço Geológico do Brasil na criação de geoparques. In: Fórum do Patrimônio Cultural. Painel: Paisagem Cultural e Patrimônio Natural: Conceitos e Aplicabilidade. Ouro Preto. Anais.  23 p.

Teixeira W., Cordani, U. G., Menor E. A., Linsker  R. 2003. Arquipélago Fernando de Noronha o paraíso do vulcão. Terra Virgem. 167 p. São Paulo

Ulbrich M. N. C. 1993. Petrography of alkaline volcanic-subvolcanic rocks from the Brazilian Fernando de Noronha archipelago, Southern Atlantic Ocean. Boletim IG –USP, São Paulo, Série Científica, v. 24, p. 77-94.

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Wernick E. 2003. Rochas Magmáticas – Conceitos, Classificação Modal, Química, Termodinâmica e Tectônica. 272-280 p.

 

 

 10.31419/ISSN.2594-942X.v62019i3a12MLC