11 – RHIZOCORALLIUM NA FORMAÇÃO BARREIRAS E SUA IMPORTÂNCIA PALEOAMBIENTAL (ILHA DE MOSQUEIRO, BELÉM, PARÁ)

Ano 05 (2018) - Número 02 Artigos

 10.31419/ISSN.2594-942X.v52018i2a11MLC

 

 

Rhizocorallium in the Barreiras Formation and its paleoenvironmental importance (Mosqueiro Island, Belém, Pará)

 

Marcondes Lima da Costa

 

Museu de Geociências do Instituto de Geociências/Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, marcondeslc@gmail.com.

 

ABSTRACT

Geological field activities along the coast of Mosqueiro Island (Municipality of Belém, Pará) in the last years allowed to recognize the occurrence of ichnofossils and fossilized wood trunks in outcropping rocks of the Barreiras Formation in the north of brazilian littoral zone. The ichnogenus Rhizocorallium was identified and comparative observations allowed to reach the ichnospecies R. commune irregulare, which shows that this package of the Barreiras Formation formed in the Miocene, was still deposited in the intertidal and subtidal zone, therefore coastal, low energy, locally with development of mangrove based on previous studies, but which was temporarily hit by storms. The immature laterization would have contributed to the partial preservation of these ichnofossils and wood trunks.

Palavras-Chave: icnofósseis, icnitos, perfil laterítico imaturo, mosqueado, goethita, madeira fóssil.

 

INTRODUÇÃO

As atividades dos vegetais e animais em geral deixam vestígios nos sedimentos e, por conseguinte nas respectivas rochas sedimentares. Os traços fósseis dessas atividades são denominados de icnofósseis, ou ainda icnitos (Fernandes et al., 2007). Os icnitos são importantes porque são registros de seres de corpos moles que no geral não se preservam, além retratar grande diversidade de comportamentos, permitindo avaliar o grau de retrabalhamento dos sedimentos pelos organismos e desse modo representar registros complementares para interpretações paleoambientais, bem como indicar topo e base da camada (Fernandes et al., 2007). Os icnofósseis registram seres autóctones, e, portanto, mais relacionados às condições físicas e químicas do meio, ao contrário dos fósseis corporais, sujeitos a deslocamento e transportes, e, portanto, formação de depósitos alóctones (Fernandes et al., 2007). Normalmente são organismos que vivem em grupos específicos, ou seja, formam associações naturais de icnofósseis, as icnocenoses, permitindo reconhecer icnofácies a partir destas associações. As principais classes de icnofácies delimitadas são: Coprinisphaera, Scoyenia, de Mermia, Phsilonichnus, Trypanites, Teredolites, Glossifungites, Skolithos, Cruziana, Zoophycos e Nereites (Fernandes et al. 2007).

As várias observações nos estratos sedimentares da Formação Barreiras, de idade miocênica (Behling & Costa, 2004) aflorantes na base das falésias da extremidade leste da ilha de Mosqueiro, às proximidades da vila Baía do Sol, município de Belém, Estado do Pará, permitiram inferir o icnogênero Rhizocorallium, e ainda suspeitar do Diplocraterion, entre vários traços fósseis presentes. Em termos gerais esses icnogêneros são encontrados pelo mundo afora desde o Cambriano em várias icnofácies, em particular na Glossifungites, que envolve substratos estáveis, não consolidados, carbonáticos a argilosos, em áreas de energia moderada com esses dois icnogêneros entre outros; na icnofácies Skolithos, que representa ambiente litorâneo de energia moderada a alta, sedimentos argilosos a arenosos, não consolidados, selecionados e sujeitos a erosão e/ou deposição com o Diplocraterion entre outros; na icnofácies Cruziana, também de ambiente litorâneo de águas mais profundas do que as anteriores, abaixo da base da linha de rebentação, sujeito à ação de tempestades e também de águas calmas de costa-afora na plataforma com o Rhizocorallium. Icnofósseis na Formação Barreiras foram reportados por Rossetti (2006) cujo trabalho foi consubstanciado pela literatura que reconheceu esses icnitos (Thalassinoides, Ophiomorpha, Skolithos, Gyrolithes, Planolites, Diplocraterion, Taenidium, Psilonichnus, Palaeophycus, Teichichnus, Chondrites, Rhizocorallium, Phycosiphon e Cylindrichnus) já em 1990. São assembleias empobrecidas típicas de ambientes mixoalinos ou marinho-transicionais (Netto e Rossetti, 2003; Rossetti e Santos Jr., 2004; Rossetti, 2006).

O Rhizocorallium é um icnogênero de locomoção (classificação etológica), ou seja, que escava sedimentos lamosos em geral a procura de alimentos, em covas curvas subparalelas que atingem uma inclinação por volta de 10 ° relativo a estratificação desses sedimentos. O arranjo das escavações ou perfurações deixa um desenho muito característico que pode alcançar mais de um metro de extensão, mas em geral está na ordem de 10 a 30 cm de comprimento maior, ou seja, a dimensão do icnito (Worsley & Mork, 2001; Knaust, 2013). Trata-se provavelmente de organismos que vasculham o sedimento próximo ao contato com lâmina d´agua a procura de alimento.

O ichnogenus Rhizocorallium Zenker 1836 inclui três ichnospecies: Rhizocorallium jenense Zenker 1836 que representa perfurações oblíquas e curtas em forma de U, comumente inclinadas ao plano de estratificação, e raramente Rhizocorallium irregulare Mayer 1954 horizontal espalhado, alongado, sinuoso, bifurcado ou em forma de U em espirais planas, em geral horizontais, e Rhizocorallium uliarense Firtion 1958 com buracos abertos em forma de U trochospirais (Fürsich 1974, 1975). Porém mais recentemente Knaust (2013) após exaustiva e excelente revisão da literatura pertinente resumiu a apenas duas icnoespécies de Rhizocorallium: R. Jenense e R. Commune, que serviu de suporte para o presente trabalho.

Dada a importância paleoambiental desses icnofósseis e o fato de que ainda sejam pouco conhecidos nessa região, o presente trabalho tem como objetivo registrar e descrever a ocorrência desses traços fósseis no município de Belém e ressaltar a sua importância ambiental, e ao mesmo tempo servir como incentivo a trabalhos mais aprofundados desses registros, consubstanciando a Formação Barreiras com mais dados que possam aprofundar o entendimento sobre a diversidade do seu paleoambiente deposicional.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Os materiais descritos estão expostos em afloramentos (1º 03´39,11´´ S e 48º 21´21,69´´ W) na base das falésias da Praia Grande, na região de domínio da vila Baía do Sol, ilha de Mosqueiro, município de Belém, Pará, durante a baixa-mar. Trata-se de belos lajedos de rochas sedimentares (argilitos e siltitos) localmente já ferruginizados com boa quantidade de icnitos, que atualmente ocupam a base de perfil laterítico imaturo, que se sobrepôs a essas rochas e outras que constituem a Formação Barreiras. Esses icnitos foram reconhecidos pelo autor pela primeira vez ainda em 2012, que sempre que é possível, tem retornado ao local por várias vezes ao ano, e sempre feito novas observações, invariavelmente acompanhadas por registros fotográficos, e percebido que devido a constante atividade erosional inerente ao ambiente sedimentar atual, várias feições desaparecem enquanto novas vão surgindo. Em anos sucessivos tem-se organizado pequenas excursões de campo com alunos da pós-graduação do Instituto de Geociência (UFPA) para conhecer, entre outros aspectos, esse sítio com belos icnitos, que incluem ainda troncos de madeira fossilizados (acervo do Museu de Geociências tombamento n° 2025), bem como frutos e folhas de vegetais igualmente fossilizados. Espera-se que as muralhas antrópicas que foram e continuam sendo erguidas para contenção da erosão da orla não cheguem por lá tão cedo. É um sítio paleontológico relativamente rico e bonito. Algumas amostras foram coletadas, e uma delas está depositada no acervo do Museu de Geociências da Universidade Federal do Pará, sob o tombamento n° 2369, que inclui diversos traços de icnofósseis. O reconhecimento dos traços fósseis em apreço foi então apenas visual, comparativo, e neste caso tendo como base imagens disponíveis na rede internet, mas principalmente com o apoio da publicação Fernandes et al. (2007), um capítulo do livro Icnologia editado por Carvalho & Fernandes em 2007 sob os auspícios da Sociedade Brasileira de Geologia, além da publicação de Knaust et al. (2013).

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Geologia da Ocorrência – A porção norte da ilha de Mosqueiro, em particular de sua extremidade nordeste, foi esculpida sobre rochas sedimentares representativas da Formação Barreiras, cujas rochas frescas afloram tão somente nas falésias, ativas ou não, e na zona de baixa-mar, adentrando centenas de metros na baía do Marajó (Figuras 1 e 2). A espessura máxima de exposição é de 10 a 12 metros, sendo comum de 4 a 7 metros. São argilitos a siltitos cinza claros a escuros na base aflorante do perfil, predominantemente cobertos pelas águas, que contém ramos, folhas e frutos fossilizados, em geral a mineralizados por pirita. Essa sequência sedimentar segundo Behling & Costa (2004) é rica em detritos orgânicos vegetais, composta ainda por minerais como quartzo, caulinita, illita/muscovita e pirita, e corresponde a paleodepósitos de lama de maré, tipo manguezal, similar aos manguezais atuais do Nordeste do Pará segundo a associação polínica (Behling e Costa, 2007). No entanto esses argilitos e siltitos estão geralmente intemperizados, cujos grãos minerais foram cimentados por goethita e hematita micro a criptocristalinas de diferentes tonalidades, colorindo as rochas de marrom amarelado a marrom escuro ou vermelho, por vezes em tons ocre, ou ainda através de difusão iônica, com bandas alternadas de vermelho e ocre, ou mesmo tomando o aspecto de caulim (branco). Essa zona corresponde nitidamente a alteração intempérica inicial dos argilitos e siltitos cinza, em passagem gradual para o horizonte pálido a mosqueado de um perfil laterítico imaturo sobreposto às rochas da Formação Barreiras (Costa, 1991), ou seja, o fronte de intemperismo. Esses argilitos e siltitos já parcialmente intemperizados (horizonte pálido a mosqueado), com muitas outras estruturas tipo traços fósseis apresentam depressões subcirculares com diâmetros de até 20 metros com suas camadas curvadas para o centro da estrutura (Figura 2), podendo apresentar estiramento e fraturamento romboédrico creditados a neotectônica, as quais estão sobrepostas em contato abrupto por material brechóide a conglomerático. Este último desenvolve uma camada de espessura variável, de 20 cm a mais de 1 m, por vezes descontínua, em que fragmentos de siltitos e argilitos, de grãos de quartzo de diferentes visuais (quartzo leitoso, cinza, sacaroidal, hialino, etc.), em formatos variados (alongados, irregulares, sub-esféricos a esféricos, arredondados ou não) encontram-se cimentados principalmente por goethita marrom, com conteúdo variável de alumínio (Costa et al. 2004). Essas características sugerem que se tratam de depósitos sedimentares de alta energia depositados sobre os argilitos e siltitos, e que como estes, foram atingidos pela lateritização e estariam ocupando o horizonte mosqueado. No contato entre essas brechas e conglomerados com os argilitos e siltitos abaixo, foi desenvolvida uma zona sub-horizontal de até 30 cm de espessura, compacta, quase maciça, dura, com fraturamento conchoidal, rica em goethita, denominada “pedra de ferro” por Costa & Horbe (1995). É um bonito horizonte rochoso, que surpreendentemente contém troncos fósseis goethitizados (Figura 2), que chegam a alcançar comprimento em escala métrica (Costa et al, 2004). Essa sequência de brechas e conglomerados grada para um arenito argiloso com seixos dispersos, ou ainda descrevendo linhas de seixos, os quais são constituídos de quartzo hialino, leitoso, cinza, sacaroidal, entre outros, de formas irregulares a sub-esféricos, angulosos a arredondados. Embora a sua espessura seja variável, ela possui dimensões mais comuns entre 2 a 4 m. Esse material se apresenta em padrão textural de mosqueado típico, ou seja, fundo ligeiramente branco (caulinita e quartzo), com manchas vermelhas e lilases (caulinita, quartzo e hematita), isoladas, adensadas a dispersas, em padrão muito bonito, correspondente ao horizonte mosqueado padrão de um perfil laterítico. Em direção ao topo essas rochas já mosqueadas assumem a natureza de crostas em horizonte típico com até 2 m de espessura, marrons avermelhadas, escurecidas por musgos e fungos na superfície exposta às intempéries atuais, duras, densas, em que os grãos de quartzo em tamanho areia e seixo, e até mesmo fragmento de argilitos e siltitos goethitizados. É digno de nota o aspecto colunar subvertical (combinação de colunas e de dutos subverticais), métrico, promovidos pelas raízes pivotantes de árvores de grande porte que se sucederam ao longo do tempo. Localmente são verdadeiros arenitos e conglomerados ferruginizados, tipo grés-do-Pará de Katzer (1903, 1933), isto acontece principalmente em ambientes onde arenitos grosseiros e mal selecionados foram cimentados por goethita e hematita ao nível das crostas do perfil laterítico. Estas crostas completam o perfil laterítico desenvolvido a partir da sequência argilito/siltitos, conglomerados e arenitos da Formação Barreiras na Baía do Sol. Finalmente ao topo das falésias, sobrepostos às crostas ou mesmo ao mosqueado, estão latossolos amarelos ocres em contato gradual ou abrupto, neste caso separados em geral por linhas de pedras (fragmentos residuais diversos da crosta e seixos de quartzo). A espessura é variável, porém oscilando entre de 1 e a 3 m, constitui-se de quartzo, que é dominante, além de caulinita, goethita aluminosa e anatásio. Esses latossolos correspondem ao produto intempérico das crostas e/ou do mosqueado sob clima tropical com densa floresta.

 

Figura 1 – Secção geológica simplificada da zona de ocorrência de icnofósseis e troncos fósseis da Praia Grande, Baía do Sol (Mosqueiro, Belém, Pará).

 

Figura 2 – Imagem à esquerda mostra o domínio do lajedo fragmentado das pedras de ferro sobre os siltitos e argilitos amarelos a vermelhos intenso, com ressalte de suas camadas depressionadas formando pequenas bacias ou então apenas estiradas; ao fundo as águas da baía de Marajó e à direita acima a mata cobrindo o perfil laterítico imaturo coberto por latossolos amarelos da figura 1 e a linha de praia atual. Na imagem à direita detalhe da camada (lajedo) de pedra de ferro rica em goethita com troncos vegetais fossilizados a goethita (indicado pelas setas), que está logo acima dos siltitos com icnitos Rhizocorallium e Deplocraterion (?). Imagens de Marcondes Lima da Costa.

 

Os icnitos As observações de campo e as comparações feitas com material fotográfico e desenhos permitiram identificar ao nível de gênero o icnito Rhizocorallium, e ainda suspeitar a ocorrência da espécie R. commune var. irregulare (Figura 3). São feições diagnósticas bem características em forma de U, com spreiten em geral bem evidentes e preservados, escavações sub-horizontais a ligeiramente inclinadas em relação a estratificação plano-paralela ou fina laminação dos siltitos/argilitos. Essas rochas, em geral já estão em parte goethitizadas (goethita ocre), são coesas, ocupando a base do perfil laterítico, portanto a zona pálida a mosqueada. São icnitos com 15 a 25 cm de comprimento para toda a escavação, em que os spreiten foram ocupados por material arenoso a quartzo, posteriormente cimentados por goethita, refletindo a areia da paleopraia trazida pela preamar contemporânea à deposição. O exemplar ilustrado na figura 4 apresenta 23 cm de comprimento e 10,5 cm de largura máxima da escavação e 7 cm largura mínima, com cerca de 0,8 cm para o diâmetro do tubo. Por comparação morfológica visual com as ótimas ilustrações de Knaust (2013) seria R. commune var. irregulare a auriforme. Porém em se considerando as dimensões tamanho e largura, R. commune aqui descrito corresponderia a var. irregulare (veja Knaust, 2013, figura 27), e se comparado com os dados de Worsley & Mork (2001) não seria R. jenense.

 

Figura 3- Acima à esquerda exposição dos siltitos/argilitos ligeiramente mosqueados com intercalações de lâminas goethitizadas, nas quais estão as incidências de icnitos. Acima à direita detalhe da zona central da imagem anterior, mostrando os vários icnitos, que são em parte melhor observados na imagem abaixo à direita. Na imagem inferior mais à esquerda detalhe de um dos Rhizocorallium, com 25 cm de comprimento para a escavação e largura máxima de 9 cm. Imagens de Marcondes Lima da Costa.

 

Figura 4 – Estrutura geral do icnito Rhizocorallium commune var. irregulare e/ou auriforme desenvolvido no siltito atualmente intemperizado (zona mosqueada a pálida do perfil laterítico derivado a partir de litologias da Formação Barreiras), em que grãos de quartzo em tamanho areia a seixo descrevem os spreiten (Imagem à esquerda). À direita desenho ressaltando os spreiten e possível tubo de escavação. Imagem de Marcondes Lima da Costa captada em 06.05.2018 na Baía do Sol; desenho de Gisele Tavares Marques.

 

DISCUSSÕES

Os siltitos e argilitos, já modificados pelo intemperismo laterítico imaturo da Praia Grande da Baía do Sol, apresentam feições geológicas que demonstram que estes foram depositados em ambiente de baixa energia, dado a sua fina laminação, mas que esporadicamente foram afetados por distúrbios violentos, a exemplos daqueles provocados por tempestades, produzindo depressões nas camadas, fragmentações, brechas intraformacionais, acúmulos irregulares de linhas de seixos de quartzo de vários matizes (hialino, cinza, leitoso e mesmo rosáceo), morfologias e grau de arredondamento. A influência fluvial e/ou de fluxo de canal de maré sobreposta é indicada por arenitos e conglomerados preenchendo paleocanais, e ainda por corpos argilosos com seixos dispersos de quartzo hialino a leitoso, que sugerem momento de alta energia. Algumas destas feições foram atribuídas a neotectônica. Estudos palinológicos e geoquímicos de Behling & Costa (2004) concluíram que neste setor da Baía do Sol predominou um ambiente de mangue, de idade miocênica média, cuja assinatura polínica se equivale a dos manguezais atuais da região. São sedimentos ricos em caulinita, quartzo, illita/muscovita e ainda em pirita. A pirita compõe a estrutura de folhas, galhos e frutos fósseis e ainda formam os pequenos framboides dispersos nesses sedimentos. A identificação de troncos métricos, em posição de sedimentação, acumulados localmente, sobrepostos por camada de brecha e conglomerática, sugere que a vegetação correspondente foi destruída por eventos como tempestades. Admite-se inclusive que estes troncos de madeira também foram piritizados, e após a sequência ser submetida a lateritização ao nível do horizonte pálido/mosqueado inferior, os mesmos foram goethitizados (Costa & Horbe, 1995; Costa et al., 2004). Os dados preliminares sugerem que parte dos troncos maiores sejam do gênero Avicennia. Fortes contribuições de tempestades durante a sedimentação de parte da sequência da Formação Barreiras em outros sítios já foram muito bem reconhecidas pela literatura (Rossetti, 2006).

O reconhecimento de R. commune var. irregulare neste mesmo pacote, também aparentemente concentrado neste sítio da Praia Grande da Baía do Sol, consubstancia os dados geológicos prévios. Como mostra a tabela 1 essa icnoespécie é típica de sedimentos suaves, inconsolidados, da zona de entre maré a submaré (sublitorânea) (Figura 5) com desenvolvimento de mangue miocênico, como foi demonstrado pelos estudos de Behling & Costa (2004), posteriormente afetado por tempestades que levou a devastação dos manguezais e prenúncio de regressão marinha com a formação de um sistema flúvio-lacustre, no Plioceno. Ele está representado pela sequência superior dominada por arenitos com estratificação cruzada e argilitos intercalados. O pacote foi atingido pela lateritização imatura durante o Pleistoceno (Costa & Horbe, 1995), quando foram então goethitizados os troncos de madeira e os icnofósseis.

O icnofóssil Rhizocorallium é típico da icnofacies Cruziana e é descrito em uma variedade de ambientes do Cambriano ao Recente, sempre em condições de águas rasas (Fürsich, 1974, 1975; Clausen & Vilhjálmsson, 1986).

Rhizocorallium commune é abundante nos depósitos marinhos rasos do Devoniano Superior da Formação Tuqiaozi em Ganxi, Província de Sichuan, ao sul da China (Zhang et al. 2016). Aqui ele está associado com framboides de ferro (sulfetos de ferro, pirita). Provavelmente na Baía do Sol aconteceu algo similar, pois frambóides de pirita e pirita substituindo tecido de material vegetal foi identificado nas camadas de argilitos cinzas inalterados logo abaixo de siltitos/argilitos amarelos/vermelhos (Costa et al, 2004). Certamente essas piritas foram a fonte de tanto ferro para formação de goethita/hematita que cimenta essas rochas alteradas e seu material fossilífero. Não foi possível caracterizar com segurança a presença do icongênero Diplocraterion, mas é provável que esteja presente na associação. Diplocraterion ocorre apenas em depósitos de tempestade (Clausen & Vilhjálmsson, 1986).

 

Tabela 1 – Sumário comparativo entre as principais características de duas iconoespécies válidas de Rhizocorallium (R. jenense e R. commune) em sua área típica da Bacia Triássica Germânica (Knaust, 2013)

Ichnospecies

R. jenense

R. commune

Occurrence

Typically, clustered (gregarious)

Typically, isolated or loosely associated (scattered, grouped)

Substrate

Firmground

Softground, partly firmground

Preservation

Dominantly hyporelief (positive), subordinate epirelief (negative)

and endorelief

Dominantly epirelief (positive and negative), subordinate

hyporelief (positive) and endorelief

Inter-burrow relationship

Intersecting, crisscrossing common

Isolated, segregated, coexistent (side by side), cross-cutting rare

Orientation

Varying, subhorizontal to subvertical (0–90°)

Subhorizontal (0–10°)

Branching

No

Primary successive branching may occur (rare)

Size

Small to medium

Medium to large, subordinate small (juvenile forms)

Outline

Bow- to U-shaped, short

U- to tongue-shaped, elongate band-like

Cross-section

Ellipsoidal-elongate, dumbbell-like

Dumbbell-like

Sinuosity

No to low

Low to high, irregularly winding

Burrow length/width ratio

Small

Large

Faecal pellets

Absent

Abundant (Coprulus oblongus, C. bacilliformis)

Scratches

Abundant, net-like

Occasional, subparallel (mainly covering the marginal tube)

Fill

Passive

Active (spreite)/passive (marginal tube)

Transitional ichnotaxa,

Balanoglossites triadicus, Fuersichnus communis

Balanoglossites ramosus, Radichnus allingtona

Inferred producer

Polychaetes (marine realm), crustaceans?, mayflies (fluvial settings)

Inferred producer Polychaetes

Ethology

Suspension-feeding (domichnion)

Deposit- and suspension-feeding (fodinichnion, domichnion)

Ichnofacies

Glossifungites

Cruziana

Palaeoenvironment

Upper intertidal to supratidal (coastal plain)

Intertidal to subtidal (sublittoral)

 

Figura 5 – Diagrama dos ambientes de desenvolvimento de icnoespécies de Rhizocorallium proposto por Knaust (2013) e neste indicado as condições paleoambientais dos R. commune var. irregulare da Baía do Sol, identificados neste trabalho (indicado apontado pela estrela vermelha). Modificado de Knaust (2013).

 

CONCLUSÕES

O icnogênero Rhizocorallium, e mesmo a icnoespécie R. commune var. irregulare foi identificado nos argilitos e siltitos da Formação Barreiras na Ilha de Mosqueiro, associado com troncos vegetais fósseis que em conjunto, confirmam o ambiente de entre maré a submaré, portanto litorâneo, que temporariamente recebeu o desenvolvimento de sedimentos e vegetação de mangue, localmente afetados em parte por tempestades. A preservação parcial desses icnofósseis e dos troncos de madeira parece ter sido favorecida pelo desenvolvimento subsequente do perfil laterítico imaturo sobre os argilitos/siltitos fossilíferos ao nível da zona pálida-mosqueada.

 

AGRADECIMENTOS

Ao CNPQ pela concessão de bolsa de produtividade em pesquisa e taxa de bancada ao autor (Processo n° 305015/2016-8); a Alessandro Sabá Leite pela leitura crítica e construtiva do texto e suas ilustrações e a Gisele Tavares Marques pela ilustração do icnito da Baía do Sol.

 

REFERÊNCIAS

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