01 – SULTANATO DE OMÃ: UM CENÁRIO GEOTURÍSTICO NO DESERTO

Ano 06 (2019) – Número 02 Artigos

 10.31419/ISSN.2594-942X.v62019i2a1LBAN

 

 

Leonardo Boiadeiro Ayres Negrão1; Caio Alves de Moraes2; Aline Cristina Sousa da Silva3, Patrícia da Silva Rodrigues4

 

1: Geólogo, Mestre pela UFPA, Doutorando – Martin-Luther-University Halle-Wittenberg. Email: boiadeiro.negrao@gmail.com

2: Geólogo, Mestre pela UFPA, Doutorando – Georg-August-Universität Göttingen. Email: caio_alves_@hotmail.com

3: Geóloga, Mestre pela UFPA. Email: alinecs.silva@hotmail.com

4: Geóloga, Mestre pela UFPA, Senior Intern – German University of Technology in Oman. Email: srdrigues.patricia@outlook.com

 

Abstract

Situated in the Arabic peninsula, Oman is internationally known for its geologic wonders, including many rocky outcrops, the Oman Ophiolite, as well as for its archaeological heritage and the spectacular Arabic culture facing the oil boom. This text shortly presents the country and some of its geological and archaeological heritage, from the view of four graduates in geology by the Federal University of Pará, Brazil, when they experienced an academic internship offered by the German University of Technology in Oman.

Key-words: Oman; geosites; Samail Ophiolite; Aflaj

 

Resumo

Situado na península arábica, Omã é reconhecido internacionalmente por suas maravilhas geológicas, incluindo diversos afloramentos rochosos, o Ofiolito de Oman, os sistemas de irrigação Aflaj (Patrimonio Mundial da Unesco) em meio ao deserto, e a espetacular cultura árabe frente ao boom do petróleo. Esse texto retrata as experiências de quatro graduados em geologia pela Universidade Federal do Pará, em um primeiro contato com Omã e o mundo árabe, na oportunidade de um estágio acadêmico junto a German University of Technology in Oman.

Palavras-chave: Omã; sítios geológicos; Ofiolito Samail; Aflaj

 

Introdução

O Sultanato de Omã, ou apenas Omã, país muçulmano de maioria sunita pacífica consiste em uma monarquia absoluta, governada pelo Sultão Qaboos bin Said al Said desde 1970, o monarca a mais tempo no poder no mundo árabe. Também, provavelmente, um dos mais adorados pelo seu povo, fruto de suas reformas populares com forte investimento na infraestrutura do país, a partir dos lucros obtidos com o petróleo e gás depois de 1967, quando o Sultanato começou a explorar suas reservas de combustível fóssil.

O país controla junto ao Irã, o famoso estreito de Ormuz, localizado entre o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã, um ponto historicamente estratégico que conecta o mundo árabe ao mar aberto, por onde passam hoje pelo menos um terço da produção mundial de petróleo. Mascate, a capital do país além de uma bela e moderna e cidade, já foi considerada um dos portos comerciais mais importantes entre o oriente e ocidente, tendo sido palco de diversos conflitos por seu domínio, entre árabes, persas, otomanos e portugueses, quando o Império Português controlou Omã durante boa parte do século XVI (Cunha, 2013).

Figura 1 – Vista da Baía de Mutrah, na capital Mascate, com um dos iates do Sultão Qaabos ancorado.

 

Os registros de ocupação na região são, entretanto, bem mais antigos (Rose et al. 2018). Sítios arqueológicos neolíticos são comuns (Méry & Charpentier, 2013), além de diversas edificações construídas para a produção de cobre nas montanhas de Omã. Algumas dessas foram recentemente consideradas as mais antigas do mundo, 3,100 anos antes de cristo, segundo datações de Carbono-14 (Times of Oman, 2018).

Hoje em dia, no entanto, o que movimenta a economia do país é a produção de petróleo e gás. O boom dessas commodities alimentou o crescimento econômico acelerado de Omã desde o final da década de setenta, e os investimentos em infraestrutura e educação fizeram minar diversas escolas e universidades na região, visando alimentar a oferta de jovens dos crescentes (e grandes) famílias omanenses a procura de formação acadêmica. Dentre essas, a German University of Technology in Oman (GUTech), uma universidade privada com raízes alemãs e afiliada a alemã RWTH Aachen University, figura como um dos principais centros de ensino superior no país. Na oportunidade de um estágio acadêmico oferecido pela GUTech, os autores tiveram contato com o país, sua cultura e a impressionante geologia local. Com vistas a compartilhar nossas experiências com amigos e demais leitores do BOMGEAM, descrevemos aqui algumas curiosidades sobre o país.

 

Localização

O Sultanato de Omã está localizado na porção sudoeste da Península Arábica, tendo fronteiras com os Emirados Árabes no Noroeste, Arábia Saudita no Oeste e com a República do Iêmen no Sudoeste. No litoral, a norte com o Golfo de Omã e a leste com o Oceano Índico (Mar Árabe ou Arábico).

Figura 2 Mapa de localização de Omã. Fonte: http://www.asia-turismo.com/oma/mapa.htm

 

O Sultanato possui aproximadamente 312.500 km2, equivalente a um quarto da área do estado do Pará, com 1700 km de região costeira, que se estende do Estreito de Ormuz no norte, até a fronteira com o Iêmen a sudoeste. O estreito de Ormuz é a única passagem entre o Golfo Pérsico e o oceano aberto, fazendo com que Omã compartilhe com o Irã o único escoamento marítimo da maior produção mundial de petróleo.

A capital Mascate, em inglês Muscat, é a maior cidade do país, com uma população de aproximadamente 1.4 milhões de pessoas. Ela se encontra na região litorânea e é bordejada pela cadeia de montanhas Al-Hajar, que marca a paisagem da cidade. Também conhecida como “Montanhas de Omã”, essas montanhas são formadas principalmente de calcários do Supergrupo Al-Hajar (Permiano – Cretáceo) e por rochas do Ofiolito Samail (Cretáceo Superior), e separam a região de planície costeira do alto planalto desértico até aproximadamente 100 km no interior do país.

 

Clima

As condições climáticas em Omã são hiperáridas a semiáridas com temperaturas próximas de 50°C durante o verão, e entre 15 e 23°C durante o inverno. Porém nas regiões montanhosas a temperatura se mantém moderada durante todo o período do ano. Chuvas em Omã, como em quase todas as regiões áridas, são escassas e irregulares. No entanto, o espectro de vida vegetal e a sazonalidade da floração é mais influenciado pela quantidade e distribuição de chuva do que as variações de temperatura (Ghazanfar, 1997). A precipitação média anual varia entre 50 e 350 mm.

A precipitação na Península Arábica é regulada pelas condições meteorológicas do Mediterrâneo, da Ásia Central, do regime marítimo tropical do Oceano Índico e da África tropical.

Uma característica da região são as inundações repentinas (flash floods), que resultam de eventos de precipitação superiores a 50 mm/dia (Schneider et al. 2018). Tais eventos apresentam apenas 0,4 a 2,9% dos dias chuvosos por ano e os eventos de precipitação em áreas desérticas são considerados altamente variáveis tanto no espaço como no tempo (Fisher, 1984).

 

Geografia

Omã situa-se sobre a placa tectônica da Arábia, que se move para norte e forma uma zona de colisão continente-continente a oeste, e a leste a Zona de subducção de Makran. Três grandes unidades geomorfológicas se destacam no País:

  1. Cadeias de Montanhas, que recobrem 15% do território nacional. Seu ponto culminante é o Jabal Shams com 3075 m acima do nível do mar, situado na cadeia de montanhas da parte central do norte do país.
  1. Planície costeira, que se estende de Batinah no Norte até a planície de Salalah no Sul, com altitude variando de 0 a 500 m, cobrem 3% da região continental. É nessas planícies que se desenvolvem as principais atividades de agricultura do país.
  1. O deserto arenoso, que se situa no interior do país, em área entre as cadeias de montanhas do norte e do sul, com altitude superior a 500 m, e recobrem grande parte do pais, 82%.

Figura 3 Vista a partir das montanhas de Jabel Shams, consideradas o “Grand Canyon Árabe” e dunas do deserto Wahiba Sands, no interior do país.

 

As cadeias de montanhas são bordeadas por imensos leques aluviais que se estendem do norte ao sul, formados por areia e cascalho.

Figura 4 Vista da vila Qantab envolta por rochas carbonáticas do Supergrupo Al-Hajar (Permiano-Cretáceo), nas proximidades de Mascate. A direita, uma das janelas geológicas na região de Mascate com rochas do Ofiolito Samail (Cretáceo Superior) ao fundo.

 

O litoral nordeste de Omã sofreu vários eventos extremos de onda no passado histórico, causados ​​por tsunamis e ciclones tropicais. A Zona de Subdução de Makran (ZSM) é a principal estrutura tectônica responsável pela maioria dos eventos de tsunami no Mar da Arábia. Terremotos relacionados com o ZSM provocaram numerosos tsunamis no norte do Oceano Índico no final do Holoceno (Heidarzadeh & Kijko 2011; Rastogi & Jaiswal 2006). O maior tsunami registrado na região ocorreu em 1945, quando um terremoto de 8.1 na escala Richter provocou um tsunami que impactou parte da costa do norte do Oceano Índico.

 

Sítios geológicos de Omã

Omã é muitas vezes descrito como paraíso geológico, onde em um espaço relativamente pequeno do território é possível encontrar diversis ambientes geológicos. Montanhas formadas por rochas de fundo oceânico de até 3000 metros de altitude, desertos de dunas de areias amarelo-ouro, profundo cânions formados por fluxos perenes de rios e praias fascinantes ao longo da região costeira, em todos os tons de azul, compõem este cenário.  Sítios arqueológicos e afloramentos rochosos são muito comuns no país, onde a vegetação escassa colabora com a exposição das mais diversas feições geológicas.

Figura 5 Falha normal em intercalações de calcários e folhelho negro do Grupo Hawasina (Permo-Triássico), corte de estrada próxima a vila de Bani Na’ab.

 

Wadi Shab

Uma das principais atrações turística no inverno para os amantes da natureza ou das rochas, é o “Wadi shab” (Fig. 5). O termo “Wadi” está associado à regiões áridas, como no Oriente Médio, onde há um leito fluvial efêmero, que geralmente se enche de água somente após fortes chuvas. O Wadi Shab fica a cerca de duas horas a leste de Mascate. A trilha de 2 km (45 minutos), acessível somente a pé, inicia-se com uma travessia curta de barco por moradores locais. O caminho é bastante sinalizado, sem grandes dificuldades, porém é recomendável usar sapatos apropriados que possam ser usados na água, pois há diversas piscinas onde se pode nadar ao longo do caminho.

As rochas carbonáticas maciço-nodulares, de cor amarelada formam degraus, lajes e cavas nas paredes sinuosas e estreitas de até 200 m de altura do cânion. O cânion é formado pela ação erosiva contínua da água, tendo como fonte uma corrente perene de água, com níveis variantes dependendo da precipitação (Hoffmann et al. 2016). Blocos maciços das rochas são frequentemente carregados para dentro do cânion, formados pelo alargamento de fraturas, devido a erosão. Os blocos maciços são expostos ao longo do caminho, sendo necessário em alguns pontos escalá-los para seguir adiante.

Os calcários são ricos em fósseis, incluindo numerosas espécies de corais, equinoides, bivalves, gastrópodes e os maiores foraminíferos, como os nummulitos, formados sob ambiente marinho de plataforma rasa durante o Paleo-Eoceno, sobrepondo a sequência do Ofiolito Samail.  O intemperismo promove um típico cenário cárstico, com numerosas cavernas e canais de drenagem subterrânea.

Há muitas tâmaras, as quais são cultivadas em terraços suspensos ao longo do wadi, agregando beleza ao percurso. A água usada para irrigação circula por meio do sistema falaj (Fig. 6) para dentro dos campos (Hoffmann et al. 2016). Piscinas de água azul com pequenas cachoeiras “surgem” entre os blocos de rocha. As piscinas são uma atração à parte do percurso. É comum se distrair observando os jovens Omanis disputando os melhores e mais altos saltos dentro delas.

 

Bimmah Sinkhole

O parque Bimmah fica a poucos quilômetros do Wadi Shab. A maior atração do parque é a cratera oval com cerca de 60 m de diâmetro e 25 metros de profundidade (Fig. 7). O local é muito visitado por turistas como balneário. A água da piscina natural é uma mistura de água do mar salina e água doce subterrânea, devido à proximidade do mar, 600 m.

A região costeira onde se localiza o Bimmah Sinkhole é dominada por calcários eocênicos da Formação Seeb, com suave mergulho para o Norte e, quando não afloram, estão cobertos por sedimentos arenosos pleistocenicos. A cratera foi formada pela dissolução dos calcários e consequente colapso.

Nas paredes da cratera e caverna inferior, é possível observar estalactites, formadas pela dissolução química de dos calcários por água meteórica, ambiente cárstico típico. Os mais corajosos se ariscam a demonstrar suas habilidades em saltos de diferentes alturas das paredes da cratera.

Figura 7 Vista do Bimmah Sinkhole, com os calcários da Formação Seeb, cobertos por sedimentos pleistocênicos.

 

Wahiba Sands

O deserto Wahiba Sands ocupa uma área de aproximadamente 16.000 km2. Ele é formado por dunas de areias avermelhadas de até 100 m de altura, que contém fragmentos de conchas, foraminíferos e pelóides (Gardner 1988), os quais podem estar fracamente cimentados por calcita ou dolomita, além de halita (Hoffmann et al. 2016). Os depósitos de dunas cimentadas são descritos como os mais extensos e contínuos depósitos de eolianitos do mundo (Hoffmann et al. 2016).  Acredita-se que esses depósitos se formaram durante as glaciações do Pleistoceno, quando o nível do mar estava mais baixo expondo uma porção maior da margem continental arábica (Searle 2014).

As dunas do Wahiba Sand são um dos principais destinos dos turistas a Omã e de amantes de esportes radicais. O ponto de encontro para todas as caravanas como destino ao deserto de areia é o pequeno vilarejo de Bidiyah, a duas horas e meia de carro a sudeste de Mascate. Em Bidiyah os carros precisam ser abastecidos e têm os pneus parcialmente descalibrados, para aumentar o atrito com a areia. É recomendável levar bastante líquido e comida, além de tendas e cobertores para suportar as baixas temperaturas da madrugada. A trilha através do deserto de areia dura cerca de 24 horas. Sendo possível a prática de diversos esportes, como rali e sandboard (Fig. 8).

Figura 8 Dunas de areia na porção norte do deserto Wahiba Sands em Omã. Dunas de areia do deserto Wahiba Sands em Omã. A ligeira coloração avermelhada indica minerais óxidos de ferro, principalmente hematita, formados a partir do intemperismo de rochas do Ofiolito Samail. Porções mais esbranquiçadas são ricas em carbonato e quartzo.

 

O Grand Cânion das Arábias

O grande cânion Wadi Al Nakhr, ou grande cânion das arábias como é conhecido, faz parte da cadeia de montanha de Jebel Akhdar, sendo um dos cumes mais impressionantes dessas montanhas. As sucessivas inundações cavaram um profundo e espetacular cânion no cume de Jebel Shams (3009 m a.s.l.). Este cenário é muito atraente por possuir penhascos íngremes, incisões profundas de wadis com fluxos perenes, cânions estreitos com piscinas azuis e cachoeiras, além de pequenas vilas com terraços verdes agarrados ao lado de barrancos íngremes.

É formado predominantemente por rochas carbonáticas de coloração marrom acinzentada de idade Permiano–Cretáceo Superior. Uma trilha bem conhecida na região é a “balcony walk” que segue paralela às margens do Wadi Al Nakhr do vilarejo de Al Khateem no nível inferior até o pico da montanha. Ao longo do caminho é possível observar o conjunto de falhas e fraturas ao longo das escarpas das montanhas.

Figura 9 Vista do Grande Cânion das Arábias. Fonte: Hoffmann et al (2016).

 

Ofiolito Samail

O Ofiolito Samail (Fig. 11), exposto ao longo das montanhas de Omã é conhecido como o maior, mais intacto, melhor exposto e mais intensamente estudado complexo ofiolítico no mundo (Searle, 2014). Datações U-Pb em zircões de trondhjemitos da parte gabróica do ofiolito mostram que a formação dessas rochas remete ao Cenomaniano, há cerca de 95 milhões de anos (Warren et al. 2005). A esta época, estima-se que um oceano de mais de 1.500 km de largura fechou, e um pedaço dele sofreu obducção na borda da placa da Arábia onde agora se encontra Omã, formando o Ofiolito Semail (Searle & Cox, 1999).

O ofiolito de Omã é constituído por rochas vulcânicas e ultramáficas do manto superior, e ocupa quase 100,000 quilômetros quadrados. Esse ofiolito que antes chegava a 15 quilômetros de espessura e situava-se sob um longo oceano profundo, foi empurrado e hoje forma o topo da borda nordeste do continente árabe. Através dos Ofiolitos de Omã, é possível mapear os caminhos de magmas através de diques nas sequências superiores do manto (harzburgitos-dunitos), traçar a descontinuidade de Mohorovičić, observar câmaras magmáticas, pillow lavas e tantas outras estruturas relacionadas ao manto superior e crosta oceânica.

Figura 10 Principais litologias e sequencia estrutural do Ophiolite Samail, a partir da base: (a) “sole” metamórfica formada por anfibólios no plano de cavalgamento; b) Sequencia mantélica formada por peridotitos, dunitos de cor clara e harzburgitas marrons; c) Zona de transição entre o manto superior e crosta (Moho) com wehrlitos escuros gabros intrudindo harzburgitos; d) gabros de crosta inferior em camadas interbandados com peridotitos do manta de cor escura; (e) complexo de diques sob pillow lavas inferiores, Wadi Ahin; e (f) unidade Geotimes, pillow lavas superiores no Wadi Jizzi. Fonte: (Searle, 2014).

 

O eclogito As Sifah (Fig. 12), por exemplo, representa a parte da sola da placa oceânica do Ofiolito Samail. Essa rocha foi formada a partir de sills basálticos que intrudiram os calcários da Formação Saiq (Permiano) ao longo da margem continental de Omã, e foram posteriormente subductados à profundidades superiores a 80 km durante os últimos estágios da obducção do Ofiolito Samail, sob condições metamórficas de aproximadamente 540ºC e 21 Kbar (Searle et al. 2004).

Figura 11 Vista e detalhe do eclogito As Sifah, com porfiroblastos de granada em matriz rica em glaucofanos e fengitas.

 

Wadi Al Abyad – Moho

O afloramento do Moho, ou descontinuidade de Mohorovičić, encontrado no wadi al Abyad (Fig. 13) é considerado a sequência mais claramente distinguível da série de rochas gabróicas e peridotíticas no mundo. Essa transição é normalmente encontrada em média a 35 km de profundidade abaixo do continente e a cerca de 7 km abaixo da crosta oceânica. O que faz de Omã um dos raros locais na Terra onde as rochas da transição manto – crosta foram expostas ao longo de algumas centenas de metros, trazidas para a superfície por forças tectônicas. Em alguns lugares, o Moho é representado por um contato planar entre peridotitos (harzbugito-dunito) e gabros bandados.

Figura 12 Afloramento Moho no Wadi Al Abyad. Fonte: Hoffmann et al (2016).

 

Sistemas de Irrigação Aflaj: patrimônio arqueológico de Omã

Nos arredores da capital Mascate, em meio a paisagem montanhosa predominante no nordeste do país, chama atenção o sistema de distribuição hídrico a partir das montanhas: o Falaj. Os Aflaj, plural de Falaj, representam mais de três mil sistemas de irrigação ainda em uso em Omã. Evidências arqueológicas indicam que este sistema começou a ser utilizado em torno de 2500 A.C. Pela sua importância histórica e seu impacto social, a UNESCO reconheceu em 2005 os Aflaj de Omã como patrimônio da humanidade

Falaj, na língua árabe, significa dividir em partes iguais. Nesse sentindo, os Aflaj representam aquedutos construídos com o objetivo de canalizar a água das montanhas. Aproveitando-se da força da gravidade, a água é levada montanha abaixo por quilômetros, alimentando vilas, cidades e servindo como uma das principais fontes de irrigação para a agricultura local.

Figura 13 Ilustração de um Falaj tipo Dawudi. Fonte: Al-Ismaily and Probert, 1998.

 

Os Aflaj podem ser divididos em três tipos (Al-Ismaily & Probert, 1998): Dawudi Aflaj que interceptam o lençol freático por uma rede túneis, cavados manualmente, responsáveis por trazer a água até a superfície e distribuí-la montanha abaixo; Ghayli Aflaj, onde a água é acumulada em depressões em wadis, para depois ser canalizada; e, Ayni Aflaj alimentados diretamente por nascentes de água. Uma combinação de dois ou mais tipos de Aflaj, é também comum.

Figura 14 Poço de acesso (ou de controle) de túnel, e túnel de um Dawudi Aflaj.

 

Quando um Falaj era construído, o direito ao seu uso era dividido proporcionalmente ao capital ou investimento em mão de obra de cada família que participou na sua construção. Esse direito de uso podia ser negociado como ativos, como se fossem terras, entre as famílias omanenses (McDonnell, 2016). Dessa forma, cada família detinha o direito de uso do Falaj por determinado tempo durante o dia ou a noite, sendo esta partição geralmente controlada por um ancião da vila.

Embora os Aflaj já não forneçam mais água em larga escala para uso doméstico e para a agricultura, eles foram a principal fonte de abastecimento de água em Omã, com exceção da planície costeira, onde poços eram também utilizados. Diversas plantações, além de criações de animais, eram e ainda são alimentados pelos Aflaj, sendo as plantações de Tâmaras (Phoenix dactylifera) as mais expressivas, fazendo delas até hoje o principal produto da agricultura omanense.

Figura 15 Canal de Falaj a esquerda e Tamareiras (Phoenix dactylifera), a direita, irrigadas pelo Falaj.

 

Conclusões e recomendações

Omã possui inúmeros e impressionantes sítios geológicos que permitem, em um uma área relativamente pequena, conhecer a geologia do país e ter acesso a raras exposições da crosta oceânica representada pelo Ofiolito Samail, e isto graças ao ambiente de deserto atual. Embora o país não seja tão famoso como seu vizinho Emirados Árabes Unidos, a infraestrutura moderna e excelente rede viária o torna um atrativo para os amantes do Geoturismo, além de uma oportunidade de conhecer a cultura árabe local.

Com o declínio na produção de óleo e gás, o Sultanato tem apostado no turismo como uma de suas fontes de renda para agora e para o futuro. Investimentos incluem diversos resorts, parques e um novo aeroporto de última geração inaugurado na capital Mascate.

Oportunidades de estágio nos centros de ensino no país são oferecidas semestralmente para as mais diversas áreas de atuação, incluindo a geologia. Essas são, também, uma forma de se conhecer o país. As candidaturas são geralmente individuais e têm como pré-requisito o domínio da língua inglesa, utilizada nas instituições de ensino superior.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem a German University of Technology in Oman pela oportunidade de estágio nessa instituição, em especial ao Departamento de Geologia, incluindo todos os professores e demais internos. Ao professor Marcondes Lima da Costa pelas correções e melhoramento do presente texto.

 

Referências

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