09 – MINAS DO CAMAQUÃ E O FECHAMENTO DE MINA

Ano 06 (2019) – Número 03 Artigos

 10.31419/ISSN.2594-942X.v62019i3a9RMK

 

 

CAMAQUÃ MINES AND MINE CLOSURE

 

Rubens Müller Kautzmann

Mestrado em Avaliação de Impacto Ambiental, Universidade La Salle – Prof. Dr., rubens.kautzmann@unilasalle.edu.br

Agência Nacional de Mineração (ANM-RS). Eng. Minas, rubens.kautzmann@anm.gov.br

 

Raul Oliveira Neto

MINERA Consultoria e Projetos. Eng. Dr., raulneto57@gmail.com

 

Diego dos Santos de Medeiros

Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Minas, Metalurgia e de Materiais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorando MSC. Eng. Ambiental, demedeiros.santos@gmail.com

 

ABSTRACT

Mine Closure is a current subject in the management of mining companies (which deserve this name), in the academic and public management, but it is also increasingly present in communities that have sprung up and largely depend on this industrial activity. One of the many examples of closure, or mine closures, is the copper mines of Camaquã in Rio Grande do Sul (RS). It was our first copper mine and a learning place for many mining engineers and geologists. Copper in the state’s shielded lands, especially Minas do Camaquã, is known since the late 19th century (1870). In the early 20th century, European companies took turns there, but they shut down because of the lower price and higher quality concentrate in Europe. Only in 1942, mining resumed at Camaquã Mines, when the village also emerges, as it is known today, along with the creation of the Brazilian Copper Company (CBC). CBC was created from a partnership between the State Government and the businessman Francisco “Baby” Pignatari. This society and economic reserves lasted until 1976, when once again mining was paralysed. CBC then becomes a federal state-owned company, which has developed detailed geological prospecting to expand measured reserves of the mined body. With the success of the research, the resumption of copper mining and processing begins again in 1982. In this new period of activity, the company ceased to be state-owned and started to be managed by its employees, who maintained it until 1996, when it was closed for the third time. Once again, the known reserves have been exhausted, but this time, a research to expand reserves has not been successful. CBC and the Camaquã Mines community focus their efforts on developing adventure tourism activities, taking advantage of the richness of the local landscape and the inherited liabilities of mining. In May 2019, there was a small village with apparent neglection and the resilient community living there, confident that the riches found in its rich subsoil and the beauty of its landscape can be discovered again.

Keywords: CBC, Pignatari, Copper, Rio Grande do Sul.

 

RESUMO

O fechamento de mina é tema atual na gestão das empresas de mineração (que merecem este nome), nos meios acadêmico e de gestão pública, mas também, cada vez mais presente, nas comunidades que surgiram, e em muito dependem desta atividade industrial. Um dos tantos exemplos de fechamento, ou fechamentos de mina é a das minas de cobre de Minas do Camaquã, no RS. Foi nossa primeira mina de cobre, e um local de aprendizagem para muitos engenheiros de minas e geólogos. O cobre nas terras do escudo sul riograndense, em especial em Minas do Camaquã, é conhecido desde o final do Século XIX (1870). No início do Século XX, as empresas europeias que ali se revezaram, encerraram suas atividades, devido ao preço menor e maior qualidade do concentrado na Europa. Somente em 1942, a mineração foi retomada em Minas do Camaquã, quando também surge a vila, como hoje é conhecida, juntamente com a criação da Companhia Brasileira de Cobre (CBC). A CBC surgiu de uma parceria entre o Governo Gaúcho e o empresário Francisco “Baby” Pignatari. Esta sociedade e as reservas econômicas durariam até 1976, quando mais uma vez a mineração é paralisada. A CBC passa então a ser uma estatal federal, que desenvolveu prospecção geológica detalhada visando a ampliação das reservas medidas do corpo lavrado. Com o sucesso da pesquisa, a retomada da lavra e beneficiamento do cobre se reinicia em 1982. Neste novo período de atividade a empresa deixou de ser estatal e passou a ser gerida pelos seus funcionários, que a mantiveram até 1996, quando fechou pela terceira vez. Mais uma vez as reservas conhecidas foram exauridas, mas desta vez, as pesquisas para ampliação das reservas não tiveram sucesso. Então a CBC e a comunidade de Minas do Camaquã direcionam seus esforços ao desenvolvimento de atividades ao turismo de aventuras, aproveitando a riqueza da paisagem local e os passivos herdados da mineração. Em maio de 2019 encontrou-se a pequena vila com ares de abandono e a resistente comunidade que ali habita confiantes que as riquezas encontradas em seu rico subsolo e a beleza de sua paisagem possam ser novamente descobertas.

Palavras-chave: CBC, Pignatari,  cobre, Rio Grande do Sul.

 

INTRODUÇÃO

Durante sete dias no mês de maio de 2019 tive o prazer de realizar minha primeira Viagem Pitoresca e conhecer seu pequeno e valoroso grupo de estudiosos da geologia e da exploração integrada dos bens minerais à natureza e à civilização brasileira. Foi também a primeira Viagem Pitoresca dos membros do Grupo de Mineralogia e Geoquímica Aplicada – GMGA, da Universidade Federal do Pará (UFPA) a sair dos seus domínios na Amazônia, e vir ao sul realizar a Viagem Pitoresca Gauchesca Tchê.

Neste transect norte–sul sobre os domínios geológicos do Rio Grande do Sul visitou-se dois marcos da extração de riquezas minerais no RS, e que hoje são minas fechadas. O primeiro local está em São Miguel das Missões e remonta ao século XVII quando as Missões Jesuítas se estabeleceram no planalto do Rio Uruguai. Lá o grupo da Viagem Pitoresca Tchê conheceu uma acanhada pedreira escavada no leito de um arroio, de onde blocos de arenito foram lavrados para contribuir na construção, do que hoje são as ruinas de São Miguel. Quantas pedreiras abasteceram a construção daquele projeto de civilização?

O segundo local visitado (Figura 1) foi a vila de Minas do Camaquã, nossa primeira e única mina de cobre, localizada na Unidade Escudo Sul Riograndense. Minas do Camaquã foi descoberta no final do Século XIX em terras do município de Caçapava do Sul. É um caso clássico de fechamento ou fechamentos de mina, onde uma comunidade mineira é razão e dependente da atividade de mineração. É sobre este local e sua história que trata este escrito.

Durante a visita a Minas do Camaquã colheu-se impressões da realidade de sua comunidade, que luta para se reintegrar à sociedade e economia do Rio Grande do Sul, vislumbrando um futuro de novo ciclo de mineração, pois novos depósitos metálicos surgem das pesquisas de seu rico subsolo, ou pela atração de visitantes para desfrutar as belezas naturais de sua geografia.

 

Figura 1. Imagem do Google Earth de 02/04/2019 da localidade de Minas do Camaquã: a cava a céu aberto que lavrou os pilares e minério não alcançado na lavra subterrânea da Mina Uruguai; a Barragem de Rejeitos, hoje um depósito de areia, agora é tida como de perigo iminente, após os lamentáveis erros de gestão da mineração em Minas Gerais; a Barragem do Arroio João Dias, armazenador de energia para a mina, e água para o beneficiamento, e garantia de água para à comunidade; e as maravilhosas Guaritas de arenito da Formação Guaritas.

 

Ao final da tarde, após a explanação do Geol. Samuel Boucas do Lago, da Nexa Brasil, sobre os depósitos de cobre, chumbo e zinco, cujo projeto aguarda decisão sobre o licenciamento ambiental (LP), o grupo da Viagem Pitoresca Tchê, parou no Centrinho da vila. La estava o velho Cine Rodeio abandonado (Figura 2) retratando a condição de abandono da vila e seus habitantes.

Naquele momento, a pergunta que se apresentava a um Engenheiro de Minas, formado em 1980 pela Escola de Engenharia da UFRGS, funcionário do DNPM, hoje Agência Nacional de Mineração (ANM) era: Faltou um Plano de Fechamento de Mina? E se faltou, como seria? E como deveria ser?

As respostas não estão neste escrito, mas talvez, o mais importante, é revelar a existência desta vila, que muito além de ter prédios e benfeitorias, teve e tem habitantes, pessoas que viveram e vivem a dramática história de prosperidade e abandono da vila de Minas do Camaquã.

 

Figura 2. Centrinho de Minas do Camaquã. O Cine Rodeio, originalmente um cinema e depois local de confraternização e associação, e a pracinha com máquinas da época do Pignatari.

 

Um pouco da história da mineração em Minas do Camaquã

A história de Minas do Camaquã é também a história do empreendedorismo da mineração no Rio Grande do Sul. Começa em 1865, quando o fazendeiro e coronel da Guarda Imperial João Dias dos Santos Roza topou com pedras de coloração esverdeada em sua propriedade. Nesta mesma época os ingleses descobriram ouro em Santo Antônio das Lavras, a atual Lavras do Sul, e aquelas pedras de cores verdes poderiam ter valor. Aproveitando que o Rei Dom Pedro II estava em visita a Caçapava do Sul, por razão da Guerra do Paraguai, João Dias decide levar a amostra a Sua Majestade, homem de grande saber. João Dias cavalgou um dia de sua estância à Caçapava do Sul. Lá conseguiu audiência com o Monarca. Fardado como Coronel da Guarda Nacional, patente que recebeu após a Guerra dos Farrapos, João Dias entregou a amostra ao Imperador, que analisou o material, dizendo-lhe ser seguramente de valor. Na mesma hora, Dom Pedro II escreve uma carta em inglês, lacrada com o sinete real, e manda João Dias levá-la aos engenheiros ingleses da The Rio Grande Gold Mine, que garimpavam em Lavras. Isto foi feito e pouco tempo depois o engenheiro inglês Mister Blood realizou campanha de amostragem onde João Dias encontrara as primeiras amostras, mapeado por Blood com Cerro João Dias. O material foi então enviado a Londres. A resposta informava tratar-se de minério de cobre de bom teor (De Medeiros, 2017). Com outras nuances, a história desta descoberta é também contatada nos artigos de Schneider e Brasil (2014) e Gonzatto (2019).

Os livros “Minas do Camaquã: Um estudo multidisciplinar”, coordenado por Ronchi e Lobato (2000) e “Baby Pignatari: O Centauro de Bronze”, produção coletiva de Macedo et al. (2017) da Oficina de Criação Literária Alcy Cheuiche, trazem um belo trabalho de pesquisa sobre a história da mineração de cobre nas terras de João Dias. No primeiro capítulo do livro “Minas do Camaquã”, Marluza Marques Harres (2000) situa o leitor na história deste empreendimento. Nos conta, que desde o início do Século XIX, na região de Caçapava do Sul e Lavras do Sul, já havia o conhecimento de ocorrências e extrações de ouro e cobre. A primeira concessão de mineração noticiada foi para a Companhia de Ouro e Cobre do Sul do Brasil em 1870, em local não definido, mas no grande município de Caçapava do Sul. Na época da descoberta de cobre nas terras de João Dias, o Engenheiro de Minas J. H. Brendel, da Companhia de Ouro e Cobre do Sul do Brasil, relata a atividade de mineração ali realizada, como não merecedora do nome de mina, pois eram apenas “buracos sem regra nem simetria, trabalhos de ocasião ou pilhagem” (Brendel, apud Harres, 2000).

O uso crescente na indústria europeia de metais como o cobre e o sempre desejado ouro trouxeram para o Rio Grande do Sul empresários e empreendimentos do velho continente. A primeira lavra na futura localidade de Minas do Camaquã foi de ingleses, abrindo a Galeria dos Ingleses (Figura 3). Sua empresa The Rio Grande Gold Mining Limited operou no período de 1870 e 1877. Após a empresa inglesa encerar suas atividades a mina retornou a posse de João Dias. Após quase uma década adormecida, estas ricas terras sofreram mais um período de exploração de minério por alemães de Pelotas, entre 1888 e 1899, com destino a Hamburgo, Alemanha. A estes, ainda em 1899, sucedeu um grupo de investidores belgas e criou-se a Cia. Belga, que operou até 1907, quando o preço do cobre caiu, devido à ampliação da produção nos EUA (Gonzatto, 2019). Este pode ser considerado o primeiro Fechamento de Minas do Camaquã. O que se passou com a rica comunidade mineira e cadeia produtiva da mineração do cobre está no livro Baby Pignatari, o centauro de bronze (De Medeiros et al., 2017).

A mineração retornou apenas com a Segunda Grande Guerra, resultado da emergente necessidade de metais ao esforço de guerra. As barreiras ao transporte dos minérios entre continentes, obrigou os aliados a buscar qualquer possibilidade de cobre próximo de suas metalurgias.

 

Figura 3. Galeria dos Ingleses.

 

Mas isto só foi possível, pois antes, como nos conta Harres (2000) o Brasil já vinha se modernizando no trato de seus bens minerais. A política do Estado Novo oferece o primeiro regramento ao setor da indústria mineral. A nova constituição estabelecia a distinção entre a propriedade do solo e do subsolo. O bem mineral passa a pertencer ao Estado, que irá conceder o direito da lavra mineral. Para atender a esta nova política, em 1934, foi criado o DNPM – Departamento Nacional da Produção Mineral, na época, vinculado ao Ministério da Agricultura. Neste momento, o DNPM através de seu 1º. Distrito de Porto Alegre direciona suas pesquisas às terras de Caçapava do Sul e Lavras do Sul.

Pensando como seria a atividade de pesquisa naquela época o autor deste trabalho retrata em desenho, um momento imaginado do encontro entre um “gringo” e nossos gaúchos (Figura 4).

 

Figura 4. O gringo topógrafo, do autor.

 

A partir de 1936, estudos geológicos sistemáticos para a determinação das reservas de cobre na região são planejados e executados pelo DNPM. Este esforço de pesquisa e fomento mineral permitiu a criação, em 1942, da CBC – Companhia Brasileira do Cobre. A mina de Minas do Camaquã tem agora um corpo mineral com recursos medido, que viabilizam a implantação de um empreendimento da indústria de mineração. A CBC surgiu com recursos da parceria público privada entre o Estado do Rio Grande do Sul e a Laminação Nacional de Metais Ltda., de Francisco Pignatari, como sócio majoritário, com 33% de ações cada um. Segundo De Macedo et al. (2017) projeto de Getúlio Vargas para o desenvolvimento e autossuficiência da indústria em sociedade com um brilhante empresário e contumaz playboy, Baby Pignatari.

No arquivo da Gerência da Agência Nacional de Mineração, em Porto Alegre, encontra-se o processo DNPM 94/1937, formalizado sobre o Manifesto de Mina de João Dias, que em sua primeira folha, reproduzida na Figura 5, traz o artigo do técnico do DNPM, Emilio Alves Teixeira (possivelmente Eng. de Minas), onde este descreve as principais jazidas metálicas conhecidas na região de Caçapava do Sul e Lavras do Sul, assim grafada: Mina de Camaquan (ou Camaquam como era escrito na época), Mina do Seival, Crespo, Porteiras, Bom Jardim, Andradas, Primavera, Cerro dos Martins e Santa Barbara (Teixeira, 1937). De acordo com o Cadastro Mineiro o título minerário desta jazida é o Manifesto de Mina, outorga publicada em 30/05/1939.

 

Figura 5. Primeira folha do processo DNPM 94/1937.

 

A Companhia Brasileira do Cobre, como sociedade entre o Estado do Rio Grande do Sul e Francisco Matarazzo Pignarari, duraria até 1952, quando Pignatari adquire a parte do Estado, quando Getúlio Vargas volta a Presidência do Brasil. Sobre o comando de Pignatari, uma época de prosperidade se inicia em Minas do Camaquã (De Macedo et al, 2017).

Em 1958 fechava contrato com a Mitsubishi Metal Mining Company para assistência técnica às Minas do Camaquã. O período Pignatari se encerra por pressão do Governo Militar que temia o desenvolvimento da indústria nacional privada sobre o cobre. Assim a CBC, com seu prometo em caraíbas e as minas de Camaquã em fase de exaustão da reserva conhecida é em 1976 adquirida pela FIBASE, subsidiária do BNDES (De Macedo et al. 2017 e Harres, 2000).

A CBC encerra suas atividades em Minas do Camaquã, mas não a abandona. O conhecimento sobre os recursos minerais indicava potencialidade a ser pesquisada. Neste segundo Fechamento de Mina, o Código de Mineração foi atendido na forma de Suspensão Temporária de Lavra, Art. 58 do Código de Mineração (BRASIL, 1967), contemplou novos estudos geológicos, realizados pela DOCEGEO. Em 1977 a DOCEGEO apresenta ao DNPM o relatório de reavaliação de reservas do chamado Projeto Especial Camaquã. O projeto concluiu pela viabilidade econômica, com investimentos de US$ 50 milhões, prevendo uma lavra mecanizada das minas subterrâneas São Luiz e Uruguai e lavra a céu aberto da antiga mina Uruguai. Novo processo industrial de beneficiamento foram instalados para produção de 12 mil t/ano de cobre contido no concentrado (Harres, 2000).

A mina foi aberta em 1981, operando em três turnos de produção e empregando 80 mineiros por turno. Como a produção não atingiu as expectativas de projeto, o BNDES assume o endividamento de US$ 29,7 milhões e em 1988 abre leilão de privatização da CBC. Não tendo havido interesse na compra, os empregados constituíram a Holding Bom Jardim que adquiriu a CBC (Harres, 2000).

A CBC agora gerida por seus empregados conseguiu saldar suas dívidas com o BNDES comercializando o concentrado de cobre enviado a Caraíba Metais, mas incluindo também o ouro contido (240 kg/ano) e prata (22 mil kg/ano) (Harres, 2000).

As reservas pesquisadas pela DOCEGEO exauriram em 1996, e a mina é fechada uma terceira vez. Os esforços de pesquisa em maior profundidade, iniciados em 1990, frustraram expectativas de realizar a cubagem de um corpo próximo, à mina. Ao contrário da anterior, não houve a retomada das pesquisas e as instalações e bens da CBC foram vendidos. A CBC abandona também a administração da vila. Assim, talvez seja a primeira vez, que a vila de Minas de Camaquã dependa integralmente da gestão pública, para prover na totalidade os serviços à vila.

A situação dos direitos minerários nos domínios de Minas do Camaquã não se alterou desde o encerramento das atividades de mineração em 1996. O Grupamento Mineiro DNPM 910.139/1982, que engloba o Manifesto de Mina e duas áreas de concessão de lavra de 1967, protocolizou em 06/11/1997 requerimento de Suspensão Temporária de Lavra (ANM, 2019), sem ter tido até o momento ação efetiva, tanto do novo controlador da CBC como do órgão gestor da mineração, no sentido de prover pesquisa ou destinação ao título minerário.

 

A vila de Minas do Camaquã

A pitoresca paisagem urbana da vila de Minas do Camaquã, uma pequena comunidade mineira no vale das nascentes do arroio João Dias, rodeada por imponentes saliências de arenito, algumas chamadas Guaritas, lapidadas pelos elementos, é desenhada com a chegada da CBC. A Figura 6 mostra a foto da vila de Minas do Camaquã quando iniciava a ser construída pela administração Pignatari extraída do artigo de Schneider e Brasil (2014).

 

Figura 6. Vista de Minas do Camaquã nos primórdios da mineração pela CBC, extraída do artigo de Schneider e Brasil (2014).

 

No auge de produção da mina, entre 1954 a 1975, foi também quando a vila demarcou sua pequena área urbana e alcançou 4 mil habitantes. A vila possui uma zona residencial circundando a praça central com o cinema Cine Rodeio e a cancha de futebol; e sobretudo contava com estrutura de serviços de tratamento de água, hospital, escola, capela (igrejinha), comércio e hospedagem.

A “pequena” cidade, como é tratada por Ströher (2000), certamente é porque gozava de autonomia em recursos e serviços disponíveis a sua comunidade, pouco ou nada dependente de Caçapava do Sul.

A CBC não recebeu somente uma mina, recebeu também uma importante obra de infraestrutura, e um dos marcos de Minas do Camaquã, a represa ou barragem de água do Arroio João Dias. A barragem foi construída pela Cia. Belga para fornecimento de energia ao empreendimento e suprimento de água ao processo de beneficiamento do minério. A jusante da barragem e próximo ao canal do arroio João Dias encontra-se o antigo Prédio do Beneficiamento (Ströher, 2000).

Outro marco da época Pré-CBC é a sede da fazenda de João Dias, que abrigou por muitos anos o clube da vila, e hoje é a sede da Nexa Brazil, empresa que representa a esperança de um novo ciclo de prosperidade para Minas do Camaquã, e sem dúvida também para a Metade Sul do Rio Grande do Sul.

A época do apogeu da vila foi também a época de Pignatari ou “Baby” como era conhecido na Sociedade Paulistana e em Minas do Camaquã. Como dono e gerente da mina, possuía uma bela residência no alto da vila, até hoje preservada. Suas visitas e estadas na vila eram rotineiras e sempre que estava na vila, era motivo de festa e comemoração (Schneider; Brasil, 2014)

Quando a Era Pignatari se encerra em 1976 a pequena “cidade” possuía todos os equipamentos sociais e de serviços necessários a uma comunidade, para lhe suprir uma boa qualidade de vida.

Em 1972, a população totalizava 3.878 habitantes; destes, 1.400 eram empregados da Companhia e, os demais, dependentes. A comunidade contava com 485 residências, com rede de abastecimento de água e luz, dispunha ainda de um sistema de transporte gratuito, pois o complexo estendia-se por 600 hectares. Para o abastecimento alimentar, a empresa mantinha supermercado, padaria, horta, granja, açougue e bares (CBC apud Harres, 2000)

Eneida Ripoll Ströher (2000), no livro Minas do Camaquã, aborda o espaço urbano e arquitetura da Vila de Minas do Camaquã, e oferece reflexões sobre a importância e oportunidade que espaços históricos desta natureza, não sejam abandonados, quando da ausência da atividade que as mantinha. Coloca que o “mais importante e preocupante” é pela sobrevivência do organismo vivo que é Minas do Camaquã, “que está morrendo”.

 

Os Fechamentos da Mina do Camaquã

Como vimos foram três os momentos da completa paralisação da lavra e desmobilização que a vila de Minas do Camaquã sofreu. O que estes três fechamentos de mina têm em comum são a queda de preço do metal e a exaustão do corpo rico conhecido. A retomada da mineração, em 1942 e 1982 foram decorrência de estudos sistemáticos para descobrir a continuidade de recursos minerais econômicos que viabilizaram a retomada da mineração.

Quais os traumas e vivências experimentadas na ocasião nos dois primeiros fechamentos de minas, no início e na década de 1970 do Século XX? Certamente ocorreram.

No segundo Fechamento de Mina, de vivência contemporânea, houve significativa perda de postos de trabalho, que na época foram absorvidos pela indústria mineral do carvão, e pelo próprio desenvolvimento que o Brasil experimentava. Sobretudo, outro contingente de empregados foi mantido, para a manutenção da mina e serviços de pesquisa. A empresa CBC foi mantida, e com ela a administração dos serviços públicos da vila. Para o Código de Mineração é este o modelo adequado à Suspensão dos Trabalhos de Lavra: quando as atividades de produção são interrompidas, mas uma proposta de continuidade de trabalhos de pesquisa para ampliação e descoberta de novos recursos minerais são apresentados, aprovados e executados.

Na opinião de Ströher (2000), a melhor solução para Minas do Camaquã seria a reativação da mina, e com isto, a reocupação da vila e da sua identidade mineira. Porém, no atual e terceiro Fechamento de Mina, ainda em fase de análise do requerimento de suspensão dos trabalhos de lavra, as pesquisas para a ampliação ou continuidade da mineralização cubada pela DOCEGEO, não lograram sucesso. Além da tentativa de pesquisa, com sondagem em profundida executada pela CBC na década de 1990 e pela Anglo Gold entre 2000 e 2008 não indicaram potencial econômico que compensasse maiores investimentos. Assim, pela primeira vez em um século as perspectivas da retomada da mineração no Cerro João Dias também exauriram.

Pode-se traçar um paralelo entre o atual fechamento de mina, ou suspensão, e a suspensão ocorrida entre 1976 e 1982. Quando houve a estatização da CBC, tínhamos no Brasil um estado paternalista, portanto estatizante, principalmente no que se referisse aos recursos minerais. Assim, o Governo Brasileiro assume a empresa e os investimentos na pesquisa geológica, através da DOCEGEO. Assume também: a estrutura, os equipamentos, o passivo funcional e as dívidas. Tal esforço resulta em um novo projeto e uma década e meia de mineração e prosperidade.

Ao contrário, em 1996 a CBC já não era mais uma Estatal, e o destino da mina e sua vila pertencia à empresa, a seus trabalhadores e a sua comunidade. Deve ser feita justiça à CBC e seu controlador, que não esperou a conclusão do reestudo geológico para dar início em 2001 ao processo de construção de um novo perfil para a mina e vila, o do Ecoturismo.

 

Plano de Ocupação e Uso Futuro da Área das Minas do Camaquã

Levando em conta toda a infraestrutura da mina e da vila, e das belezas naturais das Formações Guaritas duas alternativas possíveis para reintegrar a região ao sistema produtivo foram avaliadas. Primeiro, um alto investimento em prospecção, pesquisa e revisão dos modelos genéticos de mineralização de Cu-Au visando a retomada das atividades mineradoras. Segundo, um investimento menor com foco no ecoturismo, reaproveitando tanto a estrutura da mina, a boa urbanização da vila e as belezas da Formação Guaritas (morros testemunhos) e da natureza em harmonia com a atividade rural, onde as tradições e cultura e tradicionalismo gaúcho ainda estão vivas.

O Complexo Turístico e de Lazer esboçado pela CBC foi preparado pela empresa Geomarket, partindo de um plano base idealizado e concebido pelo liquidante da CBC à época, o Geólogo Nilson Dornelles. Os principais aspectos do projeto são assim sintetizados:

  • Cultural

Identificado pelos diversos ciclos de exploração mineira ao longo de 130 anos, que deixaram registros de suas passagens nas edificações de casas, nas galerias e em diversos documentos. Estes pioneiros foram homenageados com a designação de seus nomes para a denominação das ruas das Minas do Camaquã. Na época em que a CBC era propriedade do empresário Francisco “Baby” Pignatary, e sua presença encontra-se devidamente preservada através da sua casa de moradia e do Cine Rodeio, um prédio no estilo de “saloon” americano.

  • Mineração

As atividades de mineração produziram duas minas subterrâneas denominadas São Luiz e Uruguai, que atingiram 500 m de profundidade e desenvolveram mais de 40 km de galerias. Os túneis antigos possuem trilhos para pequenas locomotivas, e as galerias abertas a partir de 1980 podem ser percorridas por caminhonetes, caminhões e até micro-ônibus. A mina à céu aberto é uma enorme escavação com 900 m de comprimento, 600 m de largura e uma profundidade de 260 m, parcialmente inundada, permitindo práticas de esportes aquáticos.

  • Museu do Cobre

Equipamentos antigos, documentos, fotografias, objetos utilizados pelos mineiros, acervo técnico das pesquisas minerais com relatórios e mapas, além de mais de 300.000 m de testemunhos de sondagens amostrados nas principais ocorrências geológicas do Escudo Sul Riograndense e que se constitui na maior litoteca do sul do Brasil.

  • Turismo Ecológico

Diversas trilhas já são percorridas a pé na região, tendo como atração a paisagem rochosa com belas formas esculturais; há grande quantidade de espécies de cactos e animais silvestres como veados, tucanos, seriemas, lontras e bugios.

  • Esportes Radicais

Formações rochosas com mais de 100 m de altura e com flancos íngremes próprios para rapel, prática de asa delta e montanhismo. Trilhas com diversos graus de dificuldade para autocross, motocross e bicicross.

  • Pesca & Náutica

Uma represa com 5.000.000 m3 de água permite criação de trutas para pesca esportiva, além de grande espaço para prática de vários esportes náuticos como windsurf, caiaques etc.

  • Equipamentos de Diversão

Dentre outras opções, passeio de locomotiva num percurso de 2 a 3 km, sendo parte na Galeria dos Ingleses (aproximadamente 1 km) e o restante na reconstituição da linha no antigo trajeto do minério, desde a jazida até as instalações de beneficiamento junto ao Arroio João Dias.

  • Lazer

Dentro dos 1.300 ha que compõem a propriedade das Minas do Camaquã encontram-se espaços adequados para uma variedade muito grande de lazer. Há desde uma área de 150 ha que se pode abrigar um campo de golfe, até outra de 23 ha onde já está instalada toda infraestrutura para a demonstração das atividades campeiras dos gaúchos.

Os aspectos levantados permitem uma leitura ambiental integrada da geologia, botânica, zoologia com atividades lúdicas, através da montagem de diversas ações como: Roteiros ecoturísticos, Educação Ambiental e Esportes de Aventura. Tais ações implicariam na parceria e treinamento da população local valorizando suas tradições, culinária e artesanato.

A proposta deste complexo ecoturístico e de lazer, se reveste de vital importância na manutenção da boa qualidade ambiental existente, e ainda no fomento de sua melhoria gradativa, onde mineração e natureza formam um parque temático único das Minas do Camaquã.

O projeto idealizado pela CBC chegou a ser iniciado, obtendo boa receptividade da comunidade, que passou a participar através da abertura de pousadas ou prestando serviços durante as atividades promovidas.

As Figuras 7 apresentam alguns dos registros fotográficos contidos no projeto do Uso Futuro das Minas do Camaquã de ações adotas pela CBC no processo de adequação e construção do projeto turístico.

 

Figura 7. Recuperação da Bacia de Rejeitos. Plantio de eucaliptos sobre o rejeito arenoso. Fonte: Minerar Consultoria e Projetos.

 

Figura 8. Revegetação da Área Urbana: Promoção a arborização dos espaços públicos e particulares da Vila. Fonte: Minerar Consultoria e Projetos.

 

Figura 9. Preservação do Patrimônio Geológico e Paisagístico: Pedra do Cruzeiro. Bloco de arenito assim denominado com a colocação da Cruz no Natal de 1968.

 

Figura 10. Preservação do Patrimônio Geológico e Paisagístico: Cava da Mina Uruguai. Em primeiro plano espécie de cactos nativo da região.

 

Figura 11. Preservação e Retorno da Fauna: Proteção a população de lagartos comuns nas áreas das Minas do Camaquã e Guaritas.

 

MINAS DO CAMAQUÃ HOJE

A ideia de transformação da mina e da vila de Minas do Camaquã em um polo do ecoturismo e turismo de aventura, sem dúvida é uma boa ideia. Contou com o empenho da CBC e empreendedores tanto da comunidade da vila, como também de Caçapava do Sul. Uma primeira estrutura de acolhimento e hospedagem aos ecoturistas foi estabelecida e as atividades realizadas tiveram bom afluxo de participantes. Minas do Camaquã contava com um bom afluxo de visitantes aos finais de semana e as excursões de estudantes era frequente.  Porque então, em 2019, visita-se uma vila abandonada e uma mina fechada?

Certamente ao idealizar o projeto o empresário esperava que o descomissionamento ambiental fosse um processo fácil e descomplicado. Mas não foi. O órgão ambiental do Estado considerou que havia passivos ambientais a ser recuperados ou reparados, como a cava da mina a céu aberto. A negativa do órgão ambiental implicou também na impossibilidade de dar baixa ao direito mineral. Neste contexto, a área da mina continua demandando ações de compromisso da CBC frente à ANM e ao órgão ambiental.

Frente a esta primeira negativa do órgão ambiental em 2004, a CBC e os empresários levam em frente as ações de turismo, sem buscar novas alternativas de regularizar a atividade. As visitas turísticas às estruturas da mina, como galerias e cava a céu aberto são promovidas.

Em vistoria do DNPM a área da mina em 2016, constatam-se falhas graves de segurança e controle do acesso de pessoas (turistas) a estes locais. O DNPM determina então a interrupção do acesso de pessoas às áreas da mina e solicita que a empresa se manifeste quanto ao uso turísticos da mina. Na mesma época o órgão ambiental toma a mesma atitude impedindo o acesso de pessoas à mina. Também nesta época, o controle e recuperação da barragem de rejeitos passam a ser objeto de demanda de ações no Ministério Público, como da fiscalização dos órgãos se mineração e meio ambiente.

Certamente este quadro desfavorável gerou conflitos entre a empresa CBC e seus parceiros no projeto turístico, e com isto interrompe-se também as ações turísticas que eram promovidas em Minas do Camaquã.

A condição em que se encontra as Minas do Camaquã, em 2019, é o resultado da incapacidade de articulação entre empresários e gestores públicos para o encaminhamento de boas ideias e soluções factíveis. Quando a culpa é de ninguém, ela é de todos.

 

Agradecimentos

Ao GMGA – Grupo de Mineralogia e Geoquímica Aplicada pela promoção da Viagem Pitoresca Gauchesca Tchê, acolhida. Ao Geol. José Luiz Reichel pelo empréstimo dos dois livros utilizados nas referências deste trabalho.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Código de Mineração, Decreto-Lei Nº 227, de 28 de fevereiro de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0227.htm

Gonzatto, M. Um lugar no Passado. Zero Hora. In. Zero Hora: https://zerohora.atavist.com/minasdocamaqua. Acessado em: outubro 2019.

Harres, M. M. 2000. Minas do Camaquã (Caçapava do Sul, RS): A exploração do cobre no Rio Grande do Sul. In: Minas do Camaquã, Um estudo Multidisciplinar, Unisinos, São Leopoldo,  p. 21-53.

De Macedo. A. M.; Cavalheiro, A.Z.S.; Cassel. C.; Dorneles, I.T.; Burin, L.H.; Ferreira, P.N.; Cassol, R.C,; Beck, R.P. 2017. Baby Pignatari, o centauro do Bronze. 2ed. AGE Editora, Porto Alegre. 134 p.

Ronchi,  H.; Lobato, A. O. C. (Org.). 2000. Minas do Camaquã: Um estudo multidisciplinar. Unisinos, São Leopoldo. 365 p.

Schneider, E.; Brasil, W. Minas do Camaquã: de João Dias (história) … aos dias de Baby Pignatary. Gazeta de Caçapava. 22/09/2014. In http://farrapo.com.br/noticias/2/8427/Minas-do-Camaqua-de-Joao-Dias-historia-…-aos-dias-de-Baby-Pignatary.html

Ströher, E. R..2000. Vila Minas do Camaquã: Uma visão da arquitetura. In: Minas do Camaquã: Um estudo Multidisciplinar, Unisinos, São Leopoldo.  pp 55-84

Teixeira, E. A..1937. Cobre no Rio Grande do Sul. Processo 94/1937, Cia Brasileira do Cobre, Departamento Nacional da Produção Mineral. Sem paginação.

 

 

 10.31419/ISSN.2594-942X.v62019i3a9RMK